Trump e W. Bush: uma comparação possível?

Por Aline Gomes de Albuquerque*

Durante sua campanha presidencial, em 2016, o então candidato Donald Trump criticou a política externa dos Estados Unidos, que implicava uma extensa pauta de comprometimento com as diversas regiões do globo. Com a ideia de America First, Trump enfatizou em seu discurso a necessidade de diminuir o envolvimento de seu país com questões externas e, entre as medidas propostas, incluiu o retorno das tropas militares aos EUA.

Acontecimentos no final de 2019 e começo de 2020 mudaram, porém, tal panorama. No fim de dezembro de 2019, os EUA lançaram ataques a bases militares financiadas pelo Irã na Síria e no Iraque. O recente assassinato de Qassem Soleimani, major-general da Guarda Revolucionária iraniana, morto no Iraque por um ataque com drones a mando dos Estados Unidos, em 2 de janeiro de 2020, ilustra bem o caso. O ataque trouxe o receio de uma possível escalada de tensões entre Irã e Estados Unidos. Na sequência, em 7 de janeiro, o Irã lançou mísseis contra uma base estadunidense localizada no Iraque.

Esse momento de tensão na política externa estadunidense acompanha um cenário também nada tranquilo na política doméstica do país, em meio ao processo de impeachment do presidente por acusações de abuso de poder e de obstrução de autoridade. Relacionado à questão do impeachment também está que, em 2020, ocorrerão novas eleições presidenciais no país, com Trump sendo o principal nome do Partido Republicano. E a morte do militar iraniano pode ser um instrumento para maior envolvimento dos EUA com o Irã.

11 de Setembro e a GWOT de Bush

Diante deste cenário, propõe-se traçar alguns paralelos, ainda que de maneira breve, com o governo George W. Bush (2001-2008), e a Guerra Global ao Terror (GWOT, na sigla em inglês), elemento dominante da política externa do então presidente. Uma medida tomada ao longo do período foi o envio de força militar estadunidense para outras regiões, principalmente no Oriente Médio, fato que perdurou por anos após o término de seus dois mandatos.

Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, a presidência de W. Bush se voltou quase que completamente para o combate ao terrorismo. Foi um período marcado pela criação de instituições para o monitoramento e para a prevenção de possíveis novos ataques no ambiente doméstico. Foi também uma época marcada por extensiva retórica contra aqueles vistos como responsáveis pelos ataques, ou que poderiam ter contribuído para que ele ocorresse.

Mesmo com medidas que poderiam ser vistas como restritivas e com a maior parte dos gastos dedicada às despesas militares, o período imediatamente após o 11 de Setembro registrou forte popularidade do governo Bush. Os discursos inflamados do presidente e a promessa de retaliação podem ser observados como elementos que ajudaram a diminuir a sensação de insegurança e de impotência que prevalecia no país após o ataque. Como resultado dos atentados, duas operações de larga escala foram realizadas: a “Operação Liberdade Duradoura”, em 2001, e a “Operação Iraque Livre”, em 2003. Com isso, os Estados Unidos estenderam seu envolvimento militar do Oriente Médio para a Ásia. O país manteve presença militar no Afeganistão e no Iraque durante longo tempo, afetando profundamente as condições dos dois países.

O cenário subsequente ao ataque às Torres Gêmeas trouxe grande apoio ao governo Bush e às suas ações, tanto dentro quanto fora do país. Em 2002, Bush contava com uma aprovação de praticamente 90%. Isso não se traduziu, contudo, na ausência de críticas a este mesmo governo. A principal delas reside nos efeitos que as medidas de política externa realizadas naquele período produziram no ambiente doméstico do país. Em um momento tão frágil para a sociedade americana, o terror foi alimentado por ataques e pelo envio de correspondências contendo antraz.

O método de combate a tal insegurança foi encontrado no discurso de condenação dos ataques e de tudo aquilo que estes representavam e da exaltação dos valores comuns entre os estadunidenses. Para colocar em prática seus planos para eliminar a causa dessa insegurança, o governo W. Bush direcionou sua atenção para questões internacionais e ficou marcado por tal foco.

Trump é Bush?

O paralelo entre os dois presidentes pode ajudar na reflexão sobre elementos coincidentes entre os dois ocorridos, sendo possível observar similaridades entre os discursos de Bush e de Trump em relação a cada caso.

Da mesma maneira que Bush considerou todos os terroristas e aqueles que os financiavam como movimentos que odiavam a liberdade e as características dos Estados Unidos, Trump se posicionou de modo análogo em relação a Soleimani, classificando-o como o terrorista mais perigoso do mundo e uma pessoa que tinha prazer em matar inocentes.

Assim como seu correligionário texano adotou um discurso que colocava o Iraque e o regime de Saddam Hussein como potencial perigo em nível global, Trump também faz uso dessa mesma retórica para justificar a morte de Soleimani. Ele coloca o Irã como um perigo que, desde a Revolução Iraniana de 1979, toma atitudes que ameaçam o cenário mundial.

De maneira similar a Bush, o atual presidente também coloca como missão dos Estados Unidos proteger o resto do mundo, ao exclamar que nunca será permitido ao Irã possuir uma arma nuclear. Assim como Bush apresentou como missão dos Estados Unidos proteger o mundo da ameaça do terrorismo, Trump apresentou um discurso parecido, ao classificar o assassinato de Soleimani como um ato para evitar uma nova guerra.

Com as tensões com Irã em cenário de possível escalada, o processo de impeachment e as eleições parecem terem sido deixados em segundo plano. É inegável, porém, que esses dois processos levarão em consideração a questão do envolvimento com o Irã. Trump recebeu suporte em relação ao ataque ao major-general por parte de grupos e figuras que veem o Irã como uma ameaça – entre eles, o secretário de Estado, Mike Pompeo. Ao mesmo tempo, como proponente de uma política America First, Trump já declarou, em diferentes ocasiões, que os EUA não devem mais ser xerifes do mundo. Em ano de eleição, essa ambiguidade pode render críticas e cobranças por parte de um eleitor que deseja mais investimento interno e menos gastos direcionados para questões internacionais.

 

* Aline Gomes de Albuquerque é mestre em Relações Internacionais (UEPB) e ex-bolsista do INCT-INEU.

** Recebido em 17 jan. 2020.

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