Militar linha-dura é nomeado embaixador na Austrália

por Solange Reis

O presidente Donald Trump nomeou o Chefe do Comando do Pacífico, no sábado (10), como embaixador na Austrália. Após sua provável aprovação no Senado, o almirante Harry Harris (61) deverá assumir o posto vago há dezessete meses e acalmar as lideranças australianas que temiam ser esquecidas pelo grande aliado.

Indicar militares para cargos diplomáticos é prática comum nos Estados Unidos, cuja política externa se orienta muito por questões geopolíticas.

A indicação para a embaixada em Canberra segue essa mesma lógica. Com quase 40 anos de carreira, Harris é um dos maiores estrategistas na região da Ásia-Pacífico.

Desde 2015, ele chefia uma das seis centrais de combate unificado dos Estados Unidos no mundo. Sua área de atuação equivale à metade da superfície terrestre, estendendo-se do litoral oeste dos Estados Unidos à Índia, e do Polo Norte à Antártida.

O Comando do Pacífico conta com 375 mil funcionários militares e civis, uma frota de 200 navios, incluindo cinco porta-aviões, e mais de mil aeronaves. Não seria exagero dizer que se trata da maior força de guerra na Terra.

Mas a experiência não foi o único fator que levou à escolha. O almirante também tem fama de linha-dura. Harris era comandante da prisão de Guantánamo, em 2006, quando três detentos morreram em circunstâncias controversas. A versão oficial concluiu que foram suicídios, mas denúncias posteriores indicaram mortes por tortura.

Muitos na imprensa consideram o provável futuro embaixador um “falcão”, adjetivação atribuída aos que favorecem o intervencionismo militar em lugar da diplomacia.

Rédeas curtas

Ao nomear alguém com esse perfil, a Casa Branca pretende monitorar a Austrália para evitar que o principal aliado na Oceania caia ainda mais na órbita chinesa.

Além disso, mostra o tom que a problemática regional tem para o governo norte-americano.

Harris, que nasceu no Japão, vê a China como um inimigo que pretende reduzir a influência dos Estados Unidos junto aos aliados na região. Para ele, Pequim também é uma força transnacional disruptiva que desenvolve capacidades militares acima da necessidade de defesa.

O militar chama de “Grande Muralha de Areia” a suposta estratégia chinesa de construir ilhas artificiais no Mar do Sul da China para garantir a posse de uma área reivindicada por outras nações.

Algumas delas estão sob a esfera de influência australiana, como Brunei, Indonésia e Filipinas. Todas contam com a Austrália e os Estados Unidos para apoiá-las nas disputas em cortes internacionais e, em último caso, num conflito bélico.

Desde 1980, a Austrália realiza a Operação Gateway, que consiste de patrulhamento aéreo no Mar do Sul da China e no Oceano Índico. A prática é motivo de atrito com a China, razão pela qual sucessivos governos australianos rejeitam participar do FONOP (Freedom of Navigation Operation), monitoramento naval norte-americano baseado no direito de livre navegação.

É importante lembrar que a livre navegação internacional na zona econômica exclusiva dos países (200 milhas náuticas da costa) foi regulamentada pela Convenção das Nações Unidos sobre o Direito do Mar. A China assinou o tratado; os Estados Unidos, não.

Dependência estratégica ou econômica

O crescimento da tensão na Ásia-Pacífico, a ascensão militar chinesa e a oratória conflitiva de Trump aumentam a pressão por mais engajamento da Austrália, que tem uma relação de dependência estratégica de quase 70 anos com Washington.

Em 1951, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia assinaram um tratado de cooperação em defesa. O ANZUS funciona praticamente no modelo da segurança coletiva, no qual a agressão de terceiros a um signatário significa um ataque aos demais.

O acordo tripartite virou bilateral na década de 80, quando a Nova Zelândia proibiu a entrada de navios nucleares norte-americanos em seus portos. A Austrália, no entanto, permaneceu. Poucos aliados foram tão fiéis e assíduos em guerras e conflitos promovidos pelos Estados Unidos.

Segundo o Livro Branco da Política Externa australiana, “a aliança com os Estados Unidos é central para a segurança da Austrália e está no âmago do planejamento estratégico e de defesa”.

O posicionamento da China como potência global criou um dilema nessa relação. Se os Estados Unidos são o protetor de última instância, a China é o primeiro parceiro comercial.

Atualmente na liderança do governo australiano, o Partido Liberal tenta equilibrar dois pesos antagônicos em pratos diferentes da balança. Tarefa nada fácil diante dos interesses geopolíticos divergentes.

Para Euan Graham, diretor do programa de segurança internacional do Lowy Institute, em Sidney, a lealdade da Austrália aos Estados Unidos é facilmente replicável no Oriente Médio e em outras partes do mundo. Quando o escopo geográfico é a Ásia-Pacífico, os “aussies” são mais cautelosos para não ferir Pequim.

Bob Carr, ex-ministro das Relações Exteriores pelo Partido Trabalhista da Austrália (2012-2013), recomenda que Harris não pressione o governo australiano a antagonizar com a China. “Os Estados Unidos jamais sonhariam pedir a seus grandes aliados europeus – França, Alemanha e Reino Unido – que estraguem a relação com a China para provar a condição de vassalos”, afirmou.

A China não é vista pelos trabalhistas com olhos melhores do que pelos liberais. Os dois partidos sabem a “delícia e a dor” da proximidade geográfica e econômica do dragão asiático.

O ponto divergente em termos de política externa e de segurança é quanto à  dependência estratégica em relação ao aliado americano, cuja proteção efetiva é menos certa do que pensam os crédulos.

Para o Partido Trabalhista, a aliança incondicional nunca fez muito sentido. Menos ainda agora, com a ordem internacional em viva transformação.

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