INSTEX é o jeitinho europeu contra sanções americanas

por Solange Reis

 

A dificuldade é a mãe da criatividade, diz um dito popular. Uma máxima que vale também para o esforço da União Europeia (UE) de evitar as sanções americanas relativas ao Irã.

Desde o ano passado, países europeus tentam blindar suas empresas de penalidades dos Estados Unidos contra quem negociar com o Irã. A reativação das punições aconteceu meses depois de o presidente Donald Trump retirar seu país do JCPOA, o acordo sobre o programa nuclear iraniano.

As sanções estão chegando

As primeiras sanções miraram a venda de peças e serviços para os setores automotivos e aeronáuticos. Significaram um ataque frontal ao Irã, mas também a empresas europeias, como Airbus, Renault, Volkswagen, Volvo, Scania e Peugeot. Somente a Renault investiu US$ 660 milhões para produzir 150 mil carros por ano no Irã.

Uma segunda rodada de sanções atingiu o coração da economia iraniana. Quem comprar petróleo ou produtos petroquímicos do Irã poderá pagar caro. Alguns exemplos de punição são o congelamento de ativos e o banimento do mercado de ações nos Estados Unidos. Outro castigo mais paralisante é o impedimento nos principais canais financeiros do mundo.

Napoleão das finanças

Boicotar um rival comercialmente é uma estratégia antiga na história mundial. No século XIX, Napoleão Bonaparte decidiu confiscar navios mercantes com mercadorias do Império Britânico para a Europa. O plano era ousado e exigia vigilância presencial que custou fortunas à França e contribuiu para seu declínio.

Hoje, os Estados Unidos contam com uma forma mais simples e barata de estrangular a economia de um país. Basta uma instrução sua para que as instituições financeiras bloqueiem os Estados “desobedientes”.

Será a estratégia bem-sucedida no longo prazo? Ou estará fadada ao fiasco no estilo napoleônico?

Gambiarra contábil

Foi para evitar essas barreiras que três países da UE criaram o INSTEX (Instrument in Support of Trade Exchanges). Lançado por França, Alemanha e Reino Unido, em fevereiro, o mecanismo espera viabilizar o comércio entre empresas europeias e iranianas.

A ideia por trás do INSTEX é quase primitiva. Empresas que exportam produtos e serviços para o Irã recebem pagamentos de outras firmas europeias que importam mercadorias de lá. O dinheiro não circula pelo governo iraniano, mas também não passa por nenhum meio internacional sujeito à pressão americana.

Ao criar o mecanismo, para manter a economia iraniana respirando sem aparelhos, as lideranças europeias não pretendem apenas defender interesses comerciais. Estão em jogo a sobrevivência do JCPOA e o capital político da União Europeia em grandes questões internacionais.

Para o êxito do INSTEX é preciso convencer as companhias europeias de que a plataforma não só funciona, como as protege de verdade. Outro desafio é atrair os demais países europeus para a iniciativa.

Resistência existe até em Teerã. Em março, o governo iraniano informou sobre o iminente lançamento do “Special Trade and Finance Institute” (STFI), a outra ponta do INSTEX. Mas setores conservadores no país criticam a ideia, dizendo que o plano europeu é um “cavalo de Tróia” para forçar a renegociação do acordo.

Neutro pero no mucho

O pulo do gato na iniciativa europeia é ser uma alternativa ao SWIFT (The Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication). Com sede na Bélgica, o SWIFT é uma rede de comunicação bancária de mensagens eletrônicas em tempo real. Mais de 35 milhões de mensagens são trocadas por dia entre ao menos 11 mil bancos através da organização.

Em um mundo de finanças globalizadas, ficar fora do SWIFT equivale a não existir. Embora esta seja uma entidade politicamente neutra, sua utilização tem sido politizada pelos Estados Unidos.

O próprio Irã já sofreu o peso da exclusão no SWIFT. No governo Obama, transações bancárias envolvendo o país foram proibidas. Essa exclusão acabou sendo um dos motivos que fez o governo iraniano negociar o acordo de restrição nuclear com o P5+1, grupo dos membros permanentes do Conselho da ONU e a Alemanha.

A comunidade internacional, a ONU e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) acham o acordo positivo para a segurança internacional. Ao contrário do que alegam os Estados Unidos, os demais signatários atestam que o Irã tem feito a sua parte no compromisso.

Bitcoins

O fato é que o Irã não tem muitas saídas para o cerco. Uma das poucas alternativas é o uso de bitcoins. De olho nisso, o Irã importou oito contêineres com 2.800 computadores chineses, a fim de construir um centro global para os mineradores de bitcoins.

Se os bitcoins são mesmo um crime, como tantos acreditam, o Irã tem o motivo, o meio e a oportunidade.  

Transacionar com bitcoins gasta muita eletricidade, mas energia é barata no Irã. São cerca de seis centavos de dólar por kilowatt-hora, comparados com 35 centavos nos Estados Unidos. O motivo é escapar do sistema financeiro controlado por Washington. Quanto às oportunidades, há investidores europeus e asiáticos ávidos por um mercado de 81 milhões de pessoas.

Os Estados Unidos sabem desses planos e ameaçam empresas e pessoas envolvidas. Essa pressão tem funcionado sobre grandes fornecedores de equipamentos, mas não nas pequenas e médias empresas e investidores anônimos.

Investir em bitcoins apresenta muitos riscos, mas uma das vantagens é que as transações são registradas em blockchains. Esse sistema de computadores independentes foge do controle de Bancos Centrais e de instituições financeiras tradicionais.

O tiro e a culatra

O uso de sanções econômicas como arma política foi questionado pela imprensa liberal internacional. Recentemente, a revista The Economist e o jornal Financial Times alertaram para os riscos de perda de credibilidade do dólar, citado como principal ativo do poder americano. Pois, no final das contas, os países vetados irão buscar outras moedas e outros meios para sobreviver. A China e a Índia já fazem escambo e comércio com o Irã em suas próprias moedas. A UE se aventura pelo mesmo caminho. Há uma evidente intenção de desobediência que, a despeito de fracasso ou sucesso, tem significado na ordem econômica liberal.

Ao falar das sanções no Twitter, Donald Trump fez uma paródia ao título do primeiro episódio de Game of Thrones, famosa série de TV sobre lutas medievais nos continentes de Westeros e Essos. A frase “Winter is coming” (O inverno está chegando) foi substituída por “Sanctions are coming” (As sanções estão chegando), com a imagem desafiadora e determinada do presidente ao fundo.

George R.R. Martin, autor do livro no qual a série se baseia, comparou Trump a uma de suas personagens, o rei adolescente Joffrey. “Eles têm o mesmo nível de maturidade emocional. E Joffrey gosta de lembrar a todo mundo de que ele é o rei”.

Trump, no entanto, não é ficção. Suas decisões relevantes têm consequências, muitas delas duradouras, para países e populações.

Caso as sanções triunfem, o Irã estará em maus lençóis novamente e os países europeus, um degrau a menos na hierarquia política. Por outro lado, se o INSTEX, os bitcoins e quaisquer outros artifícios funcionarem como contraponto, os Estados Unidos terão arranhado sua capacidade de influência.

Esses fatos, sozinhos, não irão afetar a credibilidade do dólar. Mas não se deve esquecer que o capital não tem bandeira nem outra causa que não seja acumular e se reproduzir. Portas fechadas, já deveria saber Trump, funcionam melhor em Westeros e Essos.

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