Trump 2.0 e o Crime Organizado Transnacional

Secretária do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês), Kristi Noem, durante visita ao CECOT, em Tecoluca, El Salvador, em 26 mar. 2025 (Crédito: DHS/Tia Dufour/Flickr)
Dossiê “100 Dias de Trump 2.0”
Por Murilo Motta* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0]
Nos primeiros 100 dias de seu segundo mandato, o presidente Donald Trump implementou medidas controversas sobre o tema do crime organizado transnacional. As principais medidas adotadas incluem a designação de cartéis como organizações terroristas, a deportação de mais de 250 pessoas para o Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT), em El Salvador, e a ausência de ações para controlar o tráfico de armas provenientes dos EUA.
Em 20 de janeiro de 2025, o governo Trump emitiu a Ordem Executiva 14157, que classifica oito grupos criminosos latino-americanos como organizações terroristas estrangeiras. Entre eles estão o Tren de Aragua (Venezuela), a MS-13 (El Salvador) e seis cartéis mexicanos – Cartel de Sinaloa, Cartel Jalisco Nueva Generación, Cárteles Unidos, Cártel del Noreste, Cártel del Golfo e La Nueva Familia Michoacana. A medida representa um deslocamento simbólico e legal: grupos antes considerados como ameaça à ordem pública passam a ser tratados como ameaças à segurança nacional. Essa mudança permite o uso de mecanismos jurídicos e operacionais antes restritos ao combate ao terrorismo internacional, como a aplicação extraterritorial de sanções, apreensão de ativos e operações de contraterrorismo.
Elon Musk, assessor especial da Presidência dos EUA, chegou a declarar que a nova designação tornava os grupos “elegíveis para ataques de drones”, sugerindo uma possível aplicação de táticas militares empregadas anteriormente no Oriente Médio. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, reagiu, afirmando que seu governo não aceitará qualquer violação da soberania nacional, e rejeitou a possibilidade de ações extraterritoriais em território mexicano. No entanto, admitiu a cooperação em investigações conjuntas contra os cartéis.
Essa tensão ilustra como a designação de grupos criminosos como terroristas redefine os parâmetros da atuação internacional dos EUA e tensiona o regime jurídico da soberania, com implicações diretas para o uso da força e a governança transnacional da segurança.
Outra medida controversa foi adotada em março, quando o Departamento de Justiça anunciou a deportação de detidos com vínculos com gangues para a prisão CECOT, em El Salvador. A medida foi articulada com o governo Bukele, que utiliza o CECOT como símbolo de seu modelo de combate ao crime organizado. A administração Trump pagará aproximadamente US$ 6 milhões ao governo salvadorenho pela detenção, por um ano, de mais de 250 supostos membros do Tren de Aragua.
Presos no CECOT, em Tecoluca, El Salvador. Foto sem data (Crédito: INM2855/Flickr)
A decisão ocorre no contexto da autorização concedida pela Suprema Corte ao governo Trump para aplicar, de forma provisória, a Lei de Inimigos Estrangeiros, uma legislação de 1798 que permite deportações aceleradas sob pretextos de segurança nacional. A utilização dessa prerrogativa para transferir detidos ao CECOT levanta preocupações jurídicas e humanitárias, dado que a prisão é alvo de denúncias por violações sistemáticas de direitos humanos, incluindo detenções arbitrárias, ausência de garantias legais mínimas e superlotação.
Por fim, é fundamental ressaltar que a letalidade dos grupos criminosos latino-americanos está diretamente ligada ao seu poder de fogo. Diversas investigações indicam que uma proporção significativa das armas utilizadas por grupos criminosos na América Latina ingressa no continente por meio de desvios do mercado legal norte-americano. Entre 2018 e 2023, cerca de 75% das armas de fogo apreendidas no Caribe tinham origem em estados norte-americanos como Flórida, Nova York e Virgínia. Nesse contexto, a ausência de um regime regulatório eficaz nos EUA tem implicações diretas sobre a segurança regional.
Em abril de 2025, o governo Trump encerrou a política de “tolerância zero” do Escritório de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF, na sigla em inglês), que havia sido implementada entre 2021 e 2024 para responsabilizar revendedores de armas que violavam a legislação federal. Essa política havia resultado na revogação de licenças de mais de mil comerciantes por práticas como omissão de registros, negligência na verificação de antecedentes e facilitação de compras ilegais, as quais estão diretamente associadas ao desvio de armas para o mercado ilícito. Ao desmantelar um dos instrumentos mais eficazes de fiscalização, a decisão reduziu a capacidade do Estado norte-americano de coibir o fluxo ilegal de armamentos, incluindo sua circulação para fora do território dos EUA.
As ações do governo Trump nos primeiros 100 dias de seu segundo mandato refletem uma estratégia de segurança centrada em medidas unilaterais e punitivas. A designação de cartéis como organizações terroristas amplia o alcance legal das ações norte-americanas, mas gera tensões diplomáticas e questionamentos sobre a soberania de países latino-americanos. A deportação de detidos para prisões com histórico de violações de direitos humanos, como o CECOT, suscita preocupações legais e éticas. A ausência de políticas para controlar o tráfico de armas provenientes dos EUA compromete a eficácia das medidas repressivas. Para enfrentar eficazmente o crime organizado transnacional, é necessário adotar uma abordagem integrada, que inclua cooperação internacional, respeito aos direitos humanos e controle efetivo do fluxo de armas.
* Murilo Motta é doutorando no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Contato: murilo.motta@usp.br.
** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Recebido em 23 abr. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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