América Latina

Integração regional ganha força e Unasul se destaca na ‘Foreign Affairs’

(Arquivo) Reunião Ordinária do Conselho de Ministros das Relações Exteriores da Unasul, em Paramaribo, Suriname, em 29 ago. 2013 (Crédito: Fernanda LeMarie/Chancelaria do Equador/Wikimedia Commons)

 Por Victória Louise Quito, Haylana Burite e Lucas Barbosa* [Informe OPEU]

Em 15 de agosto, o site da revista Foreign Affairs publicou o artigo de opinião “Latin America is stronger together”. A autoria é de David Adler, economista político estadunidense que atualmente ocupa o posto de coordenador-geral da Internacional Progressista (organização, cujo Conselho inclui figuras como Celso Amorim e Gustavo Petro), e Guillaume Long, pesquisador sênior do Center for Economic and Policy Research que já atuou como ministro das Relações Exteriores do Equador durante o governo de Rafael Correa (2007-2017). Feitas as apresentações, não é de se surpreender que o texto, como o título sugere, posicione-se de forma favorável à integração latino-americana.

Adler e Long destacam que esse movimento é, frequentemente, associado a uma manobra da esquerda – mais especificamente, dos governos de esquerda que ascenderam com a chamada Onda Rosa – para confrontar o poder estadunidense. Para os autores, porém, as alianças na América Latina não podem ser mera retórica.

Em maio deste ano, o presidente Lula afirmou – na Cúpula do Sul, realizada em Brasília, ao lado de 11 líderes sul-americanos – que “somos uma entidade humana, histórica, cultural, econômica e comercial, com necessidades e esperanças comuns”. Tal discurso indica que a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) deveria ser uma organização internacional formada não apenas pelos interesses, mas também pelas demandas derivadas da desigualdade dos termos de troca internacional e da condição de dependência.

undefinedChefes de Estado da América do Sul reunidos em Brasília, no Palácio Itamaraty, em 30 de maio de 2023 (Crédito: Ricardo Stuckert-PR/Wikimedia Commons)

A Unasul

A criação da Unasul se deu dentro da administração Lula, com seus primeiros debates em 2004, e o estabelecimento efetivo da organização acontecendo em 2008. De acordo com seu tratado fundador, o objetivo da Unasul é “eliminar a desigualdade socioeconômica” existente no continente. Por isso, o bloco regional foi formado com os 12 países da América do Sul, sendo eles: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.

Entretanto, a Unasul sofreu esvaziamento, devido à mudança no perfil das lideranças, passando para mandatos de direita céticos ao papel da organização no desenvolvimento da região. Em 2019, a situação ficou ainda mais sensível quando o Equador – sede da organização – se juntou aos países que saíram do grupo. Na época, o então presidente Lenín Moreno (2017-2021) pediu a “devolução do prédio onde funcionava a sede da Unasul e anunciou que não faria mais nenhuma contribuição financeira à instituição”. Em abril de 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), o Brasil também se retirou da Unasul.

Para a Foreign Affairs, Adler e Long discutem que a retomada da organização traz benefícios em termos de superação das fissuras econômicas e sociais resultantes da pandemia da covid-19, além de evitar que os conflitos regionais escalem em guerras. Contudo, os autores alertam que existem muitos entraves que dificultam a tão sonhada integração, sendo eles: as divergências políticas entre os países-membros, os conflitos externos e as tensões nacionais enfrentadas por cada país latino-americano.

Quem tem medo da integração da América do Sul?

No artigo, dentre os conflitos externos, Adler e Long dão destaque para os embates recentes entre a Organização dos Estados Americanos (OEA), sob domínio estadunidense, e os países do Sul. Episódios polêmicos protagonizados pela OEA, como a criação de uma missão anticorrupção em Honduras, em 2018, e a participação da organização no golpe das eleições bolivianas de 2019, demonstram as divergências entre potência norte-americana e países latino-americanos. Não à toa, Bolívia, Honduras e México boicotaram a Cúpula das Américas, composta majoritariamente por países-membros da OEA, em abril de 2022, em Los Angeles, após os Estados Unidos se recusarem a convidar Cuba, Nicarágua e Venezuela.

Com a fragmentação da América Latina após o fim da Onda Rosa, os Estados Unidos, no mandato de Donald Trump (2017-2020), buscaram avançar a primazia do país na região, inclusive, reafirmando a Doutrina Monroe, que havia sido encerrada oficialmente em um discurso da OEA, em 2013, por John Kerry. Nas palavras do conselheiro de Segurança Nacional de Trump, John Bolton, em um discurso aos veteranos cubanos da Baía dos Porcos, em Miami, em abril de 2019: “hoje proclamamos orgulhosamente para todos ouvirem: a Doutrina Monroe está viva e bem” (destaque nosso).

Adler e Long também argumentam que a hostilidade com relação aos países latinos ficou explícita em diversos outros momentos da administração Trump. Destaca-se, sobretudo, uma fala, de primeiro de novembro de 2018, também proferida por John Bolton, que afirma que Cuba, Venezuela e Nicarágua são “troika of tyranny” (“troika da tirania”, em português). O termo “troika” se refere a um veículo russo puxado por três cavalos.

Para Bolton, “este triângulo de terror que se estende de Havana a Caracas e Manágua é a causa de imenso sofrimento humano, o ímpeto de uma enorme instabilidade regional e a gênese de um berço sórdido do comunismo no Hemisfério Ocidental. […] Os Estados Unidos esperam ver cada vértice do triângulo cair… A troika irá desmoronar”. Nesse sentido, a expressão troika of tyranny poderia ser traduzida como “triângulo da tirania” para se referir aos países que se distanciam de Washington.

Diante desses pronunciamentos e das políticas orquestradas na administração Trump, David Adler e Guillaume Long discutem que o atual mandato de Joe Biden (2021-) recua com a Doutrina Monroe. Contudo, têm algumas semelhanças com o ex-presidente Trump, com destaque, a classificação de Cuba como um país terrorista. Como consequência, os dois autores concordam que “muitos líderes latino-americanos continuam a ver a integração regional como uma estratégia para reequilibrar as relações dos hemisférios longe de uma Washington imprevisível, pouco confiável e unilateral”.

O que motiva a integração?

Segundo os autores, a retomada da integração latino-americana seria interessante para que a região alcançasse mais independência econômica, uma vez que a maior parte do comércio realizado por seus países é tratada com as grandes potências – entre elas, EUA, China e a União Europeia, que concentram 85% de seu comércio total. Esse dado contrasta com o relacionado ao comércio inter-regional: este representaria apenas 15%.

No entanto, também indicam dois grandes obstáculos para a consolidação da nova dinâmica regional. Se, por um lado, as divergências ideológicas entre os chefes de Estado da região poderiam chegar a impedir a implementação plena do projeto, por outro, os Estados Unidos e demais parceiros internacionais da região poderiam criar movimentos contrários à integração. Nesse sentido, eles diagnosticam a situação política “radicalizada” como dificultadora do processo na América do Sul, sem citar as similares tensões ideológicas nos EUA e em demais outras potências e países de médio porte no mundo. Nos momentos em que sua análise chega a considerar tais eventos – como a própria ocorrência da guerra na Ucrânia –, a ideia é demonstrar a vulnerabilidade da sub-região frente às questões ocorridas no Norte Global.

Em conclusão, o texto ressalta os benefícios (como confiabilidade, crescimento e resiliência) para os EUA, ao fazerem comércio com os países da região, caso ela de fato se integre. Conjuntamente, e tomando por base as informações apresentadas sobre seus autores, também não é estranho que defendam, ao fim do argumento, que a potência hegemônica não fique no caminho da integração latino-americana.

Para além do texto: o que seus silêncios e destaques dizem?

Por fim, uma vez que o artigo foi apresentado e compreendido, faz-se interessante observar seus silêncios. Por exemplo, quando o relativamente curto texto foi publicado (dia 15/8/2023), já fazia cinco meses desde o advento do Consenso de Brasília e o Brasil havia acabado de sediar a Cúpula da Amazônia (ocorrida em 8-9/8/2023), que contou com todos os países da região amazônica e também foi um movimento notável em direção à integração, mas que não mereceu menção na análise da Foreign Affairs.

Chefes de Estado participam de Cúpula da Amazônia, no Pará (Crédito: Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima)

Além disso, observa-se o tipo de regionalismo destacado na publicação como oportuna para o momento. Em contraste com os modelos pós-hegemônico, ou pós-liberal – que denunciavam e colocavam-se contra o imperialismo estadunidense na América do Sul e vigoraram durante a primeira década do século XXI –, o chamado “regionalismo aberto” seria essencialmente comercial e poderia – como bem apontado no texto – até favorecer comercialmente os Estados Unidos. E é esse o modelo que parece ser defendido pelos autores, uma vez que as políticas de regionalismo pós-liberal aplicadas pelos blocos regionais que vigoraram no subcontinente, embora tenham sido mencionadas, não ganharam destaque ou relevância em sua tese.

Nesse sentido, é interessante observar que a análise publicada na revista defende um movimento realmente pragmático – o que também confirma a noção de regionalismo aberto. Isso pode ser observado quando, por exemplo, indicam que as divergências ideológicas entre os líderes sul-americanos seria um notável obstáculo para a integração. Apesar de reconhecerem o fato de que presidentes de diferentes posições do espectro político foram capazes de consolidar a Unasul, Adler e Long parecem acreditar que o mesmo pode não ocorrer nos termos atuais na região, e a solução que propõem é que a instituição “supere” as discordâncias políticas de seus Estados-membros, a fim de alavancar o processo de integração.

 

* Victória Louise Quito é graduanda em Relações Internacionais (IRID/UFRJ) e pesquisadora colaboradora do INCT-INEU/OPEU. Cobre a área de relações EUA-América Latina e faz parte da equipe de gestão do Observatório. Contato: victorialquito@gmail.com.

* Haylana Burite é graduanda em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ), pesquisadora bolsista de Iniciação Científica do OPEU (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) e pesquisadora voluntária no Núcleo de Pesquisa de Geopolítica, Integração regional e Sistema Mundial (GIS/UFRJ). Contato: buritehaylana@gmail.com.

* Lucas Barbosa é pesquisador colaborador do INCT-INEU/OPEU e graduado em Relações Internacionais (IRID/UFRJ). Cobre a área de relações EUA-América Latina e administra a conta do OPEU no LinkedIn. Contato: lucasmabar@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 3 set. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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