INCT-INEU participa de evento da Associação Britânica de Estudos Internacionais

Por Angelo Raphael Mattos*

Entre os dias 12 e 14 de junho, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU) participou da 44ª Conferência Anual da Associação Britânica de Estudos Internacionais (BISA, na sigla em inglês), que teve lugar em Londres, no Reino Unido. Além de comemorar os 100 anos da criação do curso de Relações Internacionais no mundo, cuja primeira cátedra se estabeleceu no Departamento de Política Internacional da Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, o evento também trouxe reflexões sobre métodos, conceitos, teorias, interdisciplinaridade, e desafios desse campo de estudo multifacetado.

Com cerca de 762 pesquisadores de diferentes países, a Conferência contou com 197 eventos entre painéis e mesas-redondas, que discutiram temas como segurança europeia, ordem nuclear global, operações de paz, migrações, Direito Internacional e Política Internacional, estudos sobre Oriente Médio e Ásia, ensino de Relações Internacionais, Brexit e Política Externa dos Estados Unidos.

Debate sobre USMCA

No painel intitulado Trump e a Ordem Internacional Liberal, foi apresentado o trabalho “A Renegociação do NAFTA e o Novo Acordo de Livre-Comércio entre Estados Unidos, Canadá e México” escrito por mim, Angelo Raphael Mattos, em coautoria com a profª Drª Karina L. P. Mariano, pesquisadores no INCT-INEU. O artigo discute os argumentos do Executivo, do Legislativo e de grupos e associações de classe dos EUA na renegociação do NAFTA e as principais mudanças incorporadas no novo acordo de livre-comércio entre os países da América do Norte, o chamado United States-Mexico-Canada Agreement (USMCA).

Nessa pesquisa, enfatizamos que a crítica de Donald Trump ao NAFTA, baseada em uma visão de soma zero do comércio, representou para autores como Blecker, Moreno-Brid e Salat (2017) uma ameaça ao desempenho da economia mexicana. Para eles, a retórica de Trump por si só já teria comprometido o clima dos negócios no México e ocasionado a fuga de parte dos investimentos daquele país, antes mesmo de a renegociação ter sido iniciada. Naquele momento, a Ford, por exemplo, cogitou cancelar seus planos de abrir nova fábrica em San Luis Potosí, no México. Também reiteramos que a ideia de renegociar o NAFTA já havia sido colocada em pauta por Barack Obama e sua então secretária de Estado Hillary Clinton, como é possível ver no relatório anual (2016/2017) de política comercial do Escritório de Representação Comercial dos EUA (USTR, em inglês).

O debate político em torno do tratado de livre-comércio esteve dividido entre os defensores da permanência dos EUA no acordo, argumentando que o NAFTA era responsável pela geração de milhares de empregos e, consequentemente, por reduzir a disparidade de renda na região; e seus opositores, que viam o acordo como causa de enormes perdas de empregos nos EUA, na medida em que as empresas transferiam a produção para o México, em decorrência dos custos locais de produção mais baixos. O NAFTA não teria, entretanto, causado nem as grandes perdas de empregos temidas pelos críticos, nem teria sido a causa da geração de grandes ganhos econômicos previstos pelos apoiadores. O impacto geral sobre o PIB dos EUA não teria sido tão significativo. Já a dependência desse acordo por parte de estados, sobretudo do meio-leste norte-americano, como Iowa, Kansas, Missouri e Texas, teria crescido substancialmente em face das exportações intrabloco.

Por um lado, o USMCA trouxe mudanças significativas, ao incorporar dispositivos com previsões sobre plataformas digitais de comércio e regras de origem mais bem detalhadas. Por outro, pode haver impacto nos preços para o consumidor final, visto que essa maior rigidez quanto às regras de origem visa a fazer frente aos produtos provenientes do continente asiático. Há que se observar como a regulamentação trabalhista e ambiental nos Estados-Partes vai se desenvolver, visto que essas áreas são condição importante para a aprovação do acordo no Congresso dos EUA, especialmente considerando o aval dos democratas.

Apesar das tensões com o presidente Donald Trump, o México foi o primeiro dos parceiros a incorporar ao seu ordenamento jurídico o novo acordo de livre-comércio da região. Por se tratar de um tratado internacional, o acordo não precisa passar pela Câmara dos Deputados, e o Senado aprovou o texto por 114 votos a favor, quatro contra e três abstenções. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, manifestou-se afirmando que o acordo “significa investimento estrangeiro no México, empregos no México, ter garantido o comércio das mercadorias que produzimos nos Estados Unidos”.

Trabalhos sobre política externa dos EUA

Nesse mesmo painel da BISA sobre a política externa dos EUA, foram apresentados dois outros trabalhos. Um deles, de autoria de Hendrik W. Ohnesorge, da Universidade de Bonn (Alemanha), trouxe interessante aspecto sobre o impacto da personalidade dos líderes norte-americanos na relação EUA-União Europeia. Discutiu-se a influência de características personalistas na condução da política externa dos EUA, contextualizando com a diferenciação entre os termos politics, policy e polity, além das diferenças entre política de Estado e política de governo. Já a apresentação de Jonny Hall, da London School of Economics and Political Science, analisou a retórica de Trump na temática da segurança e em que medida seu discurso se desvincula da prática da política externa dos EUA nesse campo.

Em um segundo painel sobre relações exteriores dos EUA, foram apresentados trabalhos que versaram sobre temáticas como hegemonia e imperialismo na Era Trump, novos corolários da política externa dos EUA, America First e o populismo, e o quanto as alianças do multilateralismo são elementos de retórica, ou de fato necessárias, para a condução da política externa norte-americana e da consecução de seus objetivos. Aqui, enfatizou-se o discurso de Trump pouco alinhado com a visão dos líderes europeus, em especial no que se refere à segurança e à defesa, quando ele afirmou que a OTAN era uma organização obsoleta.

Desse modo, o evento em Londres trouxe aspectos variados da agenda internacional contemporânea, que ajudam a pensar as relações internacionais sob diferentes perspectivas, como o Brexit e a reconfiguração do sistema internacional, e o discurso e a práxis em política externa do governo Trump, que tem-se voltado mais para iniciativas bilaterais.

A participação do INCT-INEU nesse evento no Reino Unido fortalece o intercâmbio acadêmico entre pesquisadores de diferentes partes do mundo, o que contribui para o enriquecimento de nossas pesquisas e para divulgação do nosso trabalho também no âmbito internacional. Além disso, mantém nosso Instituto em contato com o Grupo de Trabalho em Política Externa dos EUA da Associação Britânica de Estudos Internacionais, da qual participamos com os resultados de nossas pesquisas neste ano em Londres e, em 2018, em Liverpool.

Agradecemos ao INCT-INEU, importante centro de pesquisa de ponta sobre os EUA no Brasil, pelo apoio no desenvolvimento e na divulgação de nossas pesquisas.

 

* Angelo Raphael Mattos é doutorando e mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Pesquisador no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), com apoio da CAPES.

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