Dólar em xeque? O que Trump realmente teme no BRICS

Fonte: Financial Content. Crédito: Unsplash
Dossiê “100 Dias de Trump 2.0”
Por Caio Henrique Cirillo* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [BRICS]
Desde que venceu a eleição presidencial de 2024, Donald Trump adotou uma postura combativa e incisiva. Nações, organizações e indivíduos passaram a ser criticados — e até ameaçados — pelo presidente em declarações oficiais e publicações nas redes sociais. Alguns dos mais contundentes destes ataques foram direcionados aos países-membros do BRICS, bloco econômico originalmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que atualmente passa por um período de expansão com a entrada de novos países.
Segundo Trump, haveria, por parte desses países-membros, o interesse em criar uma moeda capaz de competir com o dólar em seu papel de moeda internacional. A reação do BRICS e o contexto internacional demonstram, porém, que tal estratégia não parece estar presente no horizonte estratégico do bloco. Sua real ambição é se tornar independente em relação ao sistema internacional de pagamentos, no qual os Estados Unidos da América têm grande influência.
As ameaças de Trump
Mesmo antes de assumir a Presidência, em novembro de 2024, Trump publicou um texto na Truth Social (rede social criada por ele) em que consta: “Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do BRICS nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”. Essa exigência já antecipava os principais elementos que se repetiriam em suas declarações posteriores: a acusação de que o bloco tem a intenção de substituir o dólar por uma moeda própria, a ameaça de tarifas impeditivas contra seus países-membros e os elogios à moeda e à economia norte-americanas.
Saiba mais sobre o assunto neste Informe OPEU de Williams Gonçalves
Uma nova ameaça se deu durante sua coletiva de imprensa em 21 de janeiro de 2025, quando Trump foi questionado sobre como se dariam as relações entre os EUA e a Espanha. Em sua resposta, o presidente classificou o país europeu como uma “nação do BRICS”, apesar de não haver qualquer vínculo formal entre o bloco econômico e a Espanha. Esse aparente erro foi seguido por uma nova ameaça de taxação aos países-membros, caso os mesmos continuem a “sequer cogitar fazer o que pensaram em fazer”, muito provavelmente se referindo, mais uma vez, à criação de uma nova moeda em oposição ao dólar.
A ameaça de taxação (agora desacompanhada de menções à Espanha) foi repetida em 13 de fevereiro. A nova declaração ocorreu durante uma coletiva de imprensa, convocada para tratar do que Trump classificou como a cobrança “recíproca” de tarifas sobre as exportações de países que taxem os produtos estadunidenses. O presidente aproveitou a ocasião para uma de suas habituais provocações, afirmando que, por conta de seus posicionamentos anteriores, o BRICS estaria “morto”.
O que se observa nesses episódios é a tentativa de Trump de constranger o BRICS a partir da relevância do mercado estadunidense para os mercados destas nações. A justificativa retórica para tal esforço é a proteção do dólar em seu papel de moeda internacional, o que confere a Trump um papel simbólico de protetor da moeda de seu país.
As reações do BRICS
Alguns representantes dos países-membros do BRICS se manifestaram acerca dos pronunciamentos de Trump, minimizando suas ameaças e negando a intenção do bloco em criar uma moeda própria para sobrepujar o dólar. Duas dessas manifestações merecem destaque por sua assertividade.
Dmitry Peskov, secretário de imprensa da Rússia, afirmou em 31 de janeiro de 2025 que: “a questão é que o Brics não está falando sobre a criação de uma moeda comum, nem nunca o fez. O Brics está falando sobre a criação de novas plataformas de investimento conjunto que permitiriam investimentos conjuntos em terceiros países, investimentos mútuos e assim por diante”. Esta resposta destaca que o bloco não tem interesse em criar uma moeda que contraponha o papel do dólar na economia global. Pelo contrário, Peskov aludiu somente à possibilidade de que o BRICS crie plataformas próprias para a comunicação financeira entre seus membros.
Em 5 de fevereiro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em entrevista que: “Ele [Trump] tem que saber o seguinte: os BRICS significam praticamente metade da população mundial. Significa quase metade do comércio exterior nesse mundo. E nós temos o direito de discutir a criação de uma forma de comercialização que a gente não dependa só do dólar”. A resposta de Lula indica a capacidade do bloco de participar do comércio internacional de maneira autônoma e independente em relação aos EUA. Vale notar, ainda, que o presidente brasileiro não menciona a criação de uma nova moeda para rivalizar com o dólar, mas sim o desenvolvimento de instrumentos que permitam a realização de transações financeiras não intermediadas pela moeda norte-americana.
(Arquivo) Representantes dos países-membros do BRICS no retrato de família da XV Cúpula do grupo, no Sandton Convention Centre, em Joanesburgo, África do Sul, em 24 ago. 2023 (Crédito: Ricardo Stuckert/PR/Flickr)
Alternativa ao dólar ou ao SWIFT?
As declarações de Lula e de Dmitry convergem para o fato de que o BRICS não tem a intenção de criar uma moeda alternativa ao dólar que venha a enfraquecer a moeda norte-americana, o que encontra respaldo na realidade dos membros do bloco. A criação de uma moeda comum entre países tão distintos e geograficamente afastados enfrentaria inúmeros desafios para sua execução, como, por exemplo, a necessidade de adesão por parte da iniciativa privada e os desequilíbrios entre os balanços de pagamento de cada nação.
Mais modesta, a proposta que está sob discussão é a criação de ferramentas que permitiriam ao bloco realizar transações financeiras entre seus países-membros de forma independente. Hoje, estas transações são majoritariamente mediadas pelo SWIFT (sigla em inglês para Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication ou Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais), atualmente o principal sistema internacional de comunicação financeira, no qual os EUA e sua moeda têm centralidade.
A criação de um sistema de pagamentos pelo BRICS foi, inclusive, demandada por representantes da classe empresarial brasileira. O mesmo pedido foi feito pelo presidente russo, Vladimir Putin, em outubro de 2024, após seu país ter sido banido do SWIFT, em 2022, por conta da invasão à Ucrânia. O governo chinês criou, por sua vez, ainda em 2022, seu próprio sistema de transações monetárias internacionais, o CIPS (sigla em inglês para Cross-Border Interbank Payment System ou Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço), disponibilizado no ano seguinte para transações em renminbi entre agentes brasileiros e chineses. O que se apresenta em disputa, portanto, é muito mais a hegemonia do sistema SWIFT do que a hegemonia do dólar.
O que parece verdadeiramente incomodar Donald Trump é a possibilidade de que o BRICS, grupo que hoje lidera o crescimento da economia global, torne-se independente do sistema financeiro hegemônico, fortemente influenciado pelos EUA. Este incômodo fica ainda mais plausível (e visível), quando se considera que a China, parte do bloco, é o principal adversário de Trump na cruzada comercial por ele deflagrada. Um aumento da independência chinesa em relação ao SWIFT tem o potencial de proteger o país asiático de represálias norte-americanas na dimensão das finanças internacionais, o que pode vir a se provar como um elemento-chave na disputa entre essas duas nações.
Outro fator que pode ter ampliado o descontentamento de Trump é a possibilidade, mencionada por Peskov, de que esta independência financeira permita a intensificação dos investimentos entre os países do BRICS. Isto, por sua vez, tem o potencial de aumentar (ainda mais) a relevância do bloco no cenário internacional e, consequentemente, sua autonomia ante os EUA.
A criação de uma nova moeda internacional pelo BRICS reside, portanto, apenas na retórica inflamada de Trump. Sempre disposto a apelar ao nacionalismo de seus apoiadores, o presidente americano se apresenta como o defensor do dólar, símbolo histórico dos EUA. O que, na verdade, está sob contestação é outro aspecto histórico de sua nação: a hegemonia sobre o sistema financeiro internacional.
* Caio Henrique Cirillo é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Teoria Econômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador no Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI) e no Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI). Contato: caiohcirillo@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 8 abr. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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