Energia e Meio Ambiente

Projeto Willow e atividade petrolífera no Alasca expõem estratégia eleitoral de Biden

National Petroleum Reserve, no Alasca (Crédito: Bureau of Land Management)

Por Pedro Vasques* [Informe OPEU]

Criada em 1923 pela administração Harding (1921-1923) como uma reserva de petróleo voltada para a substituição do combustível naval de carvão para petróleo, a Natural Petroleum Reserve no Alasca foi assim nomeada apenas em 1976, quando sua gestão foi transferida da Marinha para o Bureau of Land Management. Entre as décadas de 1940-80 foram realizados estudos exploratórios nessa região, que fica ao Norte do estado, resultando, simultaneamente, em 1998, em um plano de ação integrado e em um estudo de impacto ambiental. Ambos subsidiaram a decisão de abertura de em torno de 87% da área (de cerca de 95 mil km²) para a exploração de petróleo.

A partir de 1999, durante o governo Clinton (1993-2001), foram iniciados os processos de concessão, momento no qual os lotes correspondentes ao projeto Willow foram adquiridos pela ConocoPhillips Alaska Inc.. Sua análise de impacto ambiental, realizada entre 2018 e 2020, valeu-se das diretrizes fixadas pela administração Obama, em 2013, tendo sido aprovado já no final do governo Trump (2017-2021).

O sinal verde do governo federal levou a ONG EarthJustice a judicializar a questão, obtendo decisão de suspensão do projeto junto a Corte de Apelações do 9º Circuito, em 2021. Naquele momento, o Judiciário entendeu que os estudos ambientais não teriam avaliado de forma adequada as contribuições da queima do petróleo extraído para o aquecimento do planeta.

Já sob governo Biden (2021-xxxx), a administração federal defendeu a realização do projeto Willow, comprometendo-se a elaborar uma avaliação complementar para afastar a “não conformidade” identificada no processo judicial. Em julho de 2022, o Bureau of Land Management tornou público um estudo de impacto ambiental suplementar. Nele, indicava dois caminhos possíveis para a exploração de petróleo pretendida, sem, contudo, prever um cenário de não realização da atividade, uma exigência comum para esse tipo de análise. Ao não indicar qual seria o posicionamento da administração federal, os meses seguintes foram marcados por questionamentos sobre os riscos do projeto, a insuficiência das análises e a incompatibilidade entre sua aprovação e os compromissos climáticos assumidos pelo presidente democrata.

Logotipo da ConocoPhillips PNG transparente - StickPNGEm 13 de março de 2023, o governo Biden, por meio de seu Departamento do Interior, decidiu pela aprovação do Project Willow. Apesar das tentativas da administração federal de enxugar o escopo inicial do projeto, sua versão final contemplou três áreas de perfuração, com 199 poços, totalizando em torno de 92% da produção originalmente pretendida pela ConocoPhillips. Isto é, produzindo mais de 260 milhões de toneladas métricas (MTM) de gases de efeito estufa (GEE). Essas emissões equivaleriam a 56 milhões de carros dirigidos por um ano, através da produção estimada de 600 milhões de barris de petróleo ao longo de 30 anos de operação.

O projeto vem sendo considerado como parte de uma estratégia de constituição de um hub de exploração de petróleo no Alasca para os próximos anos. Estima-se que se trata de um investimento de US$ 8 bilhões, com capacidade de gerar o dobro disso em termos de receita para o governo federal, cujo desenvolvimento demandará aproximadamente 9 milhões de horas de trabalho, implicando na geração estimada de 2.500 empregos.

Além da comemoração pela iniciativa privada, a aprovação do Willow foi vista também como uma vitória de uma articulação bipartidária, que incluiria a participação de parcela dos povos tribais do Alasca. Em uma votação simbólica, os legisladores estaduais aprovaram uma moção de apoio ao projeto que contou com a adesão em massa de seus membros. Segundo os congressistas, a decisão favorável à exploração de petróleo teria sido o resultado de a Casa Branca haver ouvido as vozes da população local. De maneira informal, isto é, através de declarações anônimas de oficiais do governo federal, a administração justificou seu posicionamento, tendo em vista o direito adquirido da ConocoPhillips e o risco judicial de se negar integralmente o projeto.

Nas semanas anteriores à aprovação do projeto se observou uma intensificação de manifestações contrárias por parte de organizações ambientalistas e de grupos locais ligados a agenda. Essa atuação articulada contribuiu para um rápido crescimento de mobilizações pela Internet, através de redes sociais, como o TikTok, e petições on-line, como o Change.org.

Os pedidos coletivos para que o governo federal negasse seguimento ao projeto Willow vieram acompanhados da lembrança de que Biden teria se comprometido a reduzir emissões de GEE em 50% até 2030 (em relação aos níveis de 2005). E que, para chegar lá, a administração vinha adotando uma política integrada que envolvia todo o governo e incluía a promessa de desenvolver energia renovável em terras públicas.

Imediatamente após a aprovação pelo Departamento do Interior, organizações ambientalistas (Sovereign Iñupiat for a Living Arctic, Alaska Wilderness League, Environment America, Northern Alaska Environmental Center, Sierra Club e The Wilderness Society) apresentaram uma ação judicial questionando a referida decisão. Seu principal argumento é que o governo federal não teria levado em consideração os efeitos cumulativos do projeto Willow, bem como teria ignorado avaliações de natureza climática nos estudos ambientais realizados – ainda que tenha defendido sua incorporação.

Apesar dessa mobilização e de outras potenciais ações futuras, a decisão da administração Biden é um grande golpe para os grupos climáticos e nativos do Alasca que se opõem ao projeto. Além de a extração de petróleo influenciar diretamente no atingimento das ambiciosas metas climáticas anunciadas no início do governo democrata, a implantação do projeto colocará em ameaça a biodiversidade e o ecossistema local, assim como as comunidades do Ártico.

A área a ser explorada fica a cerca de 60 quilômetros de uma vila indígena (Nuiqsut), onde alguns moradores sustentam que a atividade ameaçaria seu modo de vida. Lembre-se de que, apesar de representar 18% da área total do país, 36% das terras federais (90 milhões de hectares) estão no Alasca – assim como 53% do estoque de carbono dos EUA. Lá também estão 231 tribos nativas, quem compõem quase 20% da população do estado, dependentes das terras públicas para sua subsistência nos moldes de suas práticas culturais.

Center for American Progress - Salesforce.orgNo tocante ao impacto climático, estudo elaborado pelo think tank liberal Center for American Progress constatou que as emissões de carbono esperadas pelo Willow equivaleriam ao dobro (i.e., 260 MTM de GEE) daquilo que seria evitado através das metas do governo federal de investimentos em terras públicas. Ou seja, a instalação de 30 gigawatts (GW) de energia eólica offshore até 2030, bem como de 25 GW de energia solar, eólica onshore e geotérmica até 2025.

Somado a isso, ainda há o entendimento de que as outras concessões de áreas no interior da National Petroleum Reserve ainda estariam válidas, mesmo se aplicadas novas restrições. Isso poderia ampliar ainda mais o montante de emissões nos próximos anos, caso outros projetos sejam aprovados.

É preciso lembrar que, em especial no Ártico, as temperaturas estão subindo a uma velocidade três vezes maior do que no restante do planeta e os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos de forma mais intensa na região (e.g., derretimento do gelo, aumento do nível do mar, perda de acesso a alimentos e danos às infraestruturas locais).

A despeito da aprovação do Willow Project, a administração Biden vem sendo um obstáculo à perfuração de petróleo. Em 2021, o governo federal suspendeu as concessões no Artic National Wildlife Refuge – que abrange cerca de 8 milhões de hectares a Leste da Natural Petroleum Reserve. Em 2022, Biden também cancelou os leilões no Alaska’s Cook Inlet.

Antecipando críticas à aprovação do projeto Willow, em paralelo, Biden também anunciou medidas voltadas para a promoção de sua agenda ambiental/conservacionista. Um dia antes da manifestação do governo federal, o democrata afirmou que proibirá a exploração e a produção de petróleo em 1,2 milhão de hectares no Oceano Ártico, impondo obrigações adicionais às atividades a serem realizadas no âmbito da Natural Petroleum Reserve. Essa ação protegeria toda a região do Beaufort Sea, em linha com medidas protetivas adotadas por Barack Obama.

Land status map of the National Petroleum Reserve in Alaska showing Federal and Alaska Native lands.National Petroleum Reserve (Fonte: Bureau of Land Management)

Adicionalmente, o memorando da Casa Branca afirmou que a administração federal conservará mais de 5 milhões de hectares dentro da Natural Petroleum Reserve e cerca de 9 milhões de hectares na área do North Slope (também no Alasca), reservadas há um século para produção de petróleo. As referidas áreas (i.e., Teshekpuk Lake, Utukok Uplands, Colville River, Kasegaluk Lagoon e Peard Bay Special Areas) são amplamente reconhecidas por serem habitats de ursos pardos e polares, caribus e centenas de milhares de aves migratórias.

Ante o impacto negativo associado à decisão favorável ao projeto Willow, uma semana após a manifestação do Departamento do Interior, Biden anunciou a criação de dois novos monumentos nacionais protegendo cerca de 200 mil hectares de áreas federais nos estados do Texas (Castner Range) e em Nevada (Avi Kwa Ame). O presidente publicou, ainda, um memorando direcionado à secretária de Comércio, Gina Raimondo, para que ela designe 2 milhões de km² de área oceânica no sul do Havaí como um novo santuário marinho nacional.

Essas medidas vieram acompanhadas de indicações de investimentos públicos em áreas protegidas e novas orientações “modernizadoras” acerca da gestão de terras públicas nos Estados Unidos, em especial, no que se refere ao combate às mudanças climáticas e à conservação da vida selvagem no país.

Ainda que as referidas ações se enquadrem nas metas do governo federal de conservar 30% de terra e mar nos Estados Unidos, conforme ordem executiva assinada em janeiro de 2021, a escolha das referidas áreas (no Texas e em Nevada) são politicamente estratégicas. Isso se dá não só por conta da relevância dos referidos estados para as próximas eleições presidenciais, mas também haja vista os grupos sociais a quem se dirige tais ações.

Enquanto Castner Range (Texas) está localizado próximo à cidade de El Paso, sua relevância em termos de biodiversidade é sobreposta ao seu significado cultural para etnias indígenas locais. Além disso, também preserva a memória militar estadunidense – uma vez que a área foi utilizada como campo de treinamento durante a Segunda Guerra Mundial.

Na mesma direção, ao proteger Avi Kwa Ame (Nevada), Biden atende a um lobby realizado por articulações indígenas para que a área fosse transformada em monumento natural, dada também sua relevância cultural. A decisão contraria interesses privados, inclusive do setor de energias renováveis, que esperava desenvolver projetos eólicos na região, intensificando o antagonismo com a administração republicana do Estado.

Avi Kwa Ame National Monument | Bureau of Land ManagementAvi Kwa Ame (Fonte: Bureau of Land Management)

Após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia e as profundas mudanças na dinâmica econômica internacional, especialmente, no que se refere à produção de energia, o setor de combustíveis fósseis se viu em uma situação de vantagem. Isso porque a eliminação da dependência energética russa se tornou um elemento central para a geopolítica internacional, revertendo restrições ambientais impostas pelo discurso climático.

No plano interno estadunidense, esse dilema seria convertido por promessas de redução do preço dos combustíveis e da energia, diminuindo a pressão inflacionária. Projetos como o Willow, seriam antagonizados por grupos ambientalistas, que alertariam para a falsidade dessas afirmações, acentuando seu potencial de produzir ainda mais desigualdade.

Todavia, como já ficou claro desde a aprovação do Inflaction Reduction Act (IRA), em 2022, a principal variável que tem orientado decisões climático-ambientais nos Estados Unidos não diz respeito a pressões externas, tampouco oriundas dessa própria agenda. Ao contrário, questões ligadas a clima e meio ambiente, apesar de serem centrais nos discursos da administração Biden, são promovidas pelo governo enquanto acessórias de outras políticas, como a econômica.

Lembre-se que, mesmo com maioria no Congresso, os democratas conseguiram aprovar o IRA apenas em função de dinâmicas próprias de suas práticas político-eleitorais. E que, mesmo com essa vitória, seus curtos prazos de implementação tendem a limitar Biden no desenvolvimento de agendas socioambientais progressistas, ligadas à justiça ambiental.

A aprovação do Willow – em contraposição à atuação da administração federal em outros projetos fósseis – explicita mais do que seu compromisso com a lei e o direito adquirido. O governo Biden vem, cuidadosamente, mantendo sua política climático-ambiental à sombra da economia, enquanto minimiza os conflitos e mapeia suas perspectivas eleitorais de 2024.

A opção de atender a interesses de etnias indígenas no Texas e em Nevada expõe essa dinâmica. Isso porque, ao mesmo tempo em que tenta equilibrar a estratégia de evitar conflito, reaproxima-se de demandas de justiça ambiental. Nesse caso, Biden faz isso, recorrendo a medidas conservacionistas voltadas para os referidos grupos. Essas ações desmobilizariam oposições no interior do ambientalismo, ao mesmo tempo em que evitariam atender a questões centrais de injustiça racial, cujo potencial conflitivo (e de instabilidade social) seria muito maior e com um custo, ou ganho, eleitoral imprevisível.

 

* Pedro Vasques é professor substituto da UFRJ, pós-doutor pelo INCT-INEU, pesquisador associado do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) e doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 28 mar. 2023. Este informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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