Sociedade

A nova decisão da Suprema Corte do Alabama e os embates do direito reprodutivo nos EUA

Prédio da Suprema Corte do Alabama (Crédito: Jimmy Emerson, DVM/Flickr)

Por Júlia Duarte Silva* [Informe OPEU]

No dia 20 de fevereiro, o Supremo Tribunal do Alabama decretou que embriões congelados serão considerados e tratados como crianças diante da lei do estado, o que gerou preocupações no que tange às implicações para tratamentos de fertilidade. A decisão foi motivada por três casos de homicídio culposo levados por três casais que tiveram seus embriões congelados destruídos em um acidente em uma clínica de fertilização.

Nos últimos anos, tem-se evidenciado um movimento de retrocesso em relação a conquistas da esfera dos direitos reprodutivos das mulheres nos Estados Unidos, especialmente após a revogação de Roe vs. Wade, que abriu portas para que os estados banissem as leis do direito ao aborto. Essa decisão ocorreu em junho de 2022 e em cerca de um ano, 14 estados tornaram o aborto ilegal. É importante ressaltar, porém, que a legislação Roe vs. Wade tem um sentido ainda mais amplo, relacionando-se com pautas de privacidade, direito reprodutivo e autonomia corporal.

Em seu pronunciamento, o Tribunal do Alabama demonstrou o sentimento antiabortista que sempre foi visualizado no mesmo, amparando a decisão em uma lei estadual de 1872, a qual permite aos pais processar o “responsável” pela morte de um filho menor, aplicando-a universalmente a todos os nascituros, independentemente de seu estágio de desenvolvimento ou localização física. O juiz Jay Mitchell, autor da decisão da maioria republicana, enfatizou que os nascituros devem ser reconhecidos como crianças, sem exceção. Há também, a concepção da linguagem antiaborto acrescentada à Constituição do Alabama em 2018, afirmando que é “política deste estado garantir a proteção dos direitos do nascituro”.

Em 2018, havia a perspectiva de que a transformação proposta não atingiria impactos práticos, uma vez que havia a garantia nacional em relação ao acesso ao aborto. Por isso, a menos que os estados ganhassem mais controle sobre o tema, os procedimentos legais se manteriam intactos, o que, como visto, não ocorreu, justamente pelo ganho de controle do acesso ao aborto em 2022. Nesse sentido, as discussões e os embates sobre a decisão têm acometido diversos grupos. Os defensores do direito ao aborto expressaram apreensão quanto ao seu potencial impacto nos tratamentos de fertilidade e no congelamento de embriões.

Barbara Collura, CEO da RESOLVE: The National Infertility Association, descreveu a decisão como um “desenvolvimento aterrorizante”, questionando as suas repercussões nas práticas de fertilização in vitro (FIV). A decisão, segundo a mesma, coloca questões fundamentais tanto para os prestadores como para os pacientes em relação ao futuro dos procedimentos de tratamento de fertilidade e à eliminação de embriões não utilizados. Assim, a decisão já motivou ações e tende a ter um impacto ainda mais claro. Sean Tipton, porta-voz da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, revelou que pelo menos uma clínica de fertilidade no Alabama interrompeu os tratamentos de fertilização in vitro após a decisão. A presidente da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, Paula Amato, expressou preocupação de que o tratamento de óvulos fertilizados congelados como legalmente equivalentes a crianças ou fetos possa limitar severamente o acesso aos cuidados de saúde modernos, uma vez que os prestadores podem hesitar em oferecer tratamentos que possam levar a repercussões legais.

Ecos da revogação de Roe vs. Wade

As discussões acerca do tema têm chamado atenção para o momento de controvérsias nos Estados Unidos sobre os direitos humanos, sua implementação na prática e a grande maioria republicana na Suprema Corte do país. Nesse contexto, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, disse que a decisão do Alabama refletiu as consequências da anulação de Roe vs. Wade por parte da Suprema Corte e culpou as autoridades eleitas republicanas de bloquearem o acesso às mulheres aos cuidados reprodutivos e de emergência.

P20220607CF-0253 | Press Secretary Karine Jean-Pierre looks … | Flickr(Arquivo) A secretária de Imprensa da Presidência, Karine Jean-Pierre, em entrevista coletiva, em 7 jun. 2022 , na Sala de Briefing de Imprensa James S. Brady na Casa Branca, Washington, D.C. (Crédito: Foto oficial da Casa Branca por Carlos Fyfe/Flickr)

O pronunciamento da Casa Branca ressalta a importância dos últimos acontecimentos da área de direitos humanos do país. Principalmente ao considerar os desafios significativos na administração Biden que colaboram para as expectativas sobre o lançamento do candidato final do Partido Democrata para a corrida eleitoral para o cargo de maior poder político dos Estados Unidos. As incertezas que rondam o momento político do país exigem posturas mais claras sobre vários temas, principalmente aqueles que foram mais evidenciados nos últimos anos, sendo um deles o direito reprodutivo das mulheres. Entretanto, o próprio modelo federalista e a revogação da Roe vs. Wade estabelecem obstáculos para transformações efetivas nesse aspecto, considerando-se a maioria republicana e conservadora no sistema legal do país.

A saga jurídica que levou a esta decisão no Alabama envolveu a destruição acidental de embriões congelados de três casais em uma clínica de fertilidade em que, embora alguns embriões tenham sido implantados com sucesso, outros foram armazenados na clínica. A decisão do tribunal permite que os processos por homicídio culposo movidos por estes casais prossigam, consolidando ainda mais o estatuto legal dos embriões como crianças. No entanto, surgiram vozes contrárias, como o juiz Greg Cook. Na única dissidência total apresentada, ele argumentou que estender a interpretação da lei de 1872 para cobrir embriões congelados se desviava de sua intenção original e alertou que a decisão poderia impedir a criação de embriões congelados por meio de fertilização in vitro no Alabama. Essa mudança pode ter implicações de longo alcance para os indivíduos que procuram tratamentos de fertilidade no estado.

Por isso, a decisão, influenciada pelos sentimentos antiaborto incorporados à Constituição do estado, reflete um contexto social e político mais amplo em torno dos direitos reprodutivos como um todo. Suas implicações vão além do Alabama e levantam questões sobre o equilíbrio entre a autonomia reprodutiva e o reconhecimento legal dos embriões, pauta que tem-se expandido no país com as transformações evidenciadas, principalmente, a partir de 2022. À medida que a nação se debate com a evolução das atitudes em relação aos cuidados de saúde reprodutiva, esta decisão serve como um forte lembrete das complexidades e controvérsias inerentes a este debate em curso.

 

* Júlia Duarte é graduanda em Relações Internacionais do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisadora na área de direitos humanos nos Estados Unidos e na relação Estados Unidos-América Latina pelo NUPEDH-UFU vinculado ao INCT-INEU. Contato: juliadsilva2001@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 22 fev. 2024. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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