Investigação faz as primeiras prisões no caso Trump-Rússia

por Solange Reis

Três assessores da campanha de Donald Trump foram indiciados na segunda-feira (30) por crimes que incluem conspiração contra os Estados Unidos.

As acusações foram apresentadas a um grande júri federal por Robert Muller, conselheiro especial do Departamento de Justiça.

O indiciamento pode ser o primeiro movimento para, mais tarde, se chegar a peixes graúdos, não excluindo o presidente e pessoas de seu círculo mais próximo.

Entenda as acusações

Paul Manafort e Richard Gates, respectivamente, diretor e vice-diretor de campanha de Trump, foram indiciados em doze acusações. Nove delas são de natureza criminal, incluindo conspiração, lavagem de dinheiro e falso testemunho.

Os dois ex-assessores, que são sócios em várias empresas, também são acusados de atuar irregularmente como lobistas a favor da Ucrânia e de partidos ucranianos pró-Rússia.

Lobby é uma atividade legal nos Estados Unidos desde que seja registrada. Manafort e Gates deixaram de se registrar como lobistas da Ucrânia e de declarar os valores recebidos pelos serviços. Perante à lei americana, os lobistas violaram o Foreign Agents Registration Act, sendo considerados agentes não registrados de governos estrangeiros.

Ambos estão em prisão domiciliar, com fiança estabelecida em US$ 10 milhões para Manafort e US$ 5 milhões para Gates.

O terceiro indiciado foi George Papadopoulos, desconhecido assessor de política externa na campanha do republicano. Papadopoulos é acusado de dar falso testemunho ao FBI em janeiro último. Na época, ele negou fazer parte da campanha de Trump quando conversou com Josef Mifsud,  professor e diretor da London Academy of Diplomacy. Mifsud, que mantém elos com o governo russo, teria lhe oferecido milhares de emails com informações “sujas” sobre Hillary Clinton.

Papadopoulos foi preso em julho, passando a cooperar com os investigadores desde então. O fato não importa tanto pelo que Papadopoulos tenha a dizer, mas por abrir precedentes para que outros assessores de Trump (que já estão na mira de Muller) pensem em acordos de leniência.

Entre os figurões com alguma probabilidade de indiciamento estão Michael Flynn, ex-conselheiro de segurança nacional do presidente, Jared Kushner, genro de Trump, e o primogênito Donald Trump Jr.

Saiba um pouco mais sobre o Russiagate

Muller foi indicado pelo Departamento de Justiça para dar continuidade ao trabalho do ex-diretor do FBI, James Comey, que vinha analisando a interferência da Rússia na campanha presidencial.

Em maio, Trump demitiu Comey alegando falhas do FBI na apuração do uso indevido de emails por Hillary Clinton enquanto secretária de Estado.

Opositores do presidente acreditam que o verdadeiro motivo foi impedir as investigações sobre os elos entre a campanha do republicano e agências de inteligência russas.

A decisão intempestiva e parcial provocou a crítica de ninguém menos do que Steve Bannon, um dos artífices da vitória eleitoral de Trump. Bannon considera a demissão um dos maiores erros na história política. Se Comey não tivesse sido demitido, não teríamos a investigação de Muller, disse o ex-estrategista-chefe da Casa Branca.

O suposto elo entre Trump e a Rússia começou a ser revelado com o dossiê “Eleições Presidenciais dos Estados Unidos: Atividades e Relações Comprometedoras do Candidato Republicano, Donald Trump, com o Kremlin”.

Elaborado por Christopher Steele, um ex-espião britânico, o documento de 35 páginas (publicado pelo BuzzFeed) relata as relações financeiras e de inteligência entre Trump e o governo russo.

Segundo o dossiê, o então candidato Trump recebeu informação privilegiada sobre Hillary Clinton e outros políticos. Trump também teria sido chantageado pelos russos por fatos comprometedores de sua vida pública e particular, incluindo perversão sexual.

O dossiê, que tornou-se uma fonte primária para a investigação de Muller, foi feito por Steele a pedido da empresa Fusion GPS, uma consultoria estratégica fundada por ex-jornalistas do Wall Street Journal.

A Fusion GPS diz ter sido contratada por John Podesta e pelo Comitê Nacional Democrata (DNC, em Inglês) em 2016. No mesmo ano, emails divulgados pelo Wikileaks (recebidos de hackers russos) mostraram o arranjo entre Podesta e o DNC para prejudicar Bernie Sanders, concorrente de Clinton nas primárias.

Podesta, Clinton e o DNC negam ter contratado a Fusion GPS. Admitem que tiveram acesso ao documento durante a campanha eleitoral, embora não o tenham usado contra Trump.

Os democratas insistem em dizer que o importante não é saber quem financiou o dossiê da Fusion GPS, mas o seu conteúdo. Já os republicanos consideram que o documento tem caráter político e, portanto, nenhuma credibilidade.

O argumento republicano perdeu um pouco de força no sábado (28), depois de revelado que o primeiro a contratar a Fusion GPS – a fim de levantar os “podres” de Trump – foi Paul Singer. Dono do fundo de investimentos Elliott Management, Singer é um grande contribuidor de campanhas republicanas.

O investidor costuma comprar (e divulgar para a imprensa) estudos negativos sobre candidatos republicanos que não contam com seu apoio. Nas primárias de 2016, Singer foi anti-Trump e pró-Marco Rubio, senador conservador da Flórida.

A informação de que o financista encomendou um dossiê sobre Trump foi dada pelo site conservador Washington Free Beacon, de propriedade do próprio Singer.

O Free Beacon, no entanto, diz que o serviço comprado não se relaciona com o levantamento feito pelo ex-espião britânico. A pesquisa também teria sido interrompida tão logo Trump anunciou sua candidatura.

Labirinto de intrigas

A ambiguidade dos agentes nessa confusa rede de intrigas não para aí, tornando difícil saber as motivações das figuras envolvidas, e quem está contra quem.

John Podesta, por exemplo, é irmão de Tony Podesta, famoso lobista citado como colaborador de Manafort no lobby irregular para a Ucrânia.

Os irmãos fundaram o Grupo Podesta em 1988, criando um dos maiores escritórios de lobby do país. John se afastou da empresa para fazer parte do governo Obama. Tony renunciou na segunda-feira (30), depois que Muller anunciou a denúncia contra os ex-assessores de Trump.

Partidos opostos; negócios comuns. A política parece mais partidária nos noticiários da CNN ou da FoxNews do que nos círculos não tão herméticos da capital.

Outro episódio confuso liga a Fusion GPS aos russos, e esses à família Trump. Em 2014, a empresa assessorou um escritório de advocacia que defendeu a Prevezon Holdings. Essa companhia, que pertence ao filho de um alto funcionário do governo russo, foi acusada pelo governo dos Estados Unidos de US$ 230 milhões em fraudes fiscais na Rússia.

Natalia Veselnitskaya, uma das advogadas da Prevezon, também atua como lobista a favor do governo russo nos Estados Unidos. Sua principal frente de atuação é contra a Lei Magnitsky, que proíbe a emissão de vistos e congela ativos de cidadãos russos suspeitos de violações de direitos humanos.

A Fusion GPS é suspeita de ter transferido para Veselnitskaya informações obtidas junto ao governo americano sobre a Lei Magnitsky. Dessa forma, a consultoria também teria feito lobby para um governo estrangeiro sem ter registro formal para a atividade.

Veselnitskaya, por sua vez, participou de um encontro na Trump Tower em 2016, onde Manafort também esteve presente. Logo após, a advogada se reuniu com Donald Trump Jr., a quem teria oferecido um pacote de informações comprometedoras sobre Hillary Clinton. O filho do presidente nega a suposição, dizendo terem conversado apenas sobre a Lei Magnitsky.

Reações na Casa Branca

A Casa Branca disse que as acusações contra Manafort e Gates não têm qualquer relação com o presidente, já que os crimes foram cometidos antes da campanha de 2016.

Rejeitando a tese de conluio com a Rússia, a estratégia também é jogar as acusações para Hillary Clinton e o DNC (pela compra do dossiê).

Para assessores e apoiadores do presidente, os Clintons também estariam por trás do acordo que deu à estatal russa Rosatom o direito sobre 20% do urânio produzido nos Estados Unidos (leia mais no OPEU).

Quanto a Papadopoulos, o plano do governo Trump é tratá-lo como voluntário sem importância na campanha, e tentar capitalizar os louros por sua prisão.

Como sempre, Trump recorreu ao Twitter para expressar sua opinião. O presidente disse que os democratas estão usando a história como “caça às bruxas”. Toda essa conversa sobre Rússia, quando os republicanos estão em vias de aprovar uma histórica reforma fiscal, não é coincidência, tuitou.

Para confundir a opinião geral, Trump também conta com aliados. Na própria segunda-feira (30), o governador Chris Christie falou que o vazamento de informações  do processo de Muller é ilegal. Christie se refere ao fato de a imprensa saber antecipadamente que haveria prisões.

Trump tem autoridade para demitir Muller, mas a atitude aumentaria as suspeitas de obstrução de justiça e fortaleceria a tese do conluio. Para interromper as investigações sem parecer um ditador, é preciso recorrer a seu titubeante Partido.

Foi exatamente o que o presidente fez ao tuitar “FAÇAM ALGUMA COISA” para seus correligionários. Por enquanto, a maioria dos republicanos permanece muda ou em cima do muro,

Alguns conservadores no Congresso pedem que Muller renuncie por conflito de interesse devido a sua proximidade com James Comey. Veículos de comunicação como a FoxNews e o The Wall Street Journal ecoam essa posição.

Outros membros do partido insinuam que tentarão neutralizar a investigação com corte de verbas. O orçamento da equipe de Muller, no entanto, não vem do pacote aprovado anualmente pelo Congresso. A verba seria uma dotação separada e permanente para situações como investigações especiais.

Os republicanos teriam que aprovar uma lei proibindo os recursos para Muller, mas as chances no Congresso seriam baixas.

E não apenas pela oposição democrata, mas pela indefinição dos republicanos.

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