Internacional

Troca de prisioneiros é avanço tímido nas relações entre EUA e Irã

(Arquivo) Casa Evin de Detenção, Irã, 4 ago. 2008 (Crédito: Ehsan Iran/Creative Commons;/Flickr)

Acordo que liberou cinco detidos de cada lado envolveu liberação de valores iranianos congelados durante o governo de Donald Trump

Por Isabelle C. Somma de Castro* [Informe OPEU]

Os governos dos EUA e da República Islâmica do Irã concordaram em promover uma troca de prisioneiros depois de dois anos de negociações. Como ambos os países não mantêm relações diplomáticas desde a tomada da embaixada estadunidense em Teerã por estudantes em 1979, houve a necessidade de intermediação do governo do Qatar. Esta é a primeira iniciativa comum de êxito entre os dois países desde a retirada unilateral estadunidense do Acordo Nuclear em 2018.

Além de liberar cinco cidadãos iranianos, os EUA descongelaram um fundo de US$ 6 bilhões referente à venda de petróleo da República Islâmica depositado em conta na Coreia do Sul. O montante poderá ser utilizado apenas para compras de remédios e alimentos em terceiros países. Em troca, os EUA receberam de volta cinco prisioneiros que detinham dupla cidadania (americana e iraniana; além de um britânico). Todos estavam detidos há pelo menos cinco anos – um deles há quase uma década – e se diziam inocentes de acusações de espionagem. Já os cinco cidadãos iranianos soltos haviam sido condenados por violarem as sanções econômicas impostas pelos EUA. Apesar de liberados, somente dois deles teriam voltado para o Irã.

A iniciativa foi duramente criticada pelos republicanos, especialmente por Donald Trump, para quem foi “um terrível precedente para o futuro”. Trump foi o responsável por congelar os fundos da República Islâmica durante sua campanha de “pressão máxima” contra o país, mesmo depois de haver retirado os EUA do pacto nuclear firmado por seu antecessor. Negociado entre Barack Obama e o então presidente iraniano, Hassan Hourani, em 2015, o Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA, Plano de Ação Conjunto Global, em tradução livre), liberalizava parte das sanções econômicas impostas ao Irã em troca do desmantelamento de seu programa nuclear e de inspeções frequentes às suas instalações. Desde a saída unilateral dos EUA do acordo, as relações entre ambos os lados se tornaram ainda mais complexas.

Acordo nuclear distante

O sucesso da troca de prisioneiros não significa que haverá avanços nas negociações de um novo acordo nuclear. Ao assumir a presidência, Joe Biden iniciou conversas, por meio de intermediários europeus integrantes do antigo JCPOA, em Viena, a fim de tentar um pacto ainda mais abrangente do que o anterior. Obama sofreu ataques tanto de fora como de dentro do próprio partido quando anunciou o JCPOA. A não inclusão de restrições ao desenvolvimento de mísseis balísticos no acordo era, segundo os críticos, um erro que colocaria Israel, aliado histórico dos EUA, em risco. Ao mesmo tempo, houve quem considerasse que o alívio de parte das sanções econômicas daria muito mais fôlego ao governo iraniano.

P5+1 Talks With Iran in Geneva, Switzerland | U.S. Secretary… | Flickr(Arquivo) O então secretário de Estado dos EUA, John Kerry, cumprimenta o então ministro iraniano das Relações Exteriores, Javad Zarif, depois que o P5+1 e o Irã concluíram as negociações sobre as capacidades nucleares do Irã, em Genebra, em 24 nov. 2013 (Crédito: Departamento de Estado/Domínio Público)

A nova estratégia não teve efeito e parece ter enterrado de vez qualquer acordo nuclear. Os iranianos perderam a confiança em um novo acordo, que pode novamente ser abandonado por futuras administrações estadunidenses. O enfraquecimento de Washington no cenário internacional, a aproximação da República Islâmica com a China, a reaproximação com a Arábia Saudita e até a adesão a um novo foro internacional, o BRICS, são fatores que demonstram que o Irã se encontra em um estágio mais confortável do que em 2015. Além disso, o país tem aproveitado a quebra do acordo para também recusar a visita dos inspetores da Agência Atômica de Energia Nuclear (AIEA), sem que isso reverta em novas sanções. Um novo acordo traria mais constrangimentos e, provavelmente, poucos ganhos.

Mesmo com o sucesso da troca de prisioneiros, a liberação dos fundos na Coreia do Sul trouxe mais pressão ao governo Biden, que disputará uma dura reeleição em 2024. Qualquer tipo de concessão aos iranianos é visto pela mídia conservadora e pela ala mais pró-Israel do partido Democrata como sinal de fraqueza. Para tentar conter os opositores, logo que o avião trazendo os prisioneiros americanos tocou o solo de Doha, capital do Qatar, a administração Biden anunciou novas sanções a cidadãos iranianos. Entre eles, está o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, acusado de ter colaborado com a detenção injusta dos cidadãos americanos. Tal atitude demonstra que, se por um lado a pressão dos familiares dos detidos, que costumam dar entrevistas nas redes de TV para cobrar ação governamental, foi atendida, por outro, o governo dá sinais de que mantém posição firme em relação aos iranianos.

Sanções e detenções

A Grã-Bretanha também se viu obrigada a realizar um acordo semelhante ao recém-concluído entre os EUA e Irã em 2022. Dois prisioneiros, com dupla cidadania, foram liberados por Teerã em troca de US$ 520 milhões depois de uma campanha que envolveu grande sensibilização da opinião pública. O valor se refere a uma dívida histórica do governo britânico relacionada a uma compra de tanques feita ainda pelo xá Reza Pahlevi antes da Revolução Islâmica em 1979. Apesar de o pagamento ter sido realizado, os tanques nunca foram entregues, e a devolução do montante pago não poderia ser feita, segundo os britânicos, devido às sanções internacionais impostas pelos EUA. Mas a questão foi contornada e os dois detidos puderam voltar a Londres.

A prática de detenção arbitrária de cidadãos dos EUA e da Grã-Bretanha parece estar sendo uma estratégia do governo iraniano para obter valores próprios bloqueados pelas sanções econômicas, ou mesmo tomados depois da Revolução Islâmica. Os críticos dos acordos acreditam que, ao realizar a troca de prisioneiros por valores financeiros, os governos ocidentais estariam estimulando a detenção de novos cidadãos desses países.

Muitos parecem ignorar, no entanto, que as sanções econômicas não têm sido uma ferramenta eficaz para enfraquecer governos que fazem oposição aos interesses estadunidenses.

Os mecanismos de controle de circulação financeira têm como objetivo principal colocar pressão sobre os regimes para criar descontentamento entre a população e, assim, provocar desestabilização do país por meio de revoltas populares. Essas medidas não têm, contudo, colaborado para derrubar regimes. Cuba, uma pequena ilha no caribe, é o exemplo mais famoso de resistência a um embargo promovido pelos EUA há seis décadas. Além disso, é comum que as sanções provoquem ainda mais endurecimento do regime, como ocorreu com a República Islâmica após as eleições presidenciais de 2021. O sistema eleitoral barrou muitas candidaturas progressistas, e o vencedor da eleição, Ebrahim Raisi, tem um perfil muito mais conservador do que o antecessor e mais alinhado aos integrantes de linha dura do país.

 

Isabelle C. Somma de Castro é pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri-USP). Faz parte do Grupo de Pesquisa Tríplice Fronteira e Relações Internacionais (GTF/Unila) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Foi Pós-Doc no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e Visiting Scholar no Arnold A. Saltzman Institute of War and Peace Studies, Universidade de Columbia, ambas com bolsa Fapesp. Contato: isasomma@hotmail.com

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 20 set. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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