Internacional

EUA e Coreia do Sul no combate à COVID-19: diferenças de abordagem e de resultado

Motoristas fazem fila para teste do novo coronavírus, em Seul (Crédito da foto: Reuters)

Por Alexandre Cesar Cunha Leite*

Segundo os dados disponíveis no site da John Hopkins University & Medicine, que hospeda o COVID-19 Map, o número total de pessoas infectadas até 10 de abril de 2020 já havia ultrapassado o montante de 1,6 milhão de casos (1.612.646). Deste total, perto de um terço está registrado nos Estados Unidos (466.299). Os números observados nos EUA agora ultrapassam a soma dos casos de contágio de Itália (143.626) e Espanha (157.922).

Os dados norte-americanos indicam o resultado catastrófico do descaso, da demora e das apostas equivocadas do presidente Donald Trump. Além do plano federal, também há diferenças de timing observáveis no processo de tomada de decisão em nível estadual. Um caso ilustrativo foi a demora para a adoção de medidas de testagem e de isolamento na cidade de Nova York. Recorrendo à mesma base de dados, a cidade contabiliza até a presente data 5.150 óbitos por complicações decorrentes do novo coronavírus – um número superior ao registrado na China (3.336).

Outro exemplo de diferenças na organização e no melhor uso do tempo para implantar medidas preventivas está nos estados vizinhos de Kentucky e Tennessee, com o primeiro registrando (conforme dados de 7 de abril) 25% dos casos do segundo. De acordo com especialistas, essa disparidade decorre, principalmente, da decisão de decretar estado de emergência, assim como de determinar o isolamento social e o fechamento dos estabelecimentos comerciais e serviços públicos não essenciais.

Sem surpresa, o que os registros têm indicado é que a responsabilidade das autoridades ao lidar com uma pandemia faz uma enorme diferença e pode amenizar seu severo impacto, sobretudo, no números de mortos.

Trump e o jogo dos vários erros no combate à COVID-19

A demora da administração Trump em elaborar e implementar um plano de ação contra o coronavírus expôs uma sequência de erros.

Em primeiro lugar, o governo desconsiderou os avisos (alguns prévios à posição da Organização Mundial da Saúde de declarar a COVID-19 como uma pandemia) feitos pelos próprios pesquisadores norte-americanos sobre os impactos econômicos e sociais da pandemia no sistema de saúde. Este é, aliás, um problema antigo nos EUA e tema relevante na atual disputa presidencial.

Falha grave, a demora em si na adoção de medidas preventivas e ativas para controle da disseminação do vírus teve (como se vê) altos custos em tempos de pandemia – tanto em recursos financeiros quanto em vidas humanas. Outro erro é a ação pouco coordenada e descentralizada, que deixa a cargo das administrações públicas regionais e locais a decisão de como lidar com a crise atual. Nesse contexto, criam-se nichos decisórios de combate efetivo. Se considerados em sua totalidade, podem acabar sendo de baixa eficácia, devido a contradições em normas, recomendações e diretrizes estabelecidas por cada governo.

Nesse sentido, os indícios reunidos até o momento têm mostrado que a coordenação em todos os níveis de medidas de isolamento social, testagem a exaustão e monitoramento dos cidadãos teria feito uma grande diferença em todo processo decisório de ação de combate à COVID-19.

Por fim, tem-se a demora em municiar o sistema de saúde norte-americano de equipamentos necessários para o tratamento daqueles já infectados com o vírus. Essa é uma decisão que tem custado caro – política e economicamente – ao presidente norte-americano, que busca sua reeleição. Os casos de “confisco” de produtos para exportação, passar na frente de importadores (incluindo países aliados) com compras encomendadas (e pagas), a dependência de produtos de origem chinesa (máscaras, respiradores, entre outros) e a aposta na (hidro)cloroquina como bálsamo salvador desnudam a ausência de preparo e de planejamento nas decisões tomadas por Trump.

Lições do caso bem-sucedido da Coreia do Sul

No outro extremo, temos alguns países asiáticos. Não será usado o recorrente exemplo chinês, pois a tentação do uso do argumento de governo não democrático, centralizador de decisões e autoritário tende a influenciar a leitura e a utilidade do caso. Sendo assim, trata-se do caso da Coreia do Sul como exemplificação do extremo oposto. Cabe ressaltar que, ao escolhermos o quadro sul-coreano, entende-se as limitações da comparação – especialmente no que se refere ao tamanho do território e da população norte-americanos, assim como ao sistema político dos EUA, que concede grande autonomia decisória aos estados da federação.

Talvez, considerando-se as variáveis proximidade e costumes/hábito, a Coreia do Sul tenha se apresentado como um Estado mais preparado e mais consciente do que seria uma “guerra” contra uma pandemia. Ainda no mês de março (e, quando se trata de uma pandemia, mês é uma ordem temporal extensa e determinante), a Coreia do Sul registrava o quarto maior número de infectados, porém com um número percentual (0,7) reduzido de óbitos. Em meados do mês passado, a média global era de 3,4% de vítimas fatais. Os registros de casos na Coreia do Sul remontam a final de janeiro, mesma data dos registros da Itália.

A atitude imediata da Coreia do Sul foi considerar a COVID-19 uma ameaça séria à saúde da população. Deste ponto em diante, passou a adotar a política que tem sido considerada a melhor das práticas: testagem. Junto com Singapura, Japão, Taiwan e Alemanha, este pequeno país asiático registra um dos maiores índices de testagem per capita. Hoje, 20.000 pessoas são testadas por dia, com resultados divulgados em até 6 horas.

A testagem foi adotada no âmbito de uma estratégia bem coordenada de “Rastrear, Testar e Tratar”. Já ao testar a população, as autoridades sul-coreanas rastreavam os locais visitados pelos cidadãos (recorrendo aos meios de pagamento digital, câmeras de vigilância, entre outras ferramentas tecnológicas), começando aí a construção do histórico geográfico das pessoas. Sobre esta ação cabe uma ressalva: mesmo antes da pandemia, o monitoramento de dados pessoais já vinha sendo alvo de um debate global, no que diz respeito a seu uso, proteção e sigilo, discussões estas que devem se acentuar e se expandir, mas que não serão alvo deste artigo.

Após a testagem, as autoridades de saúde iniciaram o georreferenciamento dos resultados e teve início a formação de um banco de dados com o histórico das pessoas testadas positivas. Este georreferenciamento deu origem ao mapeamento dos contatos, de suas interações e à realização um trabalho de regressão cronológica, buscando-se a fonte do contágio. É um trabalho de investigação que demanda enorme esforço, muita tecnologia e um grande contingente de pesquisadores e de operadores públicos. Interessante apontar que a Coreia do Sul registra um alto número de voluntários envolvidos no combate ao coronavírus.

O resultado é que, ao se iniciar o processo de tomada de decisão de gastos, de pontos de ataque às áreas de maior densidade de casos e de reforço na estrutura dos equipamentos de saúde, a tendência é que, possuindo tais informações, a ação seja mais eficiente. Em sequência, vêm o isolamento e a preocupação com colocar em prática medidas de higienização. Ou seja: a geração de informação se tornou uma poderosa arma de combate à disseminação do vírus e ao contágio na Coreia do Sul. Até 10 de abril, o país registra 10.450 casos de pessoas infectadas, com 208 óbitos confirmados.

Os casos de EUA e Coreia do Sul são extremos com particularidades, mas ilustram como a responsabilidade política e o bom uso da informação (científica) podem fazer a diferença ao se tratar de uma pandemia.

 

* Alexandre Cesar Cunha Leite é professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

** Informe recebido em 10 mar. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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