Eleições

Biden, os Latinos e as eleições de novembro de 2022

O então candidato democrata Joe Biden, em evento de campanha no estado de Nevada, em 9 out. 2020 (Crédito: Demetrius Freeman | The Washington Post via Getty Images/The Conversation)

Por Marcos Cordeiro Pires e Thais Caroline Lacerda*

Em 8 de dezembro de 2021, The Wall Street Journal divulgou uma pesquisa sobre a popularidade do presidente Joe Biden entre os latinos. Conforme o WSJ, parcela significativa dos eleitores hispânicos/latinos, que em 2020 votaram majoritariamente no candidato democrata à Casa Branca, está abandonando o Partido. Esta notícia é muito ruim para os democratas que, tradicionalmente, contaram com o apoio cativo desse grupo: “Um ano após dar aos candidatos democratas mais de 60% de seus votos, conforme as pesquisas da época, a pesquisa do Journal descobriu que os eleitores hispânicos estão igualmente divididos em sua escolha para o Congresso. Questionados sobre qual partido apoiariam se a eleição fosse hoje, 37% dos eleitores hispânicos disseram que apoiariam o candidato republicano ao Congresso, e 37% disseram que apoiariam o democrata, com 22% indecisos”. Em uma eventual disputa entre Biden e Trump, em 2024, a grande vantagem de Biden se resumiria a um empate técnico, com uma leve margem em seu favor.

Esta pesquisa reforça os resultados divulgados pelo site FiveThirtyEight, em 21 outubro 2022, que apontava a perda de popularidade de Joe Biden em todos os segmentos sociais, mas de forma mais acentuada entre os eleitores latinos. Segundo o site: “Pesquisas recentes sugerem que a aprovação entre os hispânicos sobre como Biden está lidando com a pandemia e a economia caiu drasticamente. A última pesquisa de The Economist/YouGov revelou que apenas 45% dos hispânicos aprovaram o tratamento de Biden para a pandemia, em comparação com 65% no início de junho. A nova pesquisa Politico/Morning Consult revelou que a aprovação dos hispânicos ao modo como Biden está lidando com a economia caiu para 42%, em comparação com 60% em junho. Os hispânicos também estão frustrados com como Biden lida com a imigração — há muito uma das questões mais fracas de Biden aos olhos do público — e, embora não seja a questão mais importante para os eleitores hispânicos, costuma ser uma questão altamente sensível”.

É importante ressaltar que a queda de aprovação de presidentes no primeiro ano de mandato é muito comum nos Estados Unidos. Entre 1993 e 2021, apenas George W. Bush viu seus índices melhorarem no final de 2001, principalmente por conta dos impactos dos atentados terroristas do 11 de Setembro. Já a popularidade de Biden, em dezembro de 2021, estava em torno de 44%. Em período similar, Donald Trump apresentava uma taxa de aprovação de apenas 38%. O que chama atenção é a perda de apoio junto aos eleitores latinos, cuja queda gira em torno de 20% em comparação com as eleições de 2020, tal como discutiremos mais adiante.

Este fenômeno vem acompanhado de outro: a dificuldade de os presidentes em exercício conseguirem manter o apoio nas duas casas do Congresso. A queda de popularidade no primeiro ano influencia negativamente seu partido nas disputas pelos governos estaduais e na renovação de cadeiras na Câmara de Representantes e no Senado. Novamente, a exceção foi George W. Bush, que se beneficiou da comoção nacional com os atentados terroristas e com os resultados aparentemente positivos da invasão militar do Afeganistão, fatos que garantiram uma grande vitória ao seu partido em 2002. Em 2006, porém, ele também sofreu revés nas eleições do meio de seu segundo mandato, perdendo a maioria em ambas as Casas.

Talvez seja o caso de analisar este problema de forma mais aprofundada em um momento no futuro, mas é evidente que a dificuldade em organizar uma maioria coerente em torno dos presidentes causa problemas para a implementação das políticas delineadas em seus planos de governo, levando o sistema político à paralisia. Esta situação, aliada à grande polarização política e à difusão de fake news em larga escala, preocupa fortemente os analistas políticos, pois está levando a uma situação de disfuncionalidade do sistema democrático dos Estados Unidos.

No caso de Biden, especificamente, apesar de seu partido ter a maioria dos assentos no Senado, obtido com o voto da vice-presidente Kamala Harris, isso, na prática, não vem ocorrendo. Os senadores democratas Joe Manchin (D-WV) e Kyrsten Sinema (D-AZ) estão bloqueando o principal projeto do governo, que é a destinação de fundos para o Build Back Better Framework, que abrange investimentos em infraestrutura, assistência social e reconversão energética. A impossibilidade de levar adiante esse projeto tem paralisado o governo e frustrado seus eleitores. Vale lembrar que a promessa de Trump em construir um muro na fronteira com o México também foi bloqueada por um Congresso dividido, assim como o Medicare (Affordable Care Act) de Obama, retalhado pelo Congresso, para o qual contou com a antipatia de 34 deputados democratas. Projetos que exigem uma maioria qualificada de 60 senadores se tornam inviáveis, a não ser que sejam totalmente desfigurados.

A imigração está entre os temas mais controversos nas disputas entre democratas e republicanos. A mudança nas políticas imigratórias encontra barreiras no Congresso e na Suprema Corte. Como já discutimos em outro artigo, o governo Biden não consegue dar resposta à crise migratória vinda do México e da América Central e também à concessão de asilos humanitários. Nesse aspecto, esta paralisia afeta diretamente sua base entre os latinos/hispânicos.

A perda de apoio dos democratas entre os latinos é um fenômeno complexo e não pode ser explicado apenas pela questão migratória. A comunidade latina, em que pese ter fortes laços familiares e culturais com seus países de origem, é composta por um enorme contingente de pessoas nascidas nos Estados Unidos e que está se integrando à sociedade e ao mercado de trabalho formal. Tal segmento tem outras pautas que vão além dos temas que tradicionalmente se imputa a elas, como a legalização de imigrantes indocumentados, a derrubada do governo de Cuba, ou a ampliação da assistência social.

Pesquisas mostram direitização dos eleitores latinos

Pesquisas divulgadas pelo EquisLabs, instituição próxima do Partido Democrata que busca analisar e mobilizar a comunidade de origem latina nos Estados Unidos, mostraram que o apoio dos latinos/hispânicos ao Partido Democrata recuou fortemente entre as eleições nacionais de 2016 e 2020. Isso se refletiu no mau desempenho de seus candidatos nas eleições de novembro de 2021 nos estados de Nova Jersey e Virgínia. Até então, os democratas contavam com um forte apoio dessa comunidade, em torno de 70%. As sondagens mostram, contudo, que esta vantagem recuou muito, aproximando-se de um empate técnico com o Partido Republicano.

A primeira delas, “2020 Post-Mortem — Part one: Portrait of a Persuadable Latino”, foi divulgada em 1º abril de 2021. Detalhou a origem dos ganhos eleitorais de Trump, particularmente em regiões com grande densidade de população latina, como o condado de Miami-Dade, na Flórida, e o Vale do Rio Grande, no Texas. A segunda parte da pesquisa, “2020 Post-Mortem — -Part two: The American Dream Voter”, foi publicada em 14 de dezembro de 2021 e buscou compreender o “por quê” dessas mudanças para a direita no eleitorado latino. Ambas confirmam uma tendência de mudança de comportamento do eleitorado latino já apontadas pelas pesquisas de FiveThirtyEight e The Wall Street Journal.

Dentre as descobertas das pesquisas do EquisLabs, podemos mencionar:

1) A posição de Donald Trump contra as políticas de lockdown durante a pandemia da covid-19 provavelmente desempenhou um grande papel em empurrar os eleitores hispânicos para a direita. Isto porque, grande parte da massa de trabalhadores, ou de pequenos empreendedores de origem latina, está vinculada ao setor de serviços, notadamente turismo, comércio de varejo, bares, restaurantes e hotelaria. Diante da perda de renda e do desespero causado pela queda da economia, as medidas restritivas provocaram grande descontentamento, o que levou parte do eleitorado a ser alinhar com o presidente e com seu insistente negacionismo. Ademais, conforme destacamos em nosso site, a população de origem latino/hispânica é alvo de massivas campanhas de fake news, notadamente aquelas que menosprezavam a gravidade da pandemia, a rejeição ao uso de máscara, a relutância em tomar a vacina e, mais especificamente, a necessidade dos lockdowns. Nesse aspecto, as posturas de Trump foram seguidas pela maior parte dos governadores republicanos.

Trump Tries to Woo Hispanic Voters at Rally in New Mexico - The New York Times‘Latinos for Trump’: O então presidente em um comício no Novo México, estado com percentual mais alto de hispânicos em sua população, em Rio Rancho, em 17 set. 2019 (Crédito: Erin Schaff/The New York Times)

2) Parcela expressiva da comunidade de latinos/hispânicos democratas é bastante conservadora em costumes e ideologia política. Vale lembrar que um segmento muito influente da comunidade latina nos Estados Unidos é de origem cubana e que ainda nutre um forte rancor contra o governo socialista de Cuba. A esses, soma-se um contingente crescente de venezuelanos, nicaraguenses, brasileiros e colombianos que se estabeleceram nos Estados Unidos e são críticos às políticas de esquerda implementadas em seus países de origem, ou são hostis à insurgência armada de esquerda, como no caso da Colômbia. Nesse sentido, há uma forte aversão às correntes progressistas do Partido Democrata, em especial aquelas associadas a Bernie Sanders e a Alexandria Ocasio-Cortez, abertamente sociais-democratas. As fortes reações ao assassinato de George Floyd provocaram muita insegurança nessa parcela da população, ainda mais quando a mídia conservadora associou as manifestações contra a polícia como tentativas de subverter a ordem estabelecida. Nesse aspecto, a campanha do Partido Republicano em rotular o Partido Democrata como “socialista” provavelmente teve um impacto significativo em 2020, pois, tal como mostra a pesquisa, os eleitores hispânicos de 2020 disseram que estavam mais preocupados com o Partido Democrata abraçar o socialismo do que com o Partido Republicano abraçar o fascismo.

Ainda nesse aspecto, a questão religiosa também está empurrando os latinos mais à direita. De acordo com Christianity Today, os evangélicos hispânicos (grupo em crescimento e que acompanha as tendências de seus países de origem, onde as igrejas neopentecostais crescem vertiginosamente) se alinharam mais a Trump do que a Biden. A oposição ao aborto e a defesa da chamada família tradicional fizeram a balança pender em favor dos republicanos, visto que os democratas são mais propensos a defender causas ligadas ao direito das minorias, incluindo aí o direito ao aborto e o casamento de pessoas do mesmo gênero biológico.

3) A imigração deixou de ser a prioridade de parcela da comunidade latino/hispânica. A expressiva votação de Trump no sul da Flórida e na fronteira texana com o México é um indicativo importante, ainda mais se considerarmos que Trump insultou os mexicanos diversas vezes, defendeu a construção de uma muralha para deter a imigração em situação ilegal e adotou políticas draconianas para reprimir o fluxo de imigrantes pela fronteira sul. A pesquisa EquisLabs descobriu que, entre 2016 e 2020, a importância da imigração para os eleitores hispânicos diminuiu consideravelmente, perdendo para os temas econômicos, como recuperação pós-pandemia e inflação, e para o problema específico da pandemia da covid-19. Além disso, também contou a desilusão com os democratas frente à incapacidade de Barack Obama de reformar as regras imigratórias em seus oito anos de mandato.

4) A perda de apoio dos democratas junto à classe trabalhadora é outro fator a ser considerado. Apesar de os democratas terem a imagem de um partido mais comprometido com os trabalhadores e com os cidadãos comuns, e os republicanos, como o partido ligado aos “grandes negócios”, a atuação de Donald Trump em ressuscitar o protecionismo econômico e se comunicar diretamente com a classe trabalhadora minou um forte baluarte do Partido Democrata. O resultado da pesquisa de EquisLab é que os eleitores hispânicos ainda acreditam que os democratas se importam mais com os trabalhadores, mas não estão convencidos de que o partido realmente sabe como colocar isso em prática. Daí a brecha para o ataque dos republicanos junto à classe trabalhadora de origem latino/hispânica.

Concluindo esta análise, vale a pena citar AB Stoddard, do portal conservador Real Clear Politics que mostra as agruras do governo de Joe Biden: “Hoje em dia, o Partido Democrata é como um viciado triste, cuja vida se desintegrou, com coisas demais para resolver e consertar de uma vez. Claro, o quadril dolorido e os relacionamentos rompidos podem ser adiados, mas o emprego perdido, o carro destruído e a conta bancária vazia exigem atenção imediata. O presidente Biden e os democratas estão — simultaneamente — trabalhando para evitar o fracasso de sua agenda econômica, controlar uma pandemia cada vez mais violenta, mitigar os efeitos da pior inflação desde 1982 e resgatar a democracia de novas leis que permitem ao GOP anular a próxima eleição. Tudo antes de provavelmente perderem as duas câmaras do Congresso no ano que vem!”.

Caso não haja algum evento fortuito, como aquele que impulsionou a popularidade de George W. Bush, em 2001, é improvável que os democratas consigam manter a atual bancada no Senado e na Câmara dos Representantes. A perda de uma base até então considerada sólida, como a dos eleitores latinos, é um risco muito grande frente ao atual nível de polarização política nos Estados Unidos, onde as eleições são definidas por pequenas margens de voto.

Nesse aspecto, vale adicionar que a liderança de Donald Trump no Partido Republicano é inconteste, enquanto Biden não consegue unificar seu próprio partido. Se, com o atual nível de apoio parlamentar seu governo está praticamente paralisado, o que lhe ocorrerá quando enfrentar uma maioria opositora em ambas as casas do Congresso e o ativismo dos grupos radicais ligados à direita do Partido Republicano?

 

* Marcos Cordeiro Pires é coordenador do Latino Observatory, professor de Economia Política Internacional (UNESP-Marília) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). Thaís Caroline Lacerda é coordenadora do Latino Observatory e doutora em Ciências Sociais (Unesp-Marília). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org.

** Publicado originalmente no site Latino Observatory, em 7 jan. 2022. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

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