A ira dos fazendeiros com as tarifas de Trump coloca candidatos republicanos em saia justa

por Sheryl Gay Stolberg e Ana Swanson
Artigo traduzido do The New York Times*

WASHINGTON – Na medida que o presidente Trump começa a cumprir uma das promessas principais de campanha – enfrentar a China em ascensão -, ele encara uma revolta potencial de um eleitorado central: fazendeiros e outros produtores agrícolas que podem sofrer perdas devastadoras numa guerra comercial.

A ameaça de Trump de impor tarifas sobre produtos chineses veio junto com uma declaração presidencial de que guerras comerciais são boas e facilmente vencíveis. Mas a medida injetou uma dose de incerteza negativa na economia, no momento em que os republicanos brigam para manter sua posição na Câmara e no Senado num ano eleitoral difícil.

A batalha pelo controle da Câmara será travada, principalmente, nos subúrbios, mas os distritos rurais no sul de Illinois, Iowa, Arkansas e Missouri poderão ser importantes. E o controle do Senado poderia se resumir a esforços republicanos para desbancar os democratas em Dakota do Norte, Indiana, Missouri e Montana – estados ameaçados por uma guerra comercial.

Com os fazendeiros zangados e preocupados com a promessa da China de retaliar, muitos republicanos se veem divididos entre a lealdade a um presidente que continua amplamente popular nos estados rurais e as demandas de eleitores, principalmente os fazendeiros, pela oposição às tarifas.

Em Dakota do Norte, um importante estado produtor de soja, o representante Kevin Cramer, republicano que concorre ao Senado, foi comedido na semana passada, quando instou Trump a “adotar uma abordagem mais moderada” para a China. Na sexta-feira, ele já parecia estar em pânico.

“Entrei em contato com @SecretarysSonny para pedir que se use todos os recursos da Lei Agrícola, incluindo os programas de crédito para commodities, a fim de se proteger os produtores dos efeitos das ações comerciais potenciais contra a China”, escreveu no Twitter, referindo-se à secretária de Agricultura, Sonny Perdue. “Os agricultores precisam saber que o governo os apoia, e eu peço que isso seja feito rapidamente.”

A resposta agressiva da China às tarifas de Trump é voltada diretamente para os artigos produzidos no interior dos Estados Unidos, região que ajudou a colocar Trump na Casa Branca. Uma guerra comercial com a China poderia ser particularmente devastadora para as economias rurais, especialmente para suinocultores e produtores de soja e milho. Quase dois terços das exportações de soja dos Estados Unidos vão para a China.

As tarifas ainda não entraram em vigor, e o governo está negociando com os chineses para tentar resolver as diferenças.

Enquanto isso, Trump aumenta as ameaças e não dá sinais de recuo. Na noite de quinta-feira, ele ameaçou impor tarifas adicionais de US$ 100 bilhões sobre produtos chineses.

Funcionários do governo Trump argumentam que, embora não visem ajudar determinadas indústrias americanas, as tarifas sobre produtos chineses são necessárias para impedir que a China continue a violar as regras do comércio internacional. Eles dizem que medidas menos agressivas de governos anteriores falharam, e que a China roubou empregos e tecnologia americanos, que são cruciais para a prosperidade.

“Não é possível ter ganhos reais sem sofrimento”, disse Dan DiMicco, assessor comercial de Trump durante a campanha presidencial. “A batalha vale a vitória e nós venceremos.”

Mas os republicanos em estados rurais, como Cramer, acreditam que seus eleitores poderão ser prejudicados, e pedem a intervenção do Departamento de Agricultura.

Trump instruiu o Departamento a implementar um plano para ajudar os agricultores a enfrentar os prejuízos causados ​​pelas tarifas. Mas poucos detalhes foram divulgados sobre como o programa funcionaria ou quanto custaria. E não está claro o quanto o Departamento de Agricultura poderia fazer para remediar os danos ​​às relações comerciais centrais numa economia global.

O secretário da Agricultura tem alguma autoridade para ajudar os agricultores, criando novos programas com fundos do Tesouro. O secretário poderia, por exemplo, orientar a Corporação de Crédito de Commodity (Commodity Credit Corporation), entidade governamental, a comprar soja para aumentar as receitas dos agricultores, disse Kent Conrad, ex-senador democrata de Dakota do Norte.

De acordo com grupos agrícolas, esses recursos foram usados ​​no passado para aliviar prejuízos com incêndios e outros desastres naturais. Mas um programa desse tipo pode ser demorado e caro.

“Tudo isso tem consequências sérias”, afirmou Conrad. “Geraria custos para o governo quando os déficits e a dívida já são altos – e caminhamos para um déficit de trilhão de dólares”.  Segundo o Escritório de Orçamento do Congresso, na sexta-feira, apesar da economia forte, o déficit orçamentário federal chegou a US$ 598 bilhões no primeiro semestre do atual ano fiscal, US$ 71 bilhões a mais do que o registrado no mesmo período do ano passado.

Se a Casa Branca acabar subsidiando os agricultores, poderá criar conflitos comerciais em outras frentes. Chad P. Bown, membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, disse que a medida poderia desencadear desafios comerciais por parte de outros países, além da China, que não aceitariam a concorrência desleal da agricultura americana.

Patrick Delaney, porta-voz da Associação Americana de Soja, disse que seu grupo ainda está empenhado em tentar impedir que as tarifas entrem em vigor, em vez de examinar quais medidas o governo poderia tomar para apoiar os agricultores.

“É muito mais fácil não estragar o carro do que consertá-lo”, disse.

Os agricultores estão entre os grupos de lobby mais organizados para fazer pressão no governo sobre política comercial. Mas como as tensões comerciais com a China aumentaram, os agricultores dizem que essas demandas parecem entrar por um ouvido e sair por outro. Muitos agora estão se queixando com o Congresso.

Para republicanos como Cramer, que enfrenta uma disputa dura com a senadora democrata, Heidi Heitkamp, ​​a ameaça do presidente de aumentar drasticamente as tarifas do governo sobre as importações chinesas – e a ameaça da China de retaliar os produtos agrícolas americanos – é um problema para as eleições de meio de mandato neste ano. Assessores de Cramer não atenderam aos pedidos para  comentar a declaração.

“Não há dúvida de que isso coloca os republicanos numa situação difícil, porque eles têm de conversar com os fazendeiros e donos de empresas afetados pelo impacto negativo da tarifa, a respeito da qual tenho certeza de que eles já andam recebendo reclamações”, disse Scott Jennings, estrategista republicano em Kentucky. “Por outro lado, eles têm eleitores que provavelmente acham boa ideia o presidente enfrentar a China”.

Alguns republicanos estão se posicionando contra o presidente. Em Iowa, o deputado David Young, que representa um distrito onde Trump ganhou por apenas quatro pontos percentuais, instou publicamente o presidente a negociar antes de impor tarifas. Seu estado é grande produtor de soja, grãos e produtos suínos, e os agricultores por lá já estão vendo os preços caírem.

“Eu respeito o presidente e o que ele está tentando fazer – tentando nivelar o campo, tentando reduzir os déficits comerciais -, mas isso sempre vem à custa da agricultura”, disse Young em entrevista à NPR. “Será que não podemos começar simplesmente sentando para negociar?”

Os senadores de Iowa, Joni Ernst e Charles E. Grassley, ambos republicanos, pediram a Trump que reconsidere. Em comunicado, Ernst citou o “perigo concreto de que o aumento das tarifas sobre as exportações dos Estados Unidos prejudique os produtores de Iowa e enfraqueça a economia rural”, e ela disse ter conversado diretamente com o presidente sobre isso.

O confronto com a China começou no mês passado, quando Trump impôs tarifas sobre aço e alumínio estrangeiros, cumprindo uma promessa central de sua campanha. A China respondeu com tarifas de US$ 3 bilhões sobre produtos americanos, incluindo carne de porco, frutas e outros itens.

Em seguida, no final de março, o presidente anunciou planos para impor US$ 50 bilhões em tarifas sobre produtos chineses. A China retaliou novamente. Na semana passada, apresentou sua própria medida tarifária de US$ 50 bilhões sobre produtos americanos, o que, por sua vez, provocou Trump a sugerir as tarifas adicionais na noite de quinta-feira.

Resta saber se a China responderá à última ameaça tarifária de Trump com outra escalada.

Além dos produtores de soja, as montadoras e a Boeing seriam duramente atingidas pelas tarifas da China. Muitas empresas americanas compram produtos de fábricas chinesas, enquanto outras dependem do vasto mercado consumidor do país para vender seus produtos.

A disputa comercial com a China também acontece depois da decisão de Trump de se retirar da Parceria Transpacífico, acordo comercial que deveria atrelar países de ambos os lados do Pacífico em uma aliança contra a ascensão de Pequim. O governo também está renegociando o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Ambos eram pactos valiosos para os fazendeiros americanos, e o movimento de Trump para revertê-los já tinha deixado os agricultores apreensivos

O sofrimento logo atingiu o setor no mercado acionário. Investidores venderam ações ligadas à agricultura na sexta-feira. Os papéis da Deere & Company e da gigante de fertilizantes, Mosaic, caíram quase 4%, ao passo que os da CF Industries, fabricante de fertilizantes, caíram 4,5%.

Enquanto alguns fazendeiros e políticos esperam que as ameaças de Trump sejam apenas tática de negociação, autoridades do governo insistiram, na semana passada, não ser o caso.

“Existe o potencial de uma guerra comercial”, disse Steven Mnuchin, secretário do Tesouro, em entrevista à CNBC. “Há um nível de risco de entrarmos em guerra comercial”.

Mnuchin disse ter esperanças de que as conversas com suas contrapartes chinesas evitem a escalada negativa de tarifas retaliativas, mas se recusou a dar detalhes sobre em que pé estão as negociações e se ele acha que poderá haver acordo.

O novo consultor econômico do presidente, Larry Kudlow, falou que a ameaça de Trump à China não é um blefe.

“Trump não está apenas usando tarifas como trunfo. Ele mesmo me disse isso.”, contou Kudlow aos repórteres na sexta-feira.

Mas a estratégia da Casa Branca para pressionar a China a rever seu comportamento econômico parece pouco clara. Kudlow disse que o governo vinha conversando com os chineses nos bastidores, mas que ele não chamaria essas conversas de negociação. Acrescentou que os Estados Unidos consideram dar à China uma lista das mudanças que gostariam de ver, embora ainda não o tenham feito.

“Não posso garantir, mas é uma coisa em discussão”, disse Kudlow.

 

Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 07/04/2018,  em https://www.nytimes.com/2018/04/07/us/politics/trump-trade-china-politics-heartland.html

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