Política Doméstica

Diligente ou doutrinado? O preço de ser ‘woke’ 

Cartaz erguido em manifestação em Los Angeles, EUA (Crédito: waltarrrrr/Flickr. Fonte: Estadão)

Dossiê “100 Dias de Trump 2.0”  

Por Nicolle P. Marin [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Cultura woke] 

“Acordou”, ou até mesmo “despertou”. Estas são as traduções literais do que, em inglês, denominam com a palavra “woke”, mas, em meio a tantos textos, contextos e propósitos, qual ressignificado o termo carrega consigo na contemporaneidade?  

Há não muito tempo, a palavra não apenas ganhou força, como novos significados, que tracejam anseios e lutas. De acordo com a BBC News Brasil, “na gíria norte-americana, ser ou estar ‘woke’ pode indicar com quais posturas políticas você mais se identifica”. Em 2024, mais especificamente durante o período eleitoral para a Presidência dos Estados Unidos, a abordagem se expandiu quase que em um piscar de olhos, devido à constância em debates online e pelo poder de moldar novas opiniões sobre o cenário em que se encontrara.  

Muito além de palavras: uma luta  

A simples modo, “woke”, palavra advinda do inglês afro-americano e recém-traduzida nas páginas do dicionário inglês Oxford, um dos mais importantes e abrangentes da atualidade, pode ser colocado em uma de suas definições como “estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo. A ascensão do uso popular se deu com a crescente do movimento Black Lives Matter, em 2013. Foi em 2020, porém, que o modo cultural ganhou ainda mais propósito, após o assassinato do homem negro George Floyd, de 46 anos, em Minnesota. Ele foi imobilizado por pelo menos oito minutos por um policial branco, até não conseguir mais respirar, instigando protestos em escala mundial. A partir desse ponto, a chamada cultura woke extrapolou o Black Lives Matter e passou a abranger os movimentos LGBTQIA+e sua luta por igualdade de direitos e visibilidade; o feminismo, que busca alcançar a igualdade de gênero, eliminando todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres; a descolonização de currículos educacionais e culturais, além de iniciativas por diversidade e inclusão em empresas e instituições públicas. 

The importance of photography around the Black Lives Matter movement | Flickr Blog(Arquivo) Protesto BLV, em Rochester, NY, em 30 de maio de 2020 (Crédito: Elif Altinbasak/Flickr)

O desejo de pertencer, em meio à polaridade política 

Ainda que associado à defesa de causas justas, o movimento se tornou um dos temas mais polarizadores da política norte-americana no contexto da última eleição presidencial. O antagonismo foi reflexo do apoio e defesa das causas por parte da democrata Kamala Harris, que manifestou a intenção de, caso eleita, ampliar seus esforços para políticas mais inclusivas e promotora de justiça social, chegando a abordar casos de desigualdade histórica. Já Donald Trump, que manteve um posicionamento firme sobre não ceder e demonstrou desdém pelas políticas propostas pela oposição, e outros líderes do Partido Republicano, de cunho conservador, fazem deste tópico uma crítica a avanços progressistas.  

Na contemporaneidade, o assunto se torna ainda mais intenso. As redes sociais, espaços muitas das vezes sem mediação, são palco de posicionamentos sem filtro pela já tradicional disputa entre esquerda e direita, desafiando a atuação progressista contínua. Enquanto a direita liberal mantém hegemonia narrativa com base no individualismo e no livre-mercado, a direita tradicional — conservadora, nacionalista e moralista — ganha crescente visibilidade por meio de estratégias emocionais e retóricas simplificadas. A esquerda enfrenta, por sua vez, o duplo desafio de disputar o espaço simbólico tanto contra o liberalismo dominante quanto contra o reacionarismo em ascensão. 

Dada a contextualização, a BBC News salienta que “críticos da cultura ‘woke’ questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser ‘policiais da linguagem’ — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginas, homofóbicas ou racistas”. Tamanha complexidade e fortalecimento de um cenário ideologicamente bipolar contribui para interpretações equivocadas, acostumadas com a dualidade histórica advinda desde os tempos da Revolução Francesa (1789-1799). Os Estados Unidos são o paradigma dessa nova — apesar de seu repertório histórico não transmitir isso de modo tão novo assim — ordem. 

Trump 2.0 e a ofensiva contra o “wokismo 

“A [cultura] woke é um problema, é ruim”, disparou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em seu primeiro pronunciamento ao Congresso americano. Desde seu retorno, em 20 de janeiro de 2025, o eleito não hesitou em intensificar iniciativas contra o movimento, visando a desmantelar políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) em diversas esferas do governo federal dos Estados Unidos. Temáticas como transgênero, veganismo, proteção climática, feminismo e cultura do cancelamento são altamente desencorajadas neste governo por serem denominadas como “progressistas demais” pelos republicanos, refletindo-se até mesmo na maneira como o país se comunica com sua população. 

Nesse contexto, ainda em 21 de janeiro, foi divulgada uma declaração, a qual se refere à implementação de novas diretrizes que priorizam um modelo baseado no mérito, revogando a Ordem Executiva 11246. Esta OE exigia que os contratantes federais “tomassem medidas afirmativas para garantir que os candidatos fossem empregados e que os funcionários fossem tratados durante o emprego, sem consideração de raça, cor, religião, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou origem nacional”. Nestes primeiros três meses do segundo mandato, o presidente estadunidense impôs ordens como a Ordem de Gênero, assegurada ainda em seus comícios, que estabelece “a política dos Estados Unidos de reconhecer dois sexos, masculino e feminino” com relação a “toda interpretação e aplicação executiva da lei federal e da política administrativa”. Nesse contexto, passa-se a restringir o envio de recursos federais que garantiam assistência médica para procedimentos de afirmação de gênero para qualquer pessoa com menos de 19 anos. 

Sonhar pelo despertar 

A cultura woke se tornou, portanto, um campo de disputa sobre o futuro moral e identitário do país norte-americano, polarizando ainda mais o eleitorado nas redes sociais, onde o embate discursivo atinge níveis extremos de viralização e desinformação. Em Trump 2.0, o embate com o movimento que nasceu como um vislumbre de alerta nas comunidades marginalizadas, ganhou contornos ainda mais institucionais, ecoando na estrutura das recentes decisões governamentais, que têm impactado diretamente a vida de milhões de cidadãos. A tentativa de pertencer se transformou em uma batalha em meio ao caos da política polarizada, ou melhor, em meio ao que deixou de ser apenas um jogo de ideias para se tornar uma verdadeira, e preocupante, guerra de identidades. 

Entre incontáveis narrativas que clamam por justiça social, reparações históricas e aquelas que tornam dos supostos excessos do politicamente correto algo pejorativo, os Estados Unidos vêm revelando seu papel como palco privilegiado, se assim se pode dizer, de uma guerra cultural global. Uma realidade em que o “estar consciente sobre temas sociais e políticos” foi transformado em arma retórica nas mãos de abordagens ideologicamente distintas, trazendo a ressignificação do movimento woke. Dito isso, que a enorme insistência por um cenário polarizado ao menos seja na mesma dimensão que os esforços para promoção de políticas efetivas, para mudanças visíveis ao povo, para que lágrimas de dor por um passado também doloroso possam, enfim, dar lugar a choros de alívio. Isso sim deve se tornar algo global. No fim das contas, não se trata apenas de estar “acordado”, mas de como cada lado escolhe despertar.

 

* Nicolle P. Marin é estudante de Relações Internacionais, graduando no primeiro semestre do curso no Centro Universitário Armando Álvares Penteado (FAAP). Entusiasta das áreas de política internacional, diplomacia e organismos multilaterais. Contato: nickpmarin@gmail.com. 

** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 30 abr. 2025. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. 

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