Política Doméstica

DACA e o elusivo sonho americano de jovens imigrantes

Manifestantes protestam a favor do DACA diante da Suprema Corte dos EUA (Crédito: Bloomberg via Getty Images)

Por Felipe A. Filomeno*

No dia 17 de junho de 2020, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que o presidente Donald Trump havia terminado ilegalmente o Programa para Ação Deferida para Chegadas na Infância (Deferred Action for Childhood Arrivals). Conhecido em inglês pela sigla DACA, o programa permite que estrangeiros, cuja presença no país é ilegal, mas que foram trazidos ao país quando crianças, recebam uma garantia de postergação de sua deportação por dois anos e autorização para trabalhar legalmente no país. Além do critério de entrada no país na infância, para serem elegíveis, estrangeiros não podem ter antecedentes criminais. Para se candidatar ao programa, imigrantes que preencham as qualificações acima precisam pagar uma taxa de US$ 495. Uma vez no programa, o registro pode ser renovado após dois anos.

Desde que foi criado pelo presidente Barack Obama em 2012, o DACA tem sido atacado política e legalmente por uma variedade de atores conservadores, incluindo alguns agentes de imigração, governos subnacionais administrados por membros do Partido Republicano e pelo atual presidente Trump. Obama criou o programa por causa da incapacidade do Congresso Nacional de chegar a um acordo sobre uma reforma na lei de imigração que solucionasse, de maneira razoável, o alto número de imigrantes em situação irregular no país (cerca de 11 milhões) e para eficiência administrativa, concentrando o aparato administrativo-policial de deportação em imigrantes indocumentados adultos e com histórico de criminalidade.

Um dos principais argumentos contra o programa é sua origem em uma ordem executiva presidencial. Ao permitir que certos imigrantes sem autorização legal para estar no país trabalhem, esta ordem teria ultrapassado os limites do Poder Executivo federal e invadido a competência do Congresso Nacional.

O programa já sobreviveu, porém, a várias contestações legais. Na recente decisão da Suprema Corte, a maioria dos juízes entendeu que administração Trump rescindiu o programa de maneira arbitrária e incerta, violando o direito administrativo americano. Na decisão, o juiz chefe da Suprema Corte – John Roberts (indicado para a corte pelo presidente republicano George W. Bush) – formou maioria com os juízes de orientação liberal (não conservadora). A decisão não garante a continuidade do programa, pois a administração Trump ainda pode encerrá-lo, desde que siga os procedimentos administrativos razoáveis. Este parece ser o caminho mais provável, tendo em vista tuítes do presidente em reação à decisão e uma declaração de um dos diretores do Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos (USCIS, na sigla em inglês).

Apesar disso, a notícia foi festejada por ativistas de direitos dos imigrantes e membros do Partido Democrata. De um ponto de vista mais geral, a decisão mostra que o Poder Judiciário dos EUA ainda é capaz de impor limites a um presidente de inclinações autoritárias e que tende a tomar decisões de maneira arbitrária.

Benefícios do DACA

Entre agosto de 2012 e junho de 2019, em torno de 909.700 pessoas foram inscritas no DACA pelo menos uma vez. Estudos mostram que o programa gera tremendos benefícios para seus participantes, incluindo o acesso ao mercado de trabalho formal, o aumento da renda e a obtenção de plano de saúde por intermédio do empregador. O programa ainda contribui para a saúde mental de seus participantes, que, além de usufruírem os benefícios acima, têm a tranquilidade de saber que não serão deportados durante dois anos. O programa também tem consequências positivas para a economia dos EUA: em 2017, imigrantes inscritos no DACA pagaram 4 bilhões de dólares em impostos. O Instituto CATO, um think tank de ideologia libertária, estimou que o governo federal perderia 60 bilhões de dólares, e a economia americana diminuiria em 280 bilhões de dólares, se os imigrantes inscritos no DACA fossem deportados.

A causa dos Dreamers (como são chamados os jovens imigrantes em residência irregular no país) é altamente popular: em junho de 2020, 74% dos americanos se expressaram a favor de uma legislação que ofereça residência permanente legal (o “green card”) a imigrantes trazidos aos Estados Unidos ilegalmente quando crianças. Como em outras questões relativas à imigração, há uma diferença de opinião grande entre democratas e republicanos, porém, mesmo entre republicanos e independentes com tendência republicana, uma maioria (54%) apoia a ideia.

Futuro dos Dreamers

Por que então o DACA é um programa tão atacado e politicamente frágil? Como expliquei acima, o programa é baseado em uma ordem executiva do presidente, o que permite ao atual presidente encerrar o programa ou, no mínimo, tornar o programa menos acessível ao aumentar a taxa de inscrição. Uma solução definitiva para a situação dos centenas de milhares de imigrantes em residência irregular nos EUA depende de ação legislativa do Congresso Nacional. Há anos comissões bipartidárias de legisladores formularam propostas conciliatórias de reforma na lei de imigração que respondem às preocupações da sociedade com a segurança nacional, a economia, e os direitos humanos dos imigrantes. Republicanos de extrema direita na Câmara dos Deputados (House of Representatives) têm, no entanto, bloqueado tais propostas.

Ativistas dos direitos dos imigrantes depositam suas esperanças na eleição do democrata Joe Biden como presidente e de um Congresso de maioria democrata em novembro de 2020. Este objetivo esbarra, contudo, no sistema eleitoral dos EUA, que dá poder desproporcional a populações mais brancas e rurais, que tendem a ser mais conservadoras. Por exemplo, cada estado americano tem dois senadores no Congresso, independentemente do tamanho de sua população. Isso significa que o estado da Dakota do Sul (mais rural, predominantemente republicano e com menos de 1 milhão de habitantes) tem a mesma representação no Senado que o estado da Califórnia (mais urbanizado, predominantemente democrata e com quase 40 milhões de habitantes). Washington D.C. (o distrito federal dos EUA) tem população semelhante à da Dakota do Norte e é predominantemente democrata, porém, não tem senadores nem deputados federais.

Para muitos imigrantes, portanto, o sonho americano é elusivo, dependente de batalhas judiciais e de uma tremenda mobilização política que seja capaz de superar regras eleitorais desfavoráveis.

 

* Felipe A. Filomeno é professor de Ciência Política na Universidade de Maryland, Condado de Baltimore.

** Recebido em 20 de junho de 2020. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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