Eleitores iraquianos minam a estratégia de Trump para o Irã

Muqtadar al-Sadr e Hadi al-Amiri, ambos anti-americanos, terminaram em primeiro e segundo lugar nas eleições realizadas no dia em que Trump descartou o acordo nuclear com o Irã

por M.K. Bhadrakumar
Traduzido do Asia Times*

Em uma reviravolta irônica, 12 de maio, que era o prazo para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidir sobre o acordo nuclear com o Irã, foi também o dia das eleições parlamentares iraquianas.

Mas ninguém parece ter percebido o simbolismo. Os resultados da eleição iraquiana atrapalham seriamente a agenda de Trump para reverter a presença iraniana na parte norte do Oriente Médio, que compreende o Iraque, a Síria e o Líbano.

Desses três países, o Iraque é sem dúvida o teatro crucial da disputa entre os Estados Unidos e o Irã. A sorte da presença iraniana e a capacidade iraniana de influenciar a política de todo o arco xiita dependerão de sua posição e influência em Bagdá. As apostas nunca foram tão altas como são hoje.

Na verdade, os resultados das eleições iraquianas, formalmente anunciados no domingo, constituem um revés impressionante para a estratégia de contenção de Trump contra o Irã. Washington apostou enormemente na vitória da aliança liderada pelo primeiro-ministro Heidar al-Abadi, que foi relegada ao terceiro lugar, conquistando apenas 42 cadeiras no parlamento de 329 membros.

Inclinação anti-americana

Para piorar, duas alianças fortemente anti-americanas – lideradas por Muqtadar al-Sadr e Hadi al-Amiri – garantiram o primeiro e o segundo lugar, respectivamente.

A formação de coalizões será um processo longo, mas o que já ficou claro é que o próximo governo em Bagdá terá inclinação anti-americana, sendo grande a probabilidade de que venha a dispensar as tropas e os contratados dos Estados Unidos no país, que totalizam 100 mil no Iraque.

Enquanto Amiri lidera os poderosos grupos de milícias alinhados ao Irã, conhecidos como Força de Mobilização Popular, a ascensão de Sadr é mesmo uma má notícia para os americanos. O Exército Mahdi de Sadr tem o sangue de centenas de americanos e ingleses nas mãos.

Na opinião de especialistas do Brookings Institution, de Washington, “Sua vitória (de Sadr) virou a política americana do Iraque de cabeça para baixo e Washington enfrenta agora uma grave crise política num país onde investiu sangue e dinheiro substanciais… O movimento liderado por ele deu origem a muitos dos grupos milicianos xiitas que cometeram atrocidades contra os americanos e que hoje dominam o Iraque – bem como as linhas de frente da guerra na Síria, onde lutaram contra as forças dos Estados Unidos. Esses grupos foram cruciais para garantir a sobrevivência do regime de Assad, além de aumentar a influência do Irã na região”.

Nas próximas semanas e meses, Teerã terá papel fundamental nas negociações para a formação do próximo governo em Bagdá. No passado, Teerã e Washington concordaram tacitamente em definir um candidato – os primeiros-ministros Abadi e Nouri al-Maliki, respectivamente -, mas o escopo para essa acomodação inexiste hoje.

Analistas ocidentais se aproveitam da perspectiva nacionalista de Sadr para lhe dar um caráter anti-iraniano, o que fica só na intenção. Sadr é realmente uma personalidade mercurial e tende a inclinar-se para o “xiismo vermelho” em sua visão da economia política do Iraque. Seus parceiros da aliança são comunistas e secularistas.

A conexão entre Irã e Sadr

Mas ele conheceu Amiri na segunda-feira e depois comunicou: “O processo de formação do governo deve ser uma decisão nacional e, mais importante, deve incluir a participação de todos os blocos vencedores”.

De novo, inventaram muita coisa sobre a visita de Sadr à Arábia Saudita no ano passado e sobre o encontro com o príncipe Mohammed bin Salman, mas, na realidade, a melhora das relações entre Bagdá e os países do Golfo Pérsico – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar é superficial.

Por outro lado, os iranianos e a família de Sadr se relacionam há muito tempo. Sadr viveu no exílio em Teerã por muitos anos. Enquanto isso, relatos dizem que Teerã está trazendo a tiracolo, para se alinhar com Amiri, os dois principais partidos curdos iraquianos – KDP e PUK – que se sentem ofendidos com o fato de os Estados Unidos terem sido coniventes com a repressão de Abadi em Kirkuk em outubro passado.

Somando tudo, Teerã pode se dar ao luxo de pesar os prós e contras de muitas opções abertas para si.

É inteiramente possível que Teerã aceite outro governo liderado por Abadi como o cabeça de chave de uma estrutura de poder firmemente pró-iraniana. Desde a mudança do regime em Bagdá, após a invasão dos Estados Unidos em 2003, Teerã tem feito esforços intensos e bem embasados para cultivar amplas parcerias políticas com grupos iraquianos em todo o espectro religioso, étnico e político.

É absurdo fantasiar que Bagdá esteja prestes a sair da órbita iraniana.

O importante é que um novo governo de coalizão em Bagdá, sobre o qual o Irã goze de influência política, pode significar o cronograma de retirada das tropas americanas. O governo Trump deve se preparar para tal eventualidade, uma vez que já convenceu Teerã de que a presença militar dos Estados Unidos no Iraque representa uma ameaça existencial de “mudança de regime”. É certo que Teerã tentará de tudo – menos atacar diretamente as tropas dos Estados Unidos – para minar a influência americana no Iraque.

Por outro lado, uma base militar bem fundamentada no Iraque é um pré-requisito imprescindível para o Pentágono conduzir suas operações na escala atual no nordeste da Síria, dado o imponderável na cooperação contínua da Turquia. Nestas circunstâncias, é difícil saber como Trump vai realizar seu sonho de fazer com que os iranianos abandonem o Iraque ou a Síria.

 

Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 24/05/2018, em http://www.atimes.com/article/iraqi-voters-undermine-trumps-iran-strategy/

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