Política Doméstica

A América de Trump

Créditos da imagem: Elise Swain/The Intercept (Ilustração); Getty Images (Fotos, 4)

Por Rafael R. Ioris*

Presidente Donald Trump foi eleito em 2016 com base numa plataforma conservadora que prometia fazer a America grandiosa de novo (Make America Great Again). Como em geral as campanhas de tom fascista ou neofacista o fazem, a mobilização eleitoral de Trump se baseava, por um lado, numa glorificação falaciosa de um passado grandioso que, de fato, somente existiu para trabalhadores brancos (homens) de classe média; e, por outro, no ataque a bodes expiatórios recorrentes da história americana: imigrantes.

Tendo angariado votos suficientes para ser eleito pelo anacrônico e antidemocrático sistema eleitoral norte-americano – onde votos em redutos eleitorais conservadores garantem a eleição via colégio eleitoral ainda que se perca no voto popular –, Trump partiu rapidamente a implementar uma agenda que poderia ser definida como de autoritarismo neoliberal, ou face do neofascismo emergente em várias partes do mundo.

De um lado, a agenda promoveu a mais regressiva reforma fiscal da história recente do país que, por sua vez , já apresentava níveis de concentração de renda mais próximos aos de países como o Brasil do que dos outros países industrializados. De outro, a retomada da agenda antigoverno que vem definindo a política norte-americana ao longo das últimas décadas assumiu novos patamares mesmo em comparação a similares administrações do partido Republicano, como Reagan e George W. Bush. Agências reguladoras (com a de proteção ambiental, EPA) vêm sendo destruídas, leis de garantia de votos e acesso a programas sociais ou de defesa a minorias vêm sendo revertidos, muitas vezes em parceria com as cortes de viés cada vez mais conservador ou mesmo reacionário, ao mesmo tempo em que a, já excessiva, concentração do orçamento nacional em gastos militares aumenta ainda mais.

Também parte da agenda neofascista de Trump, a retórica nacionalista e xenófoba do seu governo adquiriu níveis históricos excessivos onde, novamente, a figura do imigrante assume um papel-chave, mas também a política externa se articula em quase a sua totalidade no ataque aos  organismos e da própria lógica de atuação multilateral e na promoção da narrativa de que o mundo inteiro estaria levando vantagem às custas dos EUA. Nesse ponto, nenhum país assumiu tanto o papel de inimigo como a China, contra quem Trump tem repetidamente elevado a retórica e implementado medidas retaliatórias.

Embora, em um primeiro momento, a agenda econômica de Trump tenha conseguido bons resultados nos números de crescimento e emprego (embora a maioria desses seja de remuneração baixa), o castelo de cartas de Trump erodiu rapidamente na medida em que os EUA foram envoltos em sua maior crise epidemiológica da história. Os Estados Unidos são hoje o país mais afetado pela Covid-19, detendo cerca de um terço de todos os casos e um quarto das mortes – embora tenha somente cerca de 5 por cento da população mundial.

Enquanto as previsões apontam que a China, onde a Covid-19 começou mas foi muito mais bem administrada, tenha um crescimento menor ao longo do ano corrente, os mesmos diagnósticos preveem que a economia dos EUA tenha uma redução de, pelo menos, 5 por cento. Ao mesmo tempo, o país tem hoje níveis históricos de desemprego, que podem mesmo chegar aos níveis trágicos da Grande Depressão dos anos 1930.

Agravando ainda mais a situação, ao longo da semana passada, a maior parte das grandes cidades norte-americanas foram engolfadas em uma série de protestos, muitas vezes violentos, contra a histórica e institucionalizada brutalidade policial contra minorias étnicas, em especial afroamericanas. Na falta de uma liderança clara, como nos anos 1960, é difícil apontar o rumo de tais demonstrações. O que parece certo, contudo, é que, assim como nos anos 1970 e19 80, tais ações tenderam a promover medo entre comunidades de classe média branca nos subúrbios das grandes cidades que assim tenderam a apoiar proponentes de políticas de linha dura (mano dura), normalmente do Partido Republicano.

A América de Trump encontra-se, pois, em chamas em várias cidades, em uma crise econômica talvez sem precedente, e em meio a sua pior crise de saúde. E tudo isso ocorre sob o espectro da eleição presidencial de novembro próximo, onde Trump buscará se reeleger. Como os eleitores entenderão o turbilhão que está ocorrendo, quem é responsável e o que fazer, ajudará muito a definir os próximos anos na decadente e em crise maior potência militar do planeta.

 

Rafael R. Ioris é professor da Universidade de Denver e membro do INCT-INEU.

** Artigo originalmente publicado no Estadão, em 1o de junho de 2020. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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