Trump 2.0 como símbolo do crescente negacionismo ambiental

Usina elétrica movida a carvão de propriedade da Xcel Energy, localizada em Becker, Minnesota (Foto: Tony Webster/Flickr/cc. Fonte: Common Dreams)
Dossiê “100 dias de Trump 2.0”
Por Laura Fonseca Borges Margon e Mariana Leite Figueiredo* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Clima] [Acordo de Paris]
“Fácil de odiar, conveniente de criticar, mas impossível de parar”, diz Zachary Karabell, no livro A nova China (Edipro, 2024) sobre a globalização na era Trump. Essa frase pode ser estendida ao perfil político do próprio Donald Trump: polêmico, fervoroso e, agora, em seu segundo mandato, ainda mais determinado a impor sua agenda sem grandes concessões.
Desde seu primeiro dia na Presidência, Trump deixou claro seu posicionamento sobre questões ambientais, negando sua importância e descredibilizando políticas de preservação. Esse comportamento fica nítido ao se observar a série de ordens executivas do presidente (descritas na tabela abaixo) que apresentam impactos negativos ao meio ambiente. De canudos de papel ao fim da transição energética, Donald Trump não hesita em tratar a degradação da natureza como “efeito colateral” do desenvolvimento americano para “tornar a América grande outra vez” (seu slogan de campanha, MAGA).
Figura 1 – Tabela de ordens executivas com impacto ambiental nos 100 primeiros dias de Trump 2.0
Número absoluto | Título/Descrição | Data de assinatura |
14153 | Liberando o extraordinário potencial de recursos do Alasca | 20/1/2025 |
14154 | Liberando a energia americana | 20/1/2025 |
14156 | Declarando uma emergência energética nacional | 20/1/2025 |
14162 | Colocando a América em primeiro lugar nos acordos ambientais internacionais | 20/1/2025 |
14184 | Reinstalando militares dispensados pela obrigatoriedade da vacinação contra covid-19 | 27/1/2025 |
14208 | Encerrando o uso forçado de canudos de papel | 10/2/2025 |
14213 | Estabelecendo o conselho nacional de dominância energética | 14/2/2025 |
14214 | Mantendo a educação acessível e encerrando a obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19 nas escolas | 14/2/2025 |
14241 | Instalando medidas imediatas para expandir a produção mineral americana | 20/3/2025 |
14260 | Protegendo a energia americana do excesso de intervenção estatal | 8/4/2025 |
14261 | Revigorando a bela indústria carvoeira americana e reiterando a ordem 14241 | 8/4/2025 |
14262 | Fortalecendo a confiabilidade e segurança da grade energética dos Estados Unidos | 8/4/2025 |
Fonte: Elaboração própria.
Em seu discurso de posse, o republicano defendeu o fim de incentivos às energias renováveis e à produção de veículos elétricos: “Com minhas ações hoje, vamos encerrar o Green New Deal e acabar com os incentivos para veículos elétricos, salvando nossa indústria automobilística”. Nesse sentido, argumentou que a exploração de combustíveis fósseis encerrará a crise inflacionária e recuperará empregos no setor automotivo.
Nesse contexto, Trump ordenou a retirada imediata dos Estados Unidos do Acordo de Paris, alegando que sua plataforma política estimula a exploração de petróleo e de “carvão limpo”. Em suas declarações, procurou mascarar o retrocesso ambiental, por meio de um discurso de greenwashing, apresentando o país como vítima de um acordo injusto. “Eu vou sair daquele Acordo de Paris, que só vê um lado da coisa. Os Estados Unidos não vão sabotar sua própria indústria, enquanto a China continua poluindo impunemente”, afirmou Trump. A postura é, no entanto, marcada pela contradição: os EUA são, de fato, um dos maiores emissores de CO2 per capita do mundo, conforme o gráfico a seguir.
O gráfico abaixo mostra a quantidade per capita de CO2 emitido por todos os países, tendo como maior emissor a Mongólia, seguida por Estados Unidos, Rússia, Arábia Saudita, Cazaquistão, Austrália, Omã, Turcomenistão, Canadá, China e países da África Subsaariana. Observar a gradação de cor para os diferentes níveis de emissão, sendo os maiores emissores em azul escuro, e os menores, em azul claro.
Figura 2 – Emissão de CO2 per capita em 2019
Fonte: BrasilAgro.
As consequências dessas ações ultrapassam o campo simbólico. A retirada do acordo e o desmonte dos incentivos à energia limpa ameaçam o mercado automobilístico, hoje amplamente voltado para carros elétricos. A China, na contemporaneidade, oferece diversos incentivos locais voltados para o setor de carros híbridos e elétricos. Em 2024, o país foi responsável por 69% das vendas dos 14,1 milhões de veículos desse tipo, ao redor do mundo. Enquanto isso, o governo americano impõe tarifas e restrições sobre esse mercado, justificando suas ações com base na suposta liberdade de escolha dos consumidores e na maior facilidade de produção automobilística movidos a combustível fóssil. Essa postura tem contribuído para a redução dos investimentos em energia sustentável. Em contraste, União Europeia e China avançam de forma agressiva no desenvolvimento de tecnologias verdes, como as energias solar e eólica. Com isso, a indústria americana não apenas perde competitividade global, como abre espaço para a ascensão de seus principais rivais econômicos. Portanto, ao contrário do que defende Trump, essa estratégia não protege a economia americana, ela fragiliza sua posição no cenário internacional.
Outro ponto crítico foi a restrição às pesquisas sobre mudança climática, que chegou ao ponto de proibir a cientista-chefe da agência espacial norte-americana (NASA), Katherine Calvin, de participar do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), realizado na China em fevereiro. Esse programa tem como objetivo a elaboração de relatórios periódicos sobre a redução dos impactos climáticos. Além disso, foi retirado o financiamento americano destinado ao apoio administrativo e técnico do Grupo de Trabalho 3 do painel. Liderado pela própria cientista-chefe da NASA, esse grupo atuava tanto na mitigação de emissões quanto na remoção de carbono da atmosfera.
O negacionismo climático atingiu seu ápice quando foi decidido vetar o uso de termos como “ciência climática”, “crise climática”, “energia limpa” e “poluição”. A orientação foi clara: expressões como essas deveriam ser evitadas ou até mesmo completamente removidas das comunicações oficiais.
Trump, que nunca reconheceu a existência de uma crise climática, retomou a postura negacionista que marcou seu primeiro mandato (2017-2021). “A cura foi muito mais destrutiva do que a doença”, afirmou Chris Wright, atual secretário de Energia, ao criticar as políticas de transição energética promovidas por Joe Biden. Essa declaração reflete não apenas a opinião de um indivíduo. Ela é um sinal alarmante sobre a direção que o país está adotando, embora a maior parte dos setores econômico e político não compartilhe a posição de Donald Trump.
Como mostra o mapa a seguir, a relação entre preferência política e percepção climática nos EUA revela uma maior tendência a negar a existência de mudanças climáticas nos estados majoritariamente republicanos, favoráveis a Donald Trump (áreas em vermelho), enquanto se nota que, nos estados democratas, essa negação diminui (áreas em azul).
Figura 3 – Mapa dos EUA relacionando preferência política e crença nas mudanças climáticas
Fonte: Reddit. Legenda: (vermelho) Alta % negadores, Alta % republicanos | (azul) Alta % aceitadores, alta % democratas | (cinza) Baixa % negadores, alta % republicanos | (rosa) Baixa % aceitadores, alta % democratas.
A influência de um líder negacionista em uma superpotência como os EUA impulsiona a propagação desse pensamento globalmente. Essa ideia se materializa, por exemplo, na Europa, com os protestos de agricultores contra políticas ambientais, os quais têm mostrado a crescente força de movimentos de resistência a iniciativas verdes. Renaud Foucart, professor da Universidade de Lancaster, aponta o Acordo Verde Europeu como um foco de tensão, observando que há um desejo de adiar regulamentações climáticas o máximo possível.
Essa tendência é ainda mais preocupante diante dos dados científicos recentes. De acordo com o Copernicus Climate Change Service (C3S), 2024 foi o ano mais quente da história, desde que esses registros começaram a ser feitos, com a temperatura global ultrapassando 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais — precisamente o limite estabelecido no pacto climático global. Analistas preveem que, com as novas medidas, até 2030, os Estados Unidos poderão emitir até 4 bilhões de toneladas de CO2 a mais do que o previsto sob as metas anteriores. Esse volume equivale às emissões combinadas da União Europeia e do Japão durante um ano.
Embora o Acordo de Paris não imponha metas obrigatórias, é o principal instrumento de coordenação global na luta contra a mudança climática. Sua relevância é reforçada pela adesão de 90% dos maiores emissores globais. A retirada dos EUA pode desencadear um efeito dominó, incentivando outros países a abandonarem seus compromissos ambientais. Com a liderança americana em retrocesso, a pressão sobre os demais grandes poluidores, como a China, tende a diminuir. Isso também compromete as discussões na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que ocorrerá em 2025. “Não há a menor dúvida de que terá um impacto significativo na preparação da COP 30”, alerta André Corrêa do Lago, presidente da conferência.
É possível concluir que as políticas de Trump não apenas colocam em risco os avanços ambientais conquistados, como também ameaçam a posição estratégica dos EUA no mundo. Um retrocesso que não protege, e sim enfraquece, a liderança americana no século XXI.
* Laura Fonseca Borges Margon é graduanda do 1º semestre em Relações Internacionais no Centro Universitário Armando Álvares Penteado (FAAP). Contato: laurafb.margon@gmail.com.
Mariana Leite Figueiredo é graduanda do 1º semestre em Relações Internacionais no Centro Universitário Armando Álvares Penteado (FAAP). Contato: mari.figueiredo2006@outlook.com.
** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 28 abr. 2025. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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