Energia e Meio Ambiente

Entre sanções e a escassez: o papel dos minerais críticos nas relações russo-americanas

Fonte: Copyright (c) 2016 Antoine2K/Shutterstock

Por Victor Gaspar Filho*

Desde a invasão russa à Ucrânia em 24 de fevereiro, sanções estão sendo implementadas por países ocidentais com o objetivo de enfraquecer a economia russa. Os Estados Unidos determinaram o banimento das importações de petróleo russo, ainda que ele componha 7% das importações americanas totais do hidrocarboneto. Commodities do setor agrário e energético são recursos, cuja variação de preço oferece riscos mais imediatos para o consumidor, mas as cadeias de produção podem ser afetadas profundamente com o rompimento do comércio bilateral russo-americano.

Uma área a ser explorada nesse ínterim é a de minerais não-energéticos. Esses recursos vêm ocupando um espaço progressivamente maior nas discussões sobre comércio internacional, especialmente em virtude de sua essencialidade à transição energética e à manufatura de aparelhos eletrônicos. Os Estados Unidos buscam assegurar sua autonomia no setor, mas há diversos fatores intervenientes, como a disponibilidade das reservas minerais em seu solo, sua capacidade de refino, a viabilidade econômica, a poluição gerada pela atividade mineradora, entre outros.

Segundo o United States Geological Survey (USGS), 12 categorias de minerais foram importadas da Rússia pelos Estados Unidos nos últimos anos: barita; escândio; potassa; crômio; abrasivos manufaturados (alumina, carbeto de silício e abrasivos metálicos); germânio; alumínio; diamante industrial; metais do grupo da platina; silício; zircônio e háfnio; e mica natural. Não há reserva estratégica americana para qualquer um desses recursos.

Aplicações dos 50 minerais críticos para segurança dos EUA, segundo USGS (2022)

Visualizing the 50 Minerals Critical to U.S. Security

A principal preocupação nos anos recentes é a dependência do mercado chinês (especialmente após a Guerra Comercial de Donald Trump e Xi Jinping), mas o risco em relação à Rússia se mostra elevado no contexto de invasão da Ucrânia. A Rússia está entre os três principais exportadores para os Estados Unidos de cinco dos minerais listados, além de estar entre os três maiores produtores de sete deles.

Em 2017, a USGS publicou um estudo prospectivo que simulava uma possível ruptura no mercado mineral russo, antecipando potenciais impactos nas cadeias produtivas internacionais e no nível de preços de cinco categorias de recursos minerais utilizados como parâmetro. O relatório foi publicado no início da administração Donald Trump e, posteriormente, a atenção americana se voltou quase integralmente para a competição com a China, maior ator do mercado mineral do mundo.

A Rússia continuou sendo, no entanto, um importante exportador de recursos minerais, e a ruptura do comércio com os Estados Unidos pode dificultar ainda mais sua tentativa de ser menos dependente do mercado chinês. Ao mesmo tempo em que tentam aumentar sua produção doméstica de determinados minerais para a redução da dependência diante da China, os Estados Unidos buscam diversificar  as fontes de importação dos recursos. Em 2019, por exemplo, foi criada a Energy Resources Governance Initiative (ERGI), um esforço entre os parceiros tradicionais Estados Unidos, Austrália e Canadá, além de Peru e Botswana, com a finalidade de atender à demanda de minerais não-energéticos essenciais à cadeia de produção de equipamentos geradores de energias limpas.

Dentre os recursos que os Estados Unidos importam da Rússia, encontra-se, por exemplo, o ferro silício, aplicado à indústria de semicondutores (chips) e painéis fotovoltaicos. A indústria americana de chips é deficitária, e o governo federal tenta compensar essa defasagem. Taiwan é o maior fabricante de semicondutores do mundo, responsável por 54% do mercado internacional. Em 2020, registrou-se uma elevação de 8,4% na demanda por semicondutores que afetou a cadeia produtiva internacional de eletrônicos, despertando um movimento de investimentos nacionais na manufatura de chips em diferentes países.

No caso americano, foi publicada uma ordem executiva voltada para o investimento na base industrial doméstica em março de 2021, sendo os semicondutores um dos aspectos principais. Um ano depois, no primeiro discurso sobre o Estado da União de Joe Biden, estava presente o CEO da Intel, Pat Gelsinger, em uma seleta lista de convidados que incluía a embaixadora ucraniana, Oksana Makarova. No discurso, Biden mencionou o projeto de US$ 20 bilhões da Intel para a construção de um parque industrial com oito fábricas em Ohio.

No caso do ferro silício, a Rússia compõe 40% do total importado pelos Estados Unidos, além de ser a segunda maior produtora internacional do recurso (6,8%), depois da China (70,5%). Necessário também à cadeia produtiva de semicondutores, o germânio tem na Rússia sua quarta maior fornecedora para os Estados Unidos (9% do total), após a China (53%), a Bélgica (22%) e a Alemanha (11%). A produção russa é a segunda maior do mundo (3,6%), sendo a chinesa a principal (68%).

O diamante industrial, também essencial aos chips, é exportado para os Estados Unidos da China (81%), Irlanda (6%), Coreia do Sul (6%) e Rússia (4%). A Rússia possui a maior produção internacional do recurso (33%) e as maiores reservas (61%). Outras aplicações desse recurso nos Estados Unidos são no setor de transportes, em brocas, em maquinários em geral e polimentos.

O setor de transportes americano é fragilmente dependente de minerais russos. Com mais de um terço de sua utilização nos EUA destinada ao setor, o alumínio é 6% importado da Rússia, que também é a terceira maior produtora internacional do recurso. Metais do grupo da platina também são utilizados nos Estados Unidos para manufatura de conversores catalíticos destinados à redução das emissões de automóveis. O paládio, mineral do grupo, é majoritariamente importado da Rússia (38%), que foi a segunda maior produtora do recurso em 2021 (10,5%), atrás da África do Sul (72,2%).

Semelhantemente, o crômio, utilizado para a manufatura de ligas de ferrocrômio, é principalmente importado da Rússia (36%), seguido do Reino Unido (23%) e da França (21%). As ligas são essenciais para aços inoxidáveis e resistentes a altas temperaturas, sem substitutos disponíveis para seus fins.

Outro campo da economia americana muito dependente do fornecimento de insumos russos é a agricultura. Dez por cento das importações americanas de potassa, que tem 85% da sua utilização em fertilizantes, foram russas. O Canadá compôs 75% do total importado pelos EUA, e 30,4% da produção internacional, liderando o setor. A Rússia, segunda maior produtora, produziu a parcela de 19,5% do total internacional de potassa em 2021.

A empresa canadense Nutrien pretende aumentar suas vendas em 2022, seguindo a ruptura no mercado global de fertilizantes provocada pela invasão à Ucrânia. Em março, porém, foi registrada uma greve de 3.000 funcionários da linha férrea Canadian Pacific Railway Ltd. Eventos como esse podem agravar ainda mais a escassez de determinados recursos para o consumidor e, potencialmente, elevar os preços de produtos essenciais.

Entre as continuidades observadas entre os governos Trump e Biden está o investimento no setor de minerais não-energéticos. Críticos para os Estados Unidos, esses recursos foram matéria de diferentes documentos emitidos pelo governo federal americano nos últimos anos, com particular regularidade desde a Ordem Executiva 13.817/2017, de Donald Trump. Em setembro de 2020, foi publicada uma ordem executiva instaurando uma emergência nacional nos Estados Unidos para que determinadas regras aplicadas à emissão de licenças de mineração de terras-raras em território nacional não fossem mais exigidas, tentando contornar a dependência diante da China.

A Executive Order on America’s Supply Chains (“Ordem Executiva sobre a Cadeia de Suprimentos da América”, em tradução livre), de Biden, não só não revogou o instrumento instituído por Trump, como requisitou atualizações do trabalho feito desde a instauração da emergência. O investimento federal no setor de mineração doméstico se mantém robusto, tentando recuperar o setor que se deteriorou nas últimas décadas. Novos projetos de mineração podem, contudo, levar mais de dez anos para se tornar operantes.

WH announces new investments in critical mineralsDo complexo da Casa Branca, em Washington, D.C., presidente Joe Biden discursa em encontro virtual sobre a segurança da cadeia de suprimentos de minerais críticos, em 22 fev. 2022 (Crédito: Alex Brandon/AP)

A promoção do comércio no setor com países tradicionalmente parceiros é essencial para que se tenha o fornecimento diversificado dos recursos. Porém, apesar da tentativa de aumentar a importação dessa categoria de países, há minerais que não serão encontrados no portfólio de produção deles. Aliados de ocasião para relações comerciais são fundamentais para suprir essa carência. A Rússia, em que pese seu histórico conturbado na relação bilateral com os EUA, é um parceiro comercial capaz de fornecer bens essenciais à economia americana. O rompimento das relações russo-americanas poderá impactar diferentes cadeias produtivas, fazendo com que sanções e boicotes não possam ser implementados de maneira abrupta para que as substituições de importações sejam acomodadas ainda no curto prazo.

 

* Victor Gaspar Filho é pesquisador de Geopolítica da América do Norte no Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC/EGN) e de Minerais Offshore no Grupo Economia do Mar (GEM/EGN). Contatos: victorgasparfilho@gmail.com, Linkedin e Twitter.

** Publicado originalmente na Revista Mundorama, em 14 abr. 2022. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas Newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.

 

Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.

Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Flipboard, Linkedin e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.

Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.

Somos um observatório de pesquisa sobre os EUA, com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais