América Latina

O retorno dos democratas e a América Latina

Crédito da foto/ilustração: Soohee Cho/The Intercept, Getty Images

Relação dos Estados Unidos com a região será guiada por interesses econômicos e segurança nacional

Por Rafael R. Ioris*

Joe Biden será o novo presidente da maior potência militar do mundo e historicamente a maior influência econômica, política e cultural no hemisfério Ocidental. O que esperar do novo governo democrata para com a nossa região?

A realidade que sai das urnas nos Estados Unidos é a de um país profundamente dividido e de um novo governo que terá que negociar muito para poder implementar sua agenda, cujo foco prioritariamente se centrará no ambiente doméstico. Nesse sentido, grandes mudanças no relacionamento com a América Latina seriam surpreendentes.

Lembremos que se, sob Trump, os países ao sul eram vistos essencialmente por meio de lentes domésticas – discurso agressivo contra imigrantes a fim de agradar a sua base –, Biden participou, como ex-vice-presidente, de um governo que também teve postura muito dura com os imigrantes latinos e cuja atuação não foi modelar na defesa das regras democráticas na região.

Além disso, os democratas têm um histórico de promoção de uma política externa hemisférica de viés neoliberal, centrada na promoção dos interesses econômicos de suas empresas, assim como no eixo da segurança nacional definido em termos bem estreitos: defesa da fronteira e combate ao narcotráfico e terrorismo.

Ainda assim, junto a um processo mais amplo de mudança de tom da política externa dos EUA que o novo presidente dos EUA certamente vai implementar, Biden trará uma postura mais institucional para suas políticas regionais no sentido de tentar reconstruir a imagem do seu país junto aos vizinhos.

Por um lado, é de se esperar que venha a retomar o processo de reaproximação com Cuba, paralisado sob o governo Trump. Por outro, o atual governo da Venezuela continuará a ser visto com maus olhos. E a crescente presença chinesa na região continuará sendo a maior preocupação dos novos formuladores de política externa nos EUA.

Da mesma forma, Biden talvez busque reformar o sistema migratório dos EUA, embora seja incerto se um Senado sob o controle dos republicanos tenha interesse em permitir que isso ocorra. Além disso, espera-se que a pauta ambiental se torne mais central na agenda, assim como o tema dos direitos humanos, especialmente de grupos indígenas e de minorias – o que talvez venha a ter um impacto nas relações EUA-Brasil.

Claramente faz diferença se os EUA se relacionam com o resto do mundo de uma forma agressivamente unilateral, como fez Trump, ou sob uma abordagem multilateral, institucional e diplomática, como se espera que seja feito por Biden.

De toda forma, não é se de esperar que a América Latina ocupe o centro das atenções do novo governo em Washington. E, embora Biden certamente busque um maior engajamento com seus vizinhos, isso continuará a ser guiado, prioritariamente, pelos interesses econômicos e de defesa da potência hegemônica regional.

 

Rafael R. Ioris é professor da Universidade de Denver e pesquisador do INCT-INEU.

** Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, em 18 nov. 2020. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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