Tempo instável para Boeing: China pode cancelar pedidos em reação a tarifaço de Trump

Crédito: © skeeze, Pixabay, CC0 Creative Commons
Por Henrique Menezes* [Informe OPEU] [Trump 2.0] [China] [Embraer]
Era de se esperar que a crescente tensão comercial entre Estados Unidos e China atingisse novos patamares, com ações direcionadas a setores econômicos e produtivos de alta relevância estratégica. A experiência recente das tentativas dos EUA de minar a capacidade chinesa no setor de semicondutores — com o uso de instrumentos de controle de exportações e restrições a investimentos chineses nesse setor — geraram aprendizados. A decisão de Pequim de interromper a aquisição e novas entregas de jatos, peças e equipamentos da fabricante norte-americana Boeing é uma retaliação direta às tarifas elevadas impostas por Washington sobre produtos chineses, mas direcionada a um setor estratégico para os estadunidenses.
O agravamento da guerra comercial entre as duas maiores potências econômicas do mundo já produz turbulências no setor aéreo, especialmente para a empresa norte-americana, mas também afetará uma ampla cadeia produtiva global. Essa ação estratégica do governo chinês atinge um dos pontos mais sensíveis da Boeing: sua presença no mercado chinês, que é absolutamente crucial para os planos da companhia. A China não é apenas um grande cliente. Ela é, atualmente, o segundo maior mercado mundial de aviação comercial, atrás apenas dos Estados Unidos, e responde por uma fatia significativa da demanda global por aeronaves. Com perspectivas de crescimento acelerado nas próximas décadas, a China é considerada um mercado fundamental nos planos de expansão das principais fabricantes de aeronaves — especialmente em um momento em que a Boeing tenta se reerguer após enfrentar uma série de crises relacionadas com a segurança de seus modelos e com sua capacidade de produção.
O impacto da decisão chinesa vai muito além de números pontuais. A suspensão das entregas sinaliza uma possível ruptura em uma relação que vinha sendo tratada como estratégica pela Boeing. Entre 2025 e 2027, apenas três grandes companhias aéreas chinesas — Air China, China Eastern Airlines e China Southern Airlines — planejavam receber juntas nada menos que 179 aeronaves da fabricante americana. Para se ter uma ideia do peso do mercado chinês, em 2024, a Boeing entregou o total de 348 aeronaves. Ou seja, esses pedidos representavam uma parte considerável da carteira de encomendas da empresa para o período.
A reação do mercado foi imediata: as ações da Boeing encerraram o pregão da terça-feira (15/4/2025) em queda, com desvalorização de quase 2%. Apesar da repercussão internacional da notícia, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, evitou confirmar oficialmente a suspensão das compras de aeronaves da empresa americana, limitando-se a declarações genéricas sobre as relações comerciais com os Estados Unidos.
Decolagem da Embraer?
As implicações da decisão chinesa vão, no entanto, além da disputa bilateral. Com a possível saída da Boeing de uma fatia relevante do mercado chinês, outras fabricantes de aeronaves começaram a atrair a atenção de investidores e governos. A brasileira Embraer, por exemplo, viu suas ações subirem 3,06% no mesmo dia em que a Boeing amargava perdas. A valorização foi interpretada como um reflexo da expectativa de que a Embraer possa ocupar parte do espaço deixado pela empresa americana no mercado asiático.
Durante esse período, autoridades chinesas elogiaram publicamente o Brasil, destacando o país como um “importante ator da aviação global” e sinalizando interesse em estreitar os laços de cooperação com a indústria aeronáutica brasileira.
A disputa entre China e EUA no setor aeronáutico se insere em um cenário mais amplo de competição estratégica entre as duas potências. A guerra comercial iniciada em mandatos anteriores ao do atual governo Trump evoluiu para um conflito sistêmico, envolvendo áreas tecnológicas críticas, propriedade intelectual e segurança nacional. Pela sua complexidade e importância estratégica, a indústria de aviação se tornou um dos tabuleiros dessa disputa.
Ao mesmo tempo, a escalada nas tensões comerciais gera um efeito dominó. Empresas americanas que dependem de exportações para a China, em diferentes setores, temem se tornar os próximos alvos de retaliação. E países como o Brasil, a Índia e os membros da União Europeia passam a ser vistos com mais atenção por ambos os lados, tanto como parceiros comerciais estratégicos quanto como possíveis beneficiários colaterais da disputa.
Enquanto a Boeing tenta lidar com os prejuízos imediatos, a China parece enviar um recado claro: qualquer ação econômica hostil dos Estados Unidos terá resposta proporcional — mas com impacto global.
Leia mais do autor no OPEU
Informe OPEU “O raio cai duas vezes no mesmo lugar: a indicação de RFK Jr. para Saúde no governo Trump 2.0”, 18 nov. 2024
Informe OPEU “Retorno norte-americano à OMS traz otimismo e algumas dúvidas”, 3 mar. 2021
Informe OPEU “Menos profissionais, mais subordinação: Pompeo cobra explicações da OPAS sobre ‘Mais Médicos’”, com Daniela Prandi, em 13 jun. 2020
Panorama EUA “Trump e a pandemia de covid-19: nacionalismo, evasão e ameaças ao multilateralismo”, 31 de maio de 2020
* Henrique Zeferino de Menezes é pesquisador do INCT-INEU e professor do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Contato: hzmenezes@ccsa.ufpb.br.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 16 abr. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.
Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Linkedin e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.
Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.
Somos um observatório de pesquisa sobre os EUA,
com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.