Brasil

EUA negam relação entre 5G do Brasil e OTAN

Ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, em Brasília, em 5 ago. 2021 (Crédito: Fábio Faria)

Por Solange Reis*

Os Estados Unidos negam ter oferecido ao Brasil a parceria global com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em troca do veto brasileiro à tecnologia chinesa de 5G. De acordo com uma reportagem da Folha, essa ideia foi proposta no dia 5 de agosto, durante a reunião de Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, com o ministro brasileiro da Defesa, general Braga Netto.

Segundo Juan Gonzalez, diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental, é verdade que a agenda incluiu tanto o tema da OTAN quanto do 5G. Mas não houve “quid pro quo”, disse o representante do governo, que também esteve na comitiva em Brasília. Gonzalez respondia à primeira pergunta dos jornalistas, sobre o paradoxo da suposta oferta. “Como conciliar as duas coisas: esses ataques contra as eleições (por parte do presidente Jair Bolsonaro) e a recompensa ao Brasil com uma parceria militar?”.

Apesar da resposta diligente do diretor, e considerando-se a proximidade do leilão do 5G no Brasil, não é irrealista pensar que os dois temas estejam interligados de alguma forma. Se esse for o caso, o que o Brasil tem a ganhar, ou a perder?

Competição interestatal

O 5G é uma tecnologia de rede de Internet móvel fundamental para a sobrevivência industrial, tecnológica e econômica. Como vivemos uma época em que a conectividade é determinante para indivíduos, empresas e países, a velocidade da conexão é um grande diferencial positivo.

Inteligência artificial, telemedicina, sistemas bancários, carros autônomos e até armamentos dependerão do 5G. Muitos especialistas consideram que essa tecnologia será um divisor de águas na 4ª Revolução Industrial. Não se trata de algo para o futuro próximo, mas para ontem. E o Brasil já está atrasado, com poucos pontos instalados.

Nenhum país tem hoje uma rede móvel nacional inteiramente baseada em 5G. A China lidera a corrida e, se vitoriosa, será o país a estabelecer os padrões, controlar as patentes e dominar a cadeia logística global. Os Estados Unidos estão atrás quanto à implementação doméstica e ainda mais defasados como provedores globais da tecnologia. Sem empresas nacionais capazes de exportar os equipamentos necessários, o governo americano apoia a finlandesa Nokia e a sueca Ericsson. Já a China conta com as empresas Huawei, que é privada e líder mundial em 5G, e ZTE, esta de capital misto.

Geopolítica digital

A questão alcança a segurança cibernética e militar, pois os Estados Unidos difundem que os equipamentos chineses são canais de espionagem e de roubo digital. Os dispositivos teriam uma backdoor (entrada) embutida para obtenção de informações sensíveis, fazendo das empresas fornecedoras proxies do governo da China.

Não é de hoje que os Estados Unidos tentam dissuadir outros países de comprarem esses equipamentos chineses, como tampouco é exagero dizer que tratam o tema como existencial. Seus aliados já foram devidamente pressionados, mas poucos aderiram ao bloqueio. Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá são alguns deles. A Alemanha não vetou a Huawei de saída, mas aprovou uma lei que abre salvaguardas contra “empresas não confiáveis”. Com certeza, não foi uma precaução contra as europeias.

日耳曼鐵娘子!7月17日生日快樂:梅克爾女士(Angela Dorothea Merkel,1954-)

Presidente Xi Jinping se reúne com a chanceler alemã, Angela Merkel, em Pequim, em 24 de maio de 2018 (Crédito: Xinhua)

A fim de convencer os países em desenvolvimento, o Departamento do Comércio vem oferecendo incentivos financeiros e treinamento para que eles desenvolvam redes próprias. Segundo o jornal The Washington Post, outro plano é orientar políticos, legisladores e acadêmicos estrangeiros sobre o universo do 5G.

Diante de tanta importância, por que o Brasil não sofreria a mesma tentativa de convencimento? Com seu tamanho e potencial, o mercado brasileiro de rede de Internet móvel é um dos mais atrativos do mundo. Na realidade, é o quinto maior. É compreensível que a China, hoje o principal fornecedor de 5G, queira entrar em um mercado tão promissor. Da mesma forma como é fácil entender o porquê de os Estados Unidos procurarem conter o avanço chinês no Brasil.

Rede 5G no Brasil

Nokia, Ericsson e Huawei já são fornecedoras de infraestrutura para Vivo, Claro, TIM e Oi, as quatro operadoras de telefonia no Brasil. Mas a implementação do 5G depende de um leilão que vem sendo postergado por divergências entre as partes interessadas. A mais recente previsão é a de que aconteça no fim deste ano, ou início de 2022. A Huawei está autorizada a participar, exceto na rede privativa do governo. Segundo Fabio Faria, atual ministro das Comunicações, o Brasil não vai escolher lados na disputa geopolítica em torno do 5G.

É difícil acreditar, por um lado, que um governo tão alinhado com os Estados Unidos como o de Jair Bolsonaro já não tenha uma posição inversa ao interesse nacional. Não seria a primeira vez que seu governo se mostraria subserviente. Basta lembrar a imagem de Bolsonaro batendo continência para a bandeira americana, em uma rara demonstração de servilismo no mundo.

Por outro, o Brasil é muito maior do que Bolsonaro. Inúmeros setores se beneficiariam de uma rede 5G, entre eles alguns dos principais apoiadores do presidente. O agrobusiness, que é uma espécie de complexo industrial-alimentar, os bancos, as redes digitais e físicas do varejo, e assim por diante. Até os gamers, uma base importante para Bolsonaro, vão-se beneficiar de uma internet ultrarrápida. A cada dia na demora do leilão, esses segmentos ficam mais defasados em relação a seus concorrentes internacionais. Portanto, é interesse nacional ter a faixa de 5G leiloada, regulamentada e implementada de forma rápida e econômica. Lembrando que as empresas chinesas são as que preenchem o requisito custo.

Bolsonaro é um gamer épico: brasilivre

Quanto ao risco de espionagem, já se sabe que haverá em qualquer cenário, pois a cibersegurança é um campo minado. E não se pode esquecer que foram os Estados Unidos que espionaram o Brasil. Em 2014, como revelou o denunciante Edward Snowden, a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) acessou a comunicação digital da presidente Dilma Rousseff e da Petrobras. Pouco depois, um golpe institucional destituiu a presidente, e a empresa foi envolvida na operação Lava-Jato, que contou com orientação dos Estados Unidos desde a fase preparatória.

Interesse verde-oliva

O flerte do Brasil com a OTAN ganhou visibilidade no governo Bolsonaro, após o então presidente Donald Trump nomear o Brasil como aliado preferencial extra-OTAN. Criada por uma lei americana, esta categoria implica aliança estratégico-militar com os Estados Unidos para países não membros da organização. Além do Brasil, outros 19 são classificados como tal, incluindo a Argentina.

Entre as “vantagens” de ser um aliado preferencial, estão a facilidade para compra de material bélico, empréstimos para aquisição de armas, cooperação em treinamento militar, participação em licitação de fornecimento de bens e serviços para o Departamento da Defesa. Os aliados preferenciais também ficam elegíveis a armazenar estoques de reserva de guerra de propriedade dos Estados Unidos.

A categoria que estaria em jogo na contrapartida do 5G é a de parceiro global, que permite a cooperação por meio de treinamentos e exercícios conjuntos, o desenvolvimento de capacidades e consultas políticas, bem como a compra de armas em condições especiais. A Colômbia já é um parceiro global, além de Austrália, Afeganistão, Iraque, Colômbia, Mongólia, Nova Zelândia, Paquistão, Coreia do Sul e Japão.

Os parceiros globais são convidados a participar de conflitos reais, mas podem se recusar. Da mesma forma, a OTAN não tem qualquer compromisso de segurança coletiva em relação a eles. O que merece ser ressaltado é que o diálogo sobre segurança aumenta significativamente, incluindo sobre restruturação, transformação, assim como sobre adaptação física e institucional das Forças Armadas dos países que entrem na categoria. Isso inclui aconselhamento sobre como tratar ameaças internas, ou externas, e padronização de procedimentos e operações militares.

NATO’s partnerships are diverse, valuable, and flexible to the circumstances at hand

Foto de família: ministros das Relações Exteriores dos países-membros da Otan se reúnem pelo 70º aniversário da organização, em evento em Washington, D.C., em 3 abr. 2019 (Crédito: Joshua Roberts/Reuters)

Uma escolha muito difícil?

As bases da relação entre a OTAN e os parceiros globais ainda se mostram acinzentadas, dificultando a avaliação dos prós e contras. Dois aspectos devem ser destacados. O primeiro é a extensão extrarregional da aliança militar a um custo baixo. O segundo é a condicionalidade política colocada aos parceiros globais e que funciona na base de recompensas. Os países que fizerem as transformações institucionais recomendadas são recompensados com os benefícios disponíveis na área militar.

Nesse contexto de intercâmbio assimétrico, aumenta a capacidade de interferência dos países-membros na organização social e na política externa dos novos parceiros. Em países com ordem social latente, ou manifestamente disfuncional — como o Brasil, onde as milícias talvez já tenham entrado em esperas oficiais de todos os poderes —, a parceria global com a OTAN está para a soberania nacional como a backdoor para o 5G. Uma entrada silenciosa e incontrolável.

O Brasil não tem que comprar dispositivos 5G da empresa A, ou B, mas daquela que oferecer as melhores condições de negócios. Porém, caso decida vetar as empresas chinesas por razões não comerciais, o governo brasileiro porá em risco as relações com a China, seu maior parceiro em comércio. Conforme visto ao longo dos quase três anos de governo Bolsonaro, no que diz respeito à China, os cães ladram mais do que mordem.

Talvez os Estados Unidos tenham, ou não, feito a oferta. O que importa é o Brasil não decidir como se estivesse em um programa de auditório, fechado em uma cápsula e sem ouvir o que lhe propõem. “Quer trocar o 5G por um papel secundário na OTAN? Sim ou não?”…

 

* Solange Reis é doutora em Ciência Política pela Unicamp, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu). Contato: reissolange@gmail.com.

** Recebido em 15 de agosto de 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

Edição e revisão final: Tatiana Teixeira.

Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.

 

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