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Seção Memória – Entrevista com prof. Tullo Vigevani [Parte II]

Por Angelo Lira e Leonardo Octavio Belinelli de Brito

Na segunda parte da entrevista concedida pelo professor e pesquisador Tullo Vigevani (Unesp) para a Seção Memória, o entrevistado avalia a recepção e os impactos da Revista Lua Nova, destaca sua importância na reflexão política e analisa as projeções futuras do perfil do periódico. O prof. Vigevani é pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU).

Na sua avaliação qual foi a recepção e impacto da revista?

Realmente, eu não sei responder a essa pergunta. Hoje, em 2018, há mecanismos de avaliação de impacto que influenciam financiamentos, atratividade, etc. Na segunda metade dos anos 1980 não os havia, ao menos da forma como existem atualmente. Em ocasião da comemoração dos 15 anos do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais, San Tiago Dantas, da UNESP, UNICAMP e PUC/SP [1] disse também que não saberia avaliar qual foi a influência desse programa e se houve falhas. A mesma coisa poderia ser dita em relação à Lua Nova. Não há mensuração, estatísticas, números, a respeito da influência da Lua Nova naquele período, na segunda metade dos anos 1980. Não sei se há uma mensuração das citações de artigos da revista nas publicações, nas teses e dissertações no Brasil atualmente. Certamente não há uma série histórica dessas mensurações. O que posso reproduzir aqui é a observação empírica ou, talvez, se quisermos ser ousados, a observação qualitativa. Essa sugere que houve uma influência bastante significativa, e a repercussão disso é o reconhecimento no meio acadêmico, inclusive de parte das agências de apoio à pesquisa, que têm classificado as revistas científicas. A influência dos artigos, dos temas, mas sobretudo sua utilização para pensar o Brasil contemporâneo, foi importante. Passado o tempo – estamos falando 30 anos depois dessa minha experiência editorial -, vejo textos então publicados utilizados e citados. Depois disso, a influência aumentou. Podemos dizer que a valorização do padrão democrático, do contraditório, das ideias de liberdade e de igualdade se manifestaram na revista.

Para um estudante dos dias de hoje, causa relativa estranheza confrontar o atual padrão de publicação científica em Ciências Sociais com o vigente na Lua Nova dos meados dos anos 1980, uma revista promovida por intelectuais diretamente vinculados à reflexão política. Como o senhor vê essa transição?

Chamaria a atenção para o seguinte, inclusive uma precisão: Lua Nova foi uma revista de reflexão, de análise política, mas não uma revista de intervenção política conjuntural. Certamente alguns dos autores podem e devem ser classificados como intelectuais públicos, em sentido amplo, como discutido por Jean Paul Sartre, Jurgen Habermas, ou Norberto Bobbio. Se analisarmos os sumários, encontraremos, entre os autores que foram publicados na revista, conceitos e posicionamentos distintos. De Claus Offe a David Held, ou Giuseppe Boffa. De escolas de pensamento e tradições diferentes. A amplitude, o espectro de diferenciação foi bastante amplo, mas não ambígua, ou agnóstica. Talvez possa ser dito que o padrão analítico que prevalecia nos anos 1980 era distinto do atual, mais especialmente nas áreas de Ciência Política e Sociologia. O que não significa que não existam atualmente publicações de alto reconhecimento semelhantes.

O que aconteceu nos padrões? Essa é uma reflexão importante, mas estamos longe de chegar a qualquer conclusão. Lua Nova, como dissemos, foi e é uma revista aberta a vários campos, prevalecendo as duas áreas citadas. Com importante atenção a outras: já dissemos de Economia, Direito, Filosofia, História, Relações Internacionais. Autores desses campos reconhecidamente importantes no debate brasileiro e internacional foram publicados.

Em algumas áreas de conhecimento, inclusive Ciência Política e Sociologia, vêm-se fortalecendo, com foco nos Estados Unidos, também na América Latina e no mundo, desde o final dos anos 1990, os métodos quantitativos. Nas revistas internacionais mais importantes – o vejo particularmente nas revistas de Relações Internacionais, que acompanho melhor desde os anos 1970 –, os métodos quantitativos são crescentemente prevalecentes. Cito um exemplo: uma revista de referência em Relações Internacionais é a International Organization. A partir de 1995, aproximadamente, uma revista até então sem prevalência da lógica metodológica e da análise quantitativa passou a privilegiar esta metodologia. Em Ciência Política e Sociologia, a importância da metodologia e dos métodos quantitativos cresceram. Isso trouxe inegáveis ganhos: aumentou a precisão e fortaleceu a competência. Ao mesmo tempo, resultante também da experiência empírica, cabe perguntar se os aspectos não quantificáveis, de caráter histórico, psicológico, valorativo, antropológico, que contribuem poderosamente na formação das ideias não são essenciais “tanto quanto”. Em outras palavras, cabe refletir se as Ciências Humanas têm também fundamentais componentes multidisciplinares, e se os objetivos normativos não têm também caráter científico estrito. Creio que a pergunta/consideração sobre se não causa “estranheza confrontar o atual padrão de publicação científica em Ciências Sociais com o vigente na Lua Nova dos meados dos anos 1980” embute essa discussão.

Lua Nova na década de 1980 foi uma revista mais voltada à análise qualitativa, à produção de ideias, com aspectos normativos. Ousaria dizer que isso continuou em seguida. Talvez seja isso que estabeleça a chamada “estranheza”. De fato, hoje, em algumas importantes revistas – citei International Organization, há inúmeras outras, American Journal of Political Science também, de nível internacional -, não é quase possível publicar sem forte discussão prévia da metodologia e demonstrações quantitativas.

Lua Nova, não sei dizer se pelo bem ou pelo mal, continua ligada à tradição clássica de análise política e sociológica. É correto, há uma diferença importante entre as revistas da área de humanas de 40, 50 anos atrás, e as revistas da área de humanas atualmente. O que não exclui que haja espaços de superposição e de continuidade com as formas anteriores. Creio que seja importante e positivo. Nem todos os elementos – por exemplo, tudo o que se refere a valores e autopercepção, o processo de mudanças no mundo contemporâneo, aí entra toda discussão da globalização – podem ser aferidos apenas pelas análises quantitativas, ainda que essas contribuam fortemente para aprofundar o entendimento. A compreensão dos fenômenos, certas mudanças e a formulação de cenários muitas vezes precisam ser compreendidas com forte embasamento na História, na Filosofia, na Psicologia, obviamente na Economia, todos temas bem considerados por Lua Nova. Não apenas como temas que se entrelaçam com os campos da Ciência Política e da Sociologia, mas que contribuem constitutivamente.

Qual seria a vocação e o perfil de uma revista como a Lua Nova para os próximos anos?

É importante a manutenção de publicações com esse perfil. Como dissemos, há mudanças nas percepções filosóficas e morais da sociedade que não podem ser exatamente captadas pelos métodos quantitativos. Há a necessidade de análises multidisciplinares, capazes de forte interpretação. No campo disciplinar de Relações Internacionais, por exemplo, autores clássicos – bastaria citar Karl Deutsch, mas o mesmo deve-se dizer em relação a Raymond Aron e também Kenneth Waltz – afirmam que a política exterior e a visão de mundo, assim com as atitudes dos Estados, não podem ser compreendidas se não há a consideração da memória, mesmo das idiossincrasias, detidas pela população e pelos aparelhos burocráticos do Estado. Quer dizer, a experiência e a forma como se processaram os fatos contribuem para a explicação do conjunto dos fatos políticos. A escolha racional, tema importante tratado por Lua Nova, seria portanto fertilizada pela combinação com outros inputs.

[1] Refere-se ao Programa de Pós-Graduação interinstitucional San Tiago Dantas, organizado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). O evento mencionado foi o “15 anos de História”, fórum realizado em 17 e 18 de setembro de 2018. O blog Boletim Lua Nova produziu relato do evento: https://boletimluanova.org/2019/02/18/forum-san-tiago-dantas-15-anos-de-historia-do-ppgri-std/.

Nota do entrevistado: trata-se de uma entrevista, podendo haver imprecisões em dados, fatos, números, ou nomes. O entrevistado pede antecipadamente desculpas. A memória é, muitas vezes, traiçoeira.

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