Política Doméstica

‘Project 2025’: Trump 2.0 e o controle das Agências Reguladoras Independentes 

Sede da SEC, em Washington, D.C. (Crédito: arsheffield/Flickr)

Dossiê “100 Dias de Trump 2.0”  

Por Andressa Mendes* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Projeto 2025] [Project 2025] [Agências Reguladoras Independentes] 

Donald Trump completou 100 dias do seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos no dia 29 de abril. Um período curto de tempo, mas grande em feitos, que compreendem desde temas tangentes às relações internacionais, como política externa e migração, até temas internos ao país, como educação e administração governamental. Veículos jornalísticos como TIME, The Guardian e The Washington Post fizeram um balanço desses 100 dias de mandato. Na área acadêmica, o Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU) tem publicado informes no âmbito do “Dossiê ‘100 dias de Trump 2.0’”, que analisam temas específicos mais a fundo. 

É nesse contexto que as Agências Reguladoras Independentes (abreviadas aqui como ARIs) se tornam um alvo do presidente e passam a sofrer mudanças, devido a uma série de Ordens Executivas (OEs) proclamadas por Trump. Os impactos dessas mudanças são vários, sentidos, sobretudo, pela população americana. Como apresentado pelo The Washington Post, entre as mais de 140 OEs assinadas por Trump, a maioria foi direcionada à burocracia federal, principalmente à revisão e à administração do governo.  

As ARIs são agências federais, estabelecidas pelo Congresso dos Estados Unidos, que regulam assuntos altamente técnicos com algum grau de isolamento do controle presidencial, geralmente governadas por conselhos ou comissões com vários membros. Mais especificamente, são Agências Reguladoras Independentes: as Agências Reguladoras Financeiras – Comissão de Valores Mobiliários, de Câmbio e Agências Relacionadas (SEC), Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC) e a Agência de Proteção Financeira ao Consumidor (CFPB) –; a Comissão de Comunicações Federal (FCC); a Comissão Eleitoral Federal (FEC); e a Comissão de Comércio Federal (FTC). 

Texas AFT :Sounding the Alarm on Project 2025: The Far-Right's Blueprint to  Dismantle Public Education and Workers' Rights ‣ Texas AFTNa 5ª Seção do Projeto 2025, referente às Agências Reguladoras Independentes (ARIs), são abordadas questões da constitucionalidade da nomeação de chefes para cargos das comissões, além de recomendações específicas para cada agência. Algumas propostas sugeridas pelos autores da 5ª Seção (David Burton, Brendan Carr, Hans A. von Spakovsky e Adam Candeub) incluem: (i) reforma da FTC; (ii) promoção de investigações referentes a políticas ESG (Ambiental, Social e Governança) e DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão), com o intuito de incentivar oportunidades por mérito individual; (iii) controlar as Big Techs; (iv) proteger a soberania nacional; (v) banir o TikTok; (vi) focar em “desideologização” da SEC; (vii) atualizar regulações da CFTC; (viii) preservar a estrutura da FEC, mas evitar a judicialização excessiva da agência; (ix) e, por fim, abolir a CFPB.  

Um projeto de centralização e “reconquista institucional”  

O intuito das propostas apresentadas no Mandato para Liderança: a promessa conservadora (Heritage Foundation, 2023) referente às Agências Reguladoras Independentes se relaciona, paradoxalmente, com a redução da independência dessas agências, atribuindo ao Poder Executivo uma centralidade nas decisões concernentes a elas. Denominada de “teoria executiva unitária”, o objetivo é aumentar o controle presidencial sobre o aparato estatal, assim como a lealdade política, e diminuir o chamado “Deep State”. Busca-se reconquistar as instituições e agências estatais para os valores conservadores e nacionalistas defendidos pela agenda da ultradireita. 

É em decorrência dessa finalidade que a agenda propõe revisões das práticas ESG (na SEC, por exemplo, onde haveria um foco maior em capital e em retorno financeiro, e não em impacto social) e de julgamentos administrativos, com o intuito de blindar setores aliados à regulação e à responsabilização estatal, fortalecendo, assim, atores privados. 

Há, ainda, o objetivo de combater as Big Techs – principalmente o TikTok –, visando a aumentar a transparência algorítmica e a restrição de imunidades propostas na Seção 230, com o objetivo de aumentar a “liberdade de expressão” e a segurança nacional. Uma revisão do sistema financeiro, com o foco em ampliar a liberdade para pequenos investidores, cortes regulatórios e amplo acesso ao mercado de capitais, também é sugerida. Por fim, no âmbito da FEC, a proposta por manutenção do modelo bipartidário da agência e a crítica à Lei Para o Povo (For the People Act) indicam uma preocupação com impedir reformas eleitorais que favoreçam, de alguma forma, políticos democratas. 

Trump 2.0 e o alinhamento ao Projeto 2025 

Em diversos momentos durante a campanha eleitoral de 2024, Trump negou qualquer envolvimento com o Projeto 2025. Apesar disso, desde aquela época, já havia indícios de alinhamento entre suas propostas com aquelas presentes no documento. Isso se intensificou nos primeiros meses de seu mandato. A princípio, com a nomeação de autores do Mandato para Liderança a cargos no governo, como Russel Vought, John Ratcliffe, Brendan Carr, Tom Homan, Paul Atkins e Peter Navarro. Em sequência, com a emissão de duas Ordens Executivas: a primeira (OE 14215), denominada “Garantindo a responsabilidade de todas as agências”, lançada em 18 de fevereiro de 2025; e a segunda (OE 14219), “Garantindo a governança legal e implementando a iniciativa de desregulamentação do ‘Departamento de Eficiência Governamental’ do presidente”, de 19 de fevereiro de 2025. 

A Ordem Executiva (OE) 14215 visa a aumentar o controle presidencial sobre as ARIs, como a FCC, a SEC e a FTC. Seus principais pontos envolvem: maior supervisão presidencial nos assuntos concernentes às ARIs, com envio de ações regulatórias para revisão do Escritório de Informações e Assuntos Regulatórios (OIRA); o cumprimento de padrões de desempenho de um controle orçamentário sob supervisão e revisão do diretor do Escritório de Gestão e Orçamento (OMB) sempre em acordo com as políticas e prioridades do presidente; a coordenação dos presidentes das ARIs com a Casa Branca; e a proibição de membros das ARIs de “promover uma interpretação da lei” em regulamentos ou litígios “que contrariem a opinião do Presidente ou do Procurador-Geral”. 

Federal Trade Commission building in Washington, DC | FlickrPrédio da FTC, em Washington, D.C. (Crédito: Photra99/Flickr)

a segunda OE (14219) tem como objetivo revisar e revogar regulamentos federais considerados inconstitucionais, ilegais ou prejudiciais ao interesse nacional. Ela instrui as agências a atuarem junto ao Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) e ao Escritório de Gestão e Orçamento (OMB) para revisar se os regulamentos sob sua jurisdição estão em concordância com a lei e com a política da administração. Além disso, visa à identificação de “regulamentos problemáticos”, que se enquadrem em categorias como: regulamentos inconstitucionais ou que prejudique o interesse nacional, como inibir a inovação tecnológica, o desenvolvimento de infraestrutura, e outros. Por fim, as listas de regulamentos identificados devem ser enviadas à OIRA, com o intuito de desenvolver uma Agência Reguladora Unificada, no intuito de rescindir ou modificar esses regulamentos, conforme apropriado. 

No que tange a uma medida mais controversa sugerida no Projeto 2025, a abolição da Agência de Proteção Financeira ao Consumidor (CFPB) veio a se materializar após a suspensão das operações e a demissão de mais de 1.400 funcionários desse órgão. Tais medidas têm enfrentado resistências, resultando, inclusive, em uma batalha judicial. As implicações da suspensão da CFPB são diversas e afetam, principalmente, os direitos dos consumidores nos EUA. 

Da autonomia ao controle: a nova realidade das Agências Reguladoras Independentes 

As Ordens Executivas lançadas em fevereiro de 2025 por Trump impactam diretamente a atuação das ARIs, assim como sugerido pela seção 5 do Projeto 2025. Elas representam uma tentativa sem precedentes de concentrar o poder nas mãos do Executivo federal, desafiando a independência tradicional das ARIs. Além disso, fazem parte de uma iniciativa mais ampla do governo Trump de reduzir a burocracia federal e “restaurar o equilíbrio constitucional de poderes”, o que não agrada a população americana, como mostrado em pesquisa do New York Times. Nela, 54% dos entrevistaram alegaram desaprovação ao trabalho de Trump como presidente, e 52% disseram desaprovar o gerenciamento do governo federal.  

O que as novas ordens sugerem é, na verdade, um aumento na atuação do Poder Executivo, levando a um desequilíbrio constitucional. Antes delas, as ARIs operavam com maior grau de autonomia, tomando decisões regulatórias com base em critérios técnicos. Tinham liberdade para avaliar e revisar seus próprios regulamentos, geralmente por meio de processos internos e de consultas públicas, sem imposições externas diretas. 

Com a publicação das OEs, essa autonomia foi significativamente reduzida. A orientação de colaboração com a OIRA, o DOGE e o OMB, além da formulação de uma “Agenda Reguladora Unificada”, significa que mesmo instituições tradicionalmente distantes do controle político agora devem alinhar sua agenda regulatória às diretrizes do Poder Executivo. A mudança gera muitos questionamentos sobre a preservação da separação funcional dessas entidades. 

As reformas nas ARIs representam, por fim, uma mudança estrutural significativa, de incorporação das agências à lógica e aos objetivos políticos do presidente Trump. O resultado prático é um cenário de maior incerteza, menor previsibilidade regulatória e riscos jurídicos ampliados — tanto para as próprias agências quanto para os atores regulados.

 

* Andressa Mendes é pesquisadora colaboradora do INCT-INEU/OPEU e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP). Contato: glm.andressa@gmail.com. 

** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Recebido em 28 abr. 2025. Este Informe é uma versão ampliada do artigo publicado no site The Conversation Brasil, em 20 de maio de 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. 

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