Demissões abrem espaço para unilateralistas na política externa

por Solange Reis

Mais uma autoridade do governo Trump está prestes a enfrentar a “guilhotina” ou, para se usar uma expressão mais contemporânea, receber um tweet derradeiro do presidente. Segundo apuração do jornal The Washington Post, a bola da vez na fila da demissão poderá ser o conselheiro de segurança nacional, general H. R. McMaster.

O general foi nomeado em fevereiro de 2017 para substituir Michael Flynn, outro militar demitido após ser acusado de mentir para o FBI na investigação sobre conluio entre a Rússia e a equipe de campanha de Trump.

Considerado um intelectual para assuntos de defesa, McMaster possui longa carreira militar, tendo sido um dos arquitetos do plano de contra-insurgência na Guerra do Iraque. Com uma visão realista clássica sobre a política mundial, o general considera que os tempos atuais se assemelham ao ano de 1914. “A geopolítica voltou, com uma vingança, depois das férias que tiramos da história no chamado período pós-Guerra Fria”, afirmou certa vez.

Apesar das credenciais, McMaster nem é dos mais conservadores. A prova disso é o apoio bipartidário com o qual conta em Washington, suficiente para que sua nomeação no Senado tenha sido confirmada por 85 votos a favor. Na época, muitos acreditavam que ele conseguiria dar mais credibilidade ao governo.

O general, no entanto, nunca caiu nas graças de Donald Trump. Relatórios minuciosos elaborados pelo especialista em inteligência militar entediam um presidente incauto. A prudência verbal de McMaster também bate de frente com a verborragia de Trump. Quando, por exemplo, o conselheiro sugeriu excluir a expressão terrorismo islâmico radical de um discurso presidencial. A reação de Trump foi pronunciar pausadamente cada palavra para destacá-las.

Mas o principal ponto de divergência é quanto às alianças internacionais. McMaster é um realista clássico, no sentido de quem entende a política internacional pela ótica do equilíbrio de poder. No seu mundo existem inimigos e aliados temporários, estes últimos, porém, indispensáveis. Uma configuração que requer diplomacia e acomodação de interesses diversos.

Para Trump, a política internacional é pano de fundo para o exercício da primazia americana. Uma espécie de bloco do “eu sozinho” que, de vez em quando, distribui abadás com prazo de validade. Funciona para atrair parceiros pequenos- no caso da moção de desaprovação sofrida na ONU pelo reconhecimento unilateral de Jerusalém como capital de Israel -, mas não garante aliados de peso.

A Casa Branca diz que a relação entre o presidente e o conselheiro são boas, e não há nenhuma mudança prevista na equipe de segurança nacional. Mas os rumores de novas demissões são tão fortes que o chefe de gabinete, general John Kelly, reuniu vários integrantes da equipe na sexta-feira (16) para acalmar os ânimos.

Além do secretário de Estado Rex Tillerson e de seu vice, Steve Goldstein, nas últimas semanas foram demitidos o conselheiro econômico Gary Cohn, a diretora de comunicações Hope Hicks e o vice-diretor do FBI, Andrew McCabe. A demissão de McMaster estaria prevista para ser anunciada no momento certo, a fim de não ferir sensibilidades entre segmentos militares e políticos, e com a certeza sobre o substituto.

Trump já estaria inclusive avaliando candidatos. Um deles é o “falcão” John Bolton, embaixador dos Estados Unidos na ONU no governo de George W. Bush e ocupante de outros postos oficiais em gestões republicanas.

Durante a campanha presidencial, Trump disse gostar dos comentários de Bolton na Fox News. A afinidade é mútua, já que Bolton considerou o discurso de posse um dos melhores da história. Tanto assim que está entre os analistas da Fox News que passaram a angariar fundos para o Partido Republicano depois da eleição.

Bolton representa uma ala bem linha-dura do partido quando se trata de política externa. Como analista político, não raramente difunde notícias falsas e teorias da conspiração. Em entrevista a um programa de rádio conhecido pelas matérias ofensivas a minorias, Bolton defendeu a suposição de que a Irmandade Muçulmana estaria infiltrada no governo americano.

Trump e Bolton também compartilham a visão unilateralista da política global, com menosprezo por alianças e organizações internacionais. Mas o temperamento intempestivo do “falcão” e suas declarações contra a Coreia do Norte talvez não sejam o que presidente deseja quando diz aceitar conversar com o líder norte-coreano, Kim Jong-un.

Embora não chegue a ser constrangimento para um presidente pouco afeito a justificar seus atos, defender a nomeação de Bolton pede algum malabarismo retórico em outros aspectos. Na questão da Guerra do Iraque, por exemplo, à qual o empresário Trump se opôs na época.

Bolton é um dos neoconservadores que legitimaram a intervenção. Em 2001, na função de subsecretário de Estado para controle de armas e segurança internacional, conspirou para que o diplomata brasileiro, José Bustani, então diretor da Organização para Proibição de Armas Químicas, fosse destituído. Bustani negociava a entrada do Iraque e da Líbia na convenção que proíbe armas do tipo, o que desacreditaria o plano para a futura invasão do primeiro.

O representante democrata, Henry Waxman, acusou Bolton de forjar um relatório em 2002 sobre a suposta compra de urânio pelo governo de Saddam Hussein. O documento ajudou a fundamentar desastrosa invasão do Iraque no ano seguinte.

Bolton não é a única opção de Trump para o cargo de conselheiro de segurança nacional. Outro nome especulado para substituir McMaster é o de Keith Kellog, atual chefe de gabinete do Conselho de Segurança Nacional, e uma espécie de “brother” do presidente. A imprensa diz que Trump frequentemente o convida para viagens domésticas por achá-lo divertido.

Mas Kellog é bem mais do que um camarada do presidente, a quem assessorou durante a campanha. Depois da invasão do Iraque em 2003, o agora militar aposentado desempenhou a função de diretor de operações da Autoridade de Coalizão Provisória (Coalition Provisional Authority). Foi responsável pela reconstrução da infraestrutura do Iraque, um processo que se revelou tão fracassado e corrompido quanto a intervenção. Entre a aposentadoria e a nomeação para o governo Trump em 2017, Kellog trabalhou em empresas de tecnologia a serviço do Pentágono.

No que importa para o momento atual, Kellog tem uma abordagem de política externa semelhante à de Bolton. Em outras palavras, unilateralista. Por essa razão, o senador republicano Rand Paul, conhecido por sua visão isolacionista, lamenta o retorno dos “neoconservadores loucos” ao poder central.

Paul refere-se também a Mike Pompeo, indicado para ser o novo secretário de Estado, e Gina Haspel, nomeada para substituir Pompeo na direção da CIA. Ambos defendem o uso de tortura em suspeitos de terrorismo. Haspel chegou a supervisionar uma prisão clandestina dos Estados Unidos na Tailândia, na qual a tortura era parte dos interrogatórios.

Jacob Heilbrunn, editor do The National Interest, que se denomina uma publicação de orientação realista, explica que o governo Bush uniu neoconservadores e nacionalistas confessos. Os primeiros defendiam a promoção da democracia por meio da mudança de regime no que chamavam de “Estados falidos”; os segundos não davam a mínima para a democracia, mas estavam dispostos a usá-la em nome da supremacia americana.

A segunda visão triunfa no governo atual, conclui Heilbrunn. “Talvez a única coisa pior do que um Trump isolacionista seja um Trump intervencionista”, acrescenta.

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