América Latina

Os Estados Unidos de Trump 2.0: a nova política de imigração, cidadania e mercado

(Arquivo) O então presidente Donald Trump celebra 200ª milha do novo muro de fronteira ao longo da fronteira EUA-México, perto de Yuma, no estado do Arizona em 23 jun. 2020 (Crédito: Casa Branca/Shealah Craighead/Flickr)

Dossiê “100 Dias de Trump 2.0” 

Por Kamilla Mayara Melo Alvim e Matheus Ribeiro Salles* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Migração] 

Durante sua última campanha eleitoral, Donald Trump apresentou uma série de propostas com foco na política migratória. Essas evidenciaram a articulação de alianças estratégicas com atores políticos e institucionais relevantes, com o objetivo de viabilizar sua implementação. As medidas anunciadas abarcaram não apenas a temática migratória, mas também áreas como economia e energia. Entre os principais pontos abordados em seus discursos, destacam-se: a realização de deportações em larga escala, a reformulação dos critérios para a concessão de cidadania, a imposição de tarifas sobre produtos importados, a formulação de políticas relativas a questões de gênero, além de posicionamentos acerca da regulação do aplicativo TikTok — de origem chinesa — e propostas para a resolução do conflito na Ucrânia. 

Considerando-se a posição de destaque dos Estados Unidos no sistema internacional, é possível afirmar que as políticas adotadas por sua liderança tendem a exercer efeitos diretos e indiretos sobre outros países, seja por meio da influência normativa, seja pelo incentivo à adoção de políticas semelhantes por parte de outros governos.  

No contexto da política interna dos Estados Unidos, é relevante observar que, em seu segundo mandato, Donald Trump conta com maioria tanto na Suprema Corte quanto no Congresso, onde o Partido Republicano detém o controle em ambas as casas. Esse cenário institucional favorece a implementação de sua agenda política e amplia sua capacidade de transformar promessas de campanha em ações concretas. 

Imigração em Trump 2.0 

File:Seal of U.S. Customs and Border Protection.png - WikipediaDe acordo com os dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês), os Estados Unidos registraram um recorde histórico de 2.475.669 travessias na fronteira sudoeste com o México em 2023, valor 19% superior ao de 2022 (1.997.956) e 153% maior que o de 2019 (977.509), último ano pré-pandemia. Em 2024, o total de entradas caiu para 2.049.004, uma redução de 17% em relação a 2023. Cabe lembrar que, já em seu primeiro mandato (2017-2021), Trump adotava uma postura intransigente em relação à imigração, tendo como uma de suas principais propostas a construção de um muro ao longo da fronteira com o México.

Em seu segundo mandato, Trump pretende intensificar a política de deportações em massa — já colocada em prática anteriormente —, além de propor alterações nas regras de cidadania para filhos de imigrantes em situação irregular. Trata-se de uma medida que pode impactar diretamente a América Latina, região de maior fluxo de imigrantes para os EUA. 

No dia 19 de abril de 2025, cidadãos dos Estados Unidos organizaram manifestações em todo o território nacional para expressar sua insatisfação com as políticas implementadas pelo presidente Trump. Manifestações ocorreram com frequência em abril, com multidões reunindo-se em uma demonstração da queda de popularidade de Trump. A manifestação, denominada “50501”, uma referência às palavras “50 protestos, 50 estados, 1 movimento”, foi realizada em diversas regiões do país, em frente à Casa Branca, em prédios da Tesla e até mesmo em comemorações, como a que ocorria em Massachusetts, que lembrava as batalhas de Lexington e de Concord e a famosa cavalgada de Paul Revere. Conforme indicado em pesquisa do Instituto Gallup, ao analisar a evolução dos percentuais de aprovação dos primeiros 100 dias de mandato, verifica-se que Trump iniciou seu primeiro governo com 44% de aprovação, mas apresentou uma queda de 3% ao longo do referido período. Em Trump 2.0, iniciou com 47%, diminuindo para 44% no mesmo período. Joe Biden, por sua vez, manteve estável o índice de 57% de aprovação ao longo dos primeiros 100 dias de governo. 

Gold card 

Em 25 de fevereiro de 2025, o presidente Donald Trump comentou sua proposta de criação de um novo visto de residência permanente nos Estados Unidos, denominado gold card, que teria o custo de US$ 5 milhões (R$ 28,9 milhões). Segundo o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, o gold card seria um visto aprimorado dos atuais green card e EB-5 e um dos caminhos para se obter a cidadania americana. Neste contexto, o principal objetivo é a obtenção de vistos por parte de estrangeiros com alto poder aquisitivo. Em fevereiro, Trump explicou que o plano inicial seria de emitir até 1 milhão de vistos e que os resultados financeiros poderiam ser utilizados para reduzir o déficit nas contas públicas. De uma perspectiva econômica, se 200.000 vistos forem vendidos ao preço de US$ 5 milhões cada, seria possível usar US$ 1 trilhão na redução na dívida nacional. Tal narrativa acerca da solução para o déficit nas contas públicas está relacionada à sua campanha, na qual enfatizava a necessidade de reduzir os gastos públicos.  

Em entrevista, Lutnick expressou que o novo visto atrairia os “cidadãos globais maravilhosos” para os Estados Unidos, demonstrando a projeção de uma expansão da Elite financeira americana em detrimento das classes médias e baixas dos americanos. Seguindo a perspectiva teórica do pensador Gaetano Mosca (1858-1941), em seu livro Elementi di Scienza Política (1896), no qual desenvolve sua Teoria das Elites, os Estados Unidos estariam aumentando sua “Classe Dirigente” por intermédio do poder econômico com a aplicação do gold card. Na visão de Trump, essa política resultaria na criação de empregos e de renda, como declarado em entrevista: “Eles serão ricos e bem-sucedidos, e gastarão muito dinheiro, pagarão muitos impostos e empregarão muitas pessoas”. 

Ainda de acordo com o secretário do Comércio, o atual sistema de green cards não garante ganhos efetivos para os EUA, além de apresentar diversas falhas em sua composição, como o valor mínimo de investimento em US$ 1 milhão, a limitação de 10 mil vistos por ano, com 3 mil reservados para investidores e a demora no processo, que pode durar meses ou anos. O governo Trump se projeta como o grande solucionador para os problemas atuais no sistema de vistos green card. O presidente alega que os gold cards não exigiriam aprovação do Congresso, demonstrando uma maior rapidez na emissão de vistos. No caso do green card e do EB-5, existem pré-requisitos ao candidato, como já estar residente nos EUA por cinco anos, antes de se tornarem elegíveis para a cidadania. 

Diferentemente da fala de Trump, a implementação do novo visto pelo governo pode enfrentar obstáculos, uma vez que a lei federal de imigração e nacionalidade é de competência do Congresso e protegida pela Constituição dos EUA. Tal fato resulta em uma incongruência normativa, gerando questionamentos sobre como Trump adotaria os novos vistos sem a jurisdição e a aprovação do congresso. Para a conclusão do programa EB-5 e a adoção do novo visto, seria necessária a aprovação de uma nova legislação pelo Congresso, com o encerramento programático do EB-5 RC em 2027. O Congresso enxerga com certo ceticismo as declarações do presidente sobre o assunto. 

Em 5 de abril de 2025, Trump apresentou um protótipo do gold card, um novo visto estampado com sua imagem, anunciando que seria o primeiro comprador e prometendo que estaria disponível “em menos de duas semanas” — o que, até o momento, após o dia 20, não se concretizou. A proposta chama atenção não apenas pelo simbolismo, mas também pela lógica subjacente. Como observou a economista Maria da Conceição Tavares, “não há nenhuma civilização que identifique um cidadão pelo cartão de crédito ou pela carteira de motorista, na verdade, é um consumidor”. Atualmente, essa afirmação ganha ainda mais relevância diante da possível implementação do gold card, que parece transformar a identidade do cidadão em função de seu poder de consumo. Assim, a política do novo visto revela a maneira como o governo Trump enxerga a sociedade americana: não mais prioritariamente como um coletivo de cidadãos, mas como um mercado de consumidores, onde o poder de compra se torna elemento central de pertencimento e reconhecimento social. 

🇺🇸 Trump Gold Card (Distribute freely)・Free STL File for 3D printing・CultsO golden card de Trump (Fonte: Cults)

Deportação 

Com uma política fortemente voltada para o endurecimento das medidas migratórias, Donald Trump iniciou seu mandato em 20 de janeiro, adotando uma série de ações contra a migração indocumentada nos Estados Unidos. Já nos primeiros três dias, o presidente autorizou agências de segurança a investigarem e prenderem imigrantes em situação ilegal, além de permitir deportações rápidas, sem a necessidade de audiência judicial. Nos primeiros dias da nova gestão, Trump implementou sua agenda anti-imigração, incluindo a tentativa de restabelecer o programa “Remain in Mexico”. Essa política tem como objetivo devolver os solicitantes de refúgio ao México, onde devem aguardar a realização de suas audiências, o que lhes permitiriam entrar nos Estados Unidos. Embora justificada como uma forma de aliviar a pressão sobre o sistema de imigração norte-americano, a medida tem sido amplamente criticada por expor os solicitantes a condições perigosas e inseguras. 

Entre 20 de janeiro e 7 de fevereiro de 2025, os Estados Unidos deportaram aproximadamente 11 mil migrantes para o México, incluindo cerca de 2,5 mil não mexicanos, segundo a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum. Apesar do endurecimento das políticas migratórias, o ritmo diário de deportações no segundo mandato de Donald Trump foi inferior ao registrado no final da gestão de Joe Biden. Entre 26 de janeiro e 8 de fevereiro, a média diária foi de 693 deportações, uma queda de 6,5% em relação ao período final do governo anterior. Em janeiro de 2025, o governo Trump deportou 37.660 pessoas, número significativamente inferior à média mensal de 57 mil deportações registrada no último ano completo da administração Biden. Esses dados indicam que, embora tenha havido intensificação das ações de fiscalização e de detenção, o volume total de deportações permanece abaixo dos níveis observados durante o governo Biden. Nesse período, Trump também adotou outras medidas, como o fechamento da fronteira com o México para entrada de imigrantes, o envio de tropas para conter travessias e a autorização de operações de busca por imigrantes em locais de trabalho, escolas e igrejas. 

Imagem compartilhada pela secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, na plataforma X, em 24 jan. 2025, acompanhada do texto: “Os voos de deportação já começaram. O presidente Trump está enviando uma mensagem forte e clara para o mundo inteiro: se você entrar ilegalmente nos Estados Unidos da América, sofrerá graves consequências” (Fonte: X/Wikimedia Commons)

O caso brasileiro 

No dia 11 de abril, chegou ao Brasil o quinto voo com brasileiros deportados dos Estados Unidos. Entre janeiro e essa data, o total de deportados já somava 627. Durante o primeiro mandato do presidente Donald Trump, foram realizadas 935 mil deportações de imigrantes em situação irregular, das quais 6.776 era cidadãos brasileiros, ou seja, menos de 1% do total. No governo de Joe Biden, observou-se uma redução de 41% no número global de deportações, com 545 mil registros. Destes, 7.168 eram brasileiros, correspondendo a 1,3% do total. Apesar da diminuição geral nas deportações, segundo dados da Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês), 392 brasileiros a mais foram deportados durante o governo Biden em comparação ao primeiro mandato de Trump O primeiro voo de repatriação com destino ao Brasil no início de Trump 2.0 ocorreu em 24 de janeiro, trazendo 88 brasileiros. A condução da deportação gerou críticas do governo brasileiro, já que os deportados foram transportados algemados nas mãos e nos pés. 

A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, ressaltou que, embora cada país tenha o direito de definir suas próprias políticas migratórias, essas políticas não podem violar os direitos humanos, ao tratar migrantes indocumentados como criminosos. O Itamaraty também se pronunciou sobre o caso, informando que os Estados Unidos descumpriram termos do Acordo de Repatriação de Brasileiros, de 2017, firmado durante os mandatos dos então presidentes Michel Temer e Donald Trump, o qual previa o tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados. Diante disso, o governo brasileiro expressou insatisfação e classificou o desrespeito às condições previamente acordadas com o governo norte-americano como inaceitáveis. O Brasil havia concordado com a realização de voos de repatriação, a partir de 2018, visando a reduzir o tempo de permanência de seus cidadãos em centros de detenção nos EUA, após esgotadas todas as possibilidades legais de permanência no país. 

As medidas adotadas impactaram as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e o Brasil, levando o Itamaraty a convocar o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos. A reunião foi conduzida pela embaixadora Márcia Loureiro, secretária de Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares. Na ocasião, o governo brasileiro afirmou que não pretende transformar a questão da deportação de brasileiros em um cabo de guerra com Trump. 

Lógica de mercado 

As políticas migratórias implementadas por Donald Trump em seu segundo mandato intensificam e radicalizam as diretrizes estabelecidas em seu primeiro período de governo. Exemplos disso são as deportações em massa, que afetam diretamente os brasileiros, e a falta de cumprimento de acordos previamente estabelecidos. Tais medidas refletem um posicionamento pragmático e seletivo, que prioriza interesses econômicos e geopolíticos em detrimento de valores humanitários fundamentais e da integração social. A proposta de um visto baseado exclusivamente na capacidade financeira, por exemplo, não apenas agrava as desigualdades preexistentes, mas também transforma a cidadania em um privilégio restrito a uma elite, subvertendo a ideia de direitos humanos universais e adotando uma lógica de mercado. 

Essa abordagem exacerba as divisões sociais e pode alimentar um ciclo de xenofobia, pois estabelece uma hierarquia entre os migrantes, classificando-os como “desejáveis” ou “indesejáveis” com base em seu poder aquisitivo. Ao ignorar as complexidades das migrações contemporâneas, como crises humanitárias e perseguições políticas, as políticas de deportação em massa e o endurecimento das fronteiras revelam o desinteresse de Trump pelos direitos humanos, uma postura já conhecida de sua administração. A criminalização dos imigrantes, aliada a práticas desumanas durante as deportações, não só infringe acordos internacionais, como exacerba as tensões diplomáticas, em especial com países latino-americanos, historicamente afetados por essas políticas. 

Além disso, a persistência dessas ações pode ter consequências duradouras, criando um cenário de polarização e divisão social tanto dentro dos Estados Unidos quanto entre as nações da América Latina. Por fim, são medidas que minam as possibilidades de cooperação internacional em temas cruciais, como direitos humanos e migração.

 

* Kamilla Mayara Melo Alvim é bacharelanda em Relações Internacionais pelo IESB, tecnóloga em Comércio Exterior e pós-graduada em Direito Internacional e em Diplomacia, Cooperação Internacional e Políticas Públicas (UNINTER). Atua na Assessoria Internacional da Defensoria Pública da União (DPU), com experiência em cooperação internacional e articulação diplomática. Contato: Kamilla.alvim@gmail.com. 

Matheus Ribeiro Salles é bacharelando em Relações Internacionais pelo IESB. Atuou como diretor-executivo na iniciativa acadêmica SINEI (Simulação de Negociação Internacional), entre 2022 e 2024. Participou como equipe de apoio do “Curso de preparação para o exercício da missão de assessoramento em assuntos agrícolas – Edição 2023 e 2024”, no instituto Rio Branco, e tem trabalho acadêmico em “Energia Nuclear” certificado pela Embaixada do Irã no Brasil.  Contato: Matheussalles2012@gmail.com. 

** Primeira revisão: Victor Cabral. Revisão e edição finais: Tatiana TeixeiraRecebido em 23 abr. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. 

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