Em visita aos Estados Unidos, o príncipe Mohammed bin Salman acena para a Síria de Bashar Al-Assad

por M.K. Bhadrakumar
Artigo traduzido do Asia Times *

O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman (MSB), deu uma declaração bombástica durante uma entrevista à revista Time, no fim de semana, dizendo que o presidente sírio, Bashar Al-Assad, não será tirado do poder. “Bashar fica. Mas acredito que seu interesse não seja deixar os iranianos fazer o que quiserem”, afirmou.

Esse comentário do governante de facto da Arábia Saudita é uma reversão impressionante das políticas sauditas para a Síria, baseadas na “mudança de regime” em Damasco. Pode-se dizer que seja uma admissão de derrota. No entanto, sempre existe a possibilidade tentadora de subtramas na política, e essa poderia ser uma dessas situações ganhando força.

O príncipe, de 32 anos, continua sendo um enigma envolto em mistério. Alguns dizem se tratar de um grande reformador, enquanto outros o chamam de um praticante impetuoso de políticas coercitivas. Na verdade, esses dois traços de personalidade não precisam necessariamente ser contraditórios, como mostra a história.

O que não pode passar despercebido é que MSB pertence a uma nova geração, que é extremamente consciente da capacidade do reino para adquirir habilidades de “soft power”. Tradicionalmente, poder brando no léxico saudita significava poder do dinheiro. Mas as coisas estão mudando.

Nunca antes um governante da Arábia Saudita lançou uma blitzkrieg midiática como introdução pessoal em suas visitas ao Reino Unido e aos Estados Unidos. A diplomacia pública saudita costumava ser dura, mas hoje existe uma tentativa séria de conquistar amigos e influenciar pessoas. E esses são apenas os primórdios das diretrizes do MBS.

Em outras palavras, a diplomacia saudita está em transição. Dessa forma, durante a visita aos Estados Unidos, MSB anunciou, por um lado, que a Arábia Saudita e a Rússia (leia-se MBS e Vladimir Putin) acertaram uma aliança energética de longo prazo, enquanto que, por outro lado, sinalizou estar pronto para negociar com Bashar.

Evidentemente, MBS raciocina pelo dilema saudita. Preços altos e estáveis do petróleo são atingíveis apenas com a cooperação da Rússia e tal convergência simplesmente não existe com os Estados Unidos – embora o petrodólar seja o sangue vital da economia americana e do sistema financeiro internacional liderado por eles.

O príncipe acaba de anunciar que o sol está se pondo sobre o pacto de 70 anos, “petróleo por segurança”, entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos, acordado por Franklin Roosevelt e o rei Abdulaziz, fundador do Reino da Arábia Saudita, em 1945, à margem do Nilo.

Curiosamente, em uma jornada que durou 25 anos, a China escolheu a semana passada para abrir suas próprias opções futuras de petróleo na Bolsa Internacional de Energia de Xangai, com transações em yuan, no lugar de dólares americanos, e contratos futuros que serão baseados em uma cesta de petróleo médio e pesado, com graus semelhantes aos dos que a China importa em volumes significativos da Arábia Saudita e da Rússia. A cacofonia no caso do espião Skripal não deve diminuir as profundas implicações estratégicas da aliança petrolífera russo-saudita anunciada por MSB.

Novamente, MBS escolheu falar da mudança dramática na política saudita em relação à Síria quando ainda estava em solo americano. O que é mais importante é que ele falou logo depois de se encontrar com o presidente Donald Trump na Casa Branca, em 20 de março, e de discutir com o secretário de Defesa, James Mattis, sobre a Síria.

Ainda mais relevante, a entrevista de MBS para a Time aconteceu poucas horas depois de Trump falar, na quinta-feira, para uma multidão animada em Richfield, Ohio: “Vamos sair da Síria muito em breve. Vamos deixar outras pessoas cuidarem disso agora, muito em breve. Saíremos muito em breve”.

MBS, no entanto, discorda: “Acreditamos que as tropas americanas devam permanecer, pelo menos, no médio prazo, se não no longo prazo”. Ele disse à Time que a presença das tropas americanas na Síria foi o último esforço para impedir que o Irã continuasse a expandir sua influência junto a aliados regionais, além de permitir que Washington tenha voz no futuro da Síria.

Mas não se sabe até que ponto conselhos prudentes influenciarão Trump. De fato, depois do anúncio de Trump, vazaram notícias de que, na quinta-feira, dois militares americanos foram mortos e outros cinco ficaram feridos em um ataque com bomba na cidade de Manjib, no nordeste da Síria. Na sexta-feira, a Casa Branca forneceu a transcrição oficial do discurso de Trump em Ohio, sobre a saída “muito em breve” da Síria.

No sábado, surgiram relatos de que, paralelamente, Trump mandou suspender nesta semana mais de $200 milhões em fundos de recuperação para a Síria, destinados a projetos básicos de infraestrutura, como restauração de energia e água e reconstrução de estradas, exigindo mais informações sobre como o dinheiro seria usado, e também tentando fazer com que outros países assumam a responsabilidade e paguem mais.

A CBS News informou que a decisão foi transmitida ao Departamento de Estado, na sexta-feira, em uma ligação do chefe de gabinete da Casa Branca, John Kelly, para o vice-secretário de Estado, John Sullivan. Para falar a verdade, MBS é intuitivo o suficiente para saber que as mudanças recentes no Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca permitem que Trump imponha sua vontade nas políticas do governo para a Síria.

MBS tem agenda prevista para visitar Bagdá e Najaf em breve. Um consulado saudita poderá ser aberto em Najaf, centro sagrado do Xiismo (iraquiano). Após as duas visitas do primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, à Arábia Saudita, no ano passado, a reaproximação entre os dois países ganhou rapidamente força, especialmente no campo econômico.

Da mesma forma, MBS prefere colocar dinheiro saudita onde acredita – em Damasco – em vez de financiar os projetos fantasiosos de infraestrutura do Pentágono para energia e água, ou reconstrução de estradas em um pedaço de terra remoto no meio do nada ao longo das margens ocidentais do Eufrates.

MBS avalia que a agenda para “mudança de regime” na Síria se esgotou. Não duvide que ele fale a sério sobre fazer negócios com Bashar. Afinal de contas, Bashar não é nenhum estranho para a realeza saudita.

 

Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado no Asia Times em 01/04/2018, em http://www.atimes.com/article/crown-princes-overture-syrias-bashar-us/

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