Sociedade

As leis de banimento contra a educação antirracista nos Estados Unidos

(Arquivo) Ato ‘Ensine a verdade’, em Milwaukee, em 12 jun. 2021, como parte do Dia Nacional de Ação organizado pelo Projeto de Educação Zinn e pelo movimento Black Lives Matter na Escola (Crédito: Milwaukee Teachers’ Education Association/Flickr)

Série pelo Black History Month

Por Vitória de Oliveira Ribeiro, Débora Figueiredo M. do Prado e Júlia Camargo Assad de Souza* [Informe OPEU]

O assassinato de George Floyd por um policial branco, em maio de 2020, no estado de Minnesota, nos Estados Unidos, desencadeou uma onda de protestos em todo o país, denunciando o racismo estrutural e a violência policial contra as minorias étnico-raciais, bem como fortaleceu o debate sobre o racismo estrutural com a ascensão do movimento Black Lives Matter.

Em oposição a esse movimento, o então presidente Donald Trump implementou em setembro de 2020 a Ordem Executiva 13950, intitulada “Combating Race and Sex Stereotyping”, que proibia qualquer agência federal, assim como seus contratados, subcontratados e beneficiários, de conduzir qualquer tipo de treinamento que abordasse a diversidade racial e de gênero. Mais especificamente, o decreto listou o que o presidente denominou como “conceitos divisivos”, censurando o debate relacionado à raça, sexismo, identidade de gênero ou orientação sexual, e alertando sobre os “perigos” da Teoria Crítica da Raça para a unidade do país.

A decisão ocorreu em meio a uma série de movimentos que restringem os esforços para combater o racismo e a desigualdade racial, étnica e de gênero no país. Desde as eleições de 2020, legislações mais restritivas ao voto têm um impacto significativo na realidade das minorias nos Estados Unidos. Tal movimento segue em crescimento, mesmo com a saída de Trump da Presidência. Como apresentado pelo levantamento do Brennan Center, em 2023 foram aprovadas 17 leis restritivas que dificultam que os americanos elegíveis emitam seus votos em 14 estados.

Aumento das ações de banimento

As iniciativas para restringir o debate sobre os impactos do racismo e obstaculizar os avanços na inclusão das minorias nas instituições e na sociedade norte-americana têm empregado diversos mecanismos, incluindo o questionamento das políticas afirmativas implementadas no país desde a década de 1960, com a aprovação da Lei dos Direitos Civis.

As narrativas dos opositores da Teoria Crítica da Raça (TCR) distorcem seu arcabouço teórico, argumentando que a teoria classifica os negros como oprimidos, e os brancos, como opressores. Críticos acusam a teoria de promover a divisão entre as pessoas, incitar a intolerância e se concentrar em dinâmicas negativas da identidade do grupo, em vez de promover traços universais e compartilhados. Outro ponto atacado pelos opositores é a noção de “privilégio racial”, ou “privilégio branco”. Grupos conservadores influentes, como o think tank Heritage Foundation, opõem-se à teoria. Argumenta-se que ela é destrutiva, ao reimaginar os Estados Unidos como uma nação dividida por grupos, o que normalizaria a intolerância e enfraqueceria a unidade nacional.

A derrota de Trump nas eleições de 2020 não reduziu a cruzada contra a Teoria Crítica da Raça no país. Mesmo com a revogação da Ordem Executiva por Joe Biden, vários estados propuseram legislações e medidas destinadas a proibir o debate sobre Raça, Etnia e Gênero no sistema educacional do país. Legislaturas estaduais controladas pelos republicanos continuaram a promulgar proibições semelhantes, contando com o apoio de grupos conservadores, e as escolas públicas emergiram como o principal campo de batalha nesse debate.

Amostra de livros proibidos na Biblioteca Pública de San Jose (Crédito: cortesia da Biblioteca Pública de San Jose via Flickr | CC-BY-SA 2.0/The Daily Montanan)

Tais medidas visam a instituições educacionais do ensino fundamental, médio e superior, empresas privadas ou sem fins lucrativos, agências estaduais ou federais e terceirizados. Entre as principais medidas proibitivas estão: a afirmação de que os Estados Unidos são fundamentalmente racistas, ou sexistas; a proibição da divulgação, ou do financiamento, da iniciativa implementada no âmbito do Projeto 1619, que analisa a história escravocrata do país; a discussão de temas relacionados a raça, ou sexo, que possam gerar desconforto, culpa, angústia, ou qualquer outra forma de aflição psicológica em razão de sua raça ou sexo; e a aplicação de “conceitos divisivos”, ou de “questões controversas”, conforme indicado no decreto 13950 de Trump.

Segundo o rastreamento realizado pelo Programa de Estudos Críticos sobre Raça da Faculdade de Direito da UCLA, o CRT Forward, no período de 2021 a 2023 foram apresentadas 783 medidas contrárias à Teoria Crítica da Raça. Atualmente, 21 estados têm legislações aprovadas que proíbem menções à raça, à etnia, ao gênero, ou ao sexo:

Fonte: elaborado pelas autoras com base nos dados disponíveis do PEN America e Critical Race Studies Program, na UCLA School of Law.

Se observados todos os mecanismos de banimento, somente o estado de Delaware não conta com uma medida anti-TCR introduzida. Ainda assim, há uma tendência entre os estados republicanos de implementarem mais ações deste tipo, se compararmos com os estados democratas. No caso destes últimos, as medidas anti-TCR têm mais probabilidade de ocorrer em nível local, a partir de conselhos escolares.

Perspectivas para as eleições de 2024

À medida que a corrida presidencial de 2024 se intensifica, observamos uma tendência crescente de polarização entre os estados, com potencial aumento de medidas restritivas em estados republicanos, caso Trump vença. Apenas no ano de 2024, segundo dados do PEN America, foram apresentadas 54 propostas legislativas nesse sentido. Ao longo de sua campanha, a então pré-candidata Nikki Haley rotulou a Teoria Crítica da Raça (TCR) como antiamericana, enquanto o favorito Trump já expressou sua intenção de cortar recursos de instituições que apoiam esse debate.

É provável que, em caso de vitória do ex-presidente, essas medidas ganhem mais força, resultando no apoio e no fortalecimento dessas ações a partir de medidas no nível federal destinadas a proibir qualquer discussão sobre racismo, sexismo, orientação sexual e identidade de gênero no sistema educacional.

 

* Vitória Ribeiro é mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia (PPGRI-UFU). Foi bolsista CAPES. Contato: vitoria.ribeiro@ufu.br.

Débora F. M. Prado é professora associada do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU) e Pesquisadora do INCT-INEU. Contato: deboraprado@ufu.br.

Júlia Assad é bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/OPEU (PIBIC-CNPq), graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Economia (IERI/UFU). Contato: Julia.assad@ufu.br.

** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 13 mar. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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