América Latina

Trump 2.0, extrema direita e a radicalização das políticas migratórias estadunidenses 

(Arquivo) Cartaz ‘Se você acha que sou ilegal, porque sou imigrante, aprenda a história verdadeira. Estou na minha pátria’, durante a Marcha pelos direitos dos imigrantes pela anistia no centro de Los Angeles, Califórnia, no May Day, 1º de maio de 2006 (Crédito: Jonathan McIntosh/Wikimedia Commons)

Dossiê “100 Dias de Trump 2.0” 

Por Lucas Damasceno Tomazella* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Migração] [Extrema direita]

Os primeiros 100 dias do segundo mandato de Donald Trump marcaram a consolidação de uma agenda profundamente influenciada pela extrema direita, sobretudo, na política migratória do país. Essa influência se dá por meio da incorporação de pautas extremamente nacionalistas, da criminalização dos migrantes e da associação entre migração e insegurança, características centrais da extrema direita contemporânea. Assim, repetindo a narrativa de “crise na fronteira” e a retórica da ameaça externa, o novo governo Trump tem avançado, rapidamente, em medidas que visam a restringir direitos, endurecer controles e reforçar o caráter excludente da política migratória estadunidense. 

Durante seu primeiro mandato (2017-2021), Trump não inaugurou, mas aprofundou e radicalizou uma tradição restritiva da política migratória dos Estados Unidos, marcada historicamente por dispositivos seletivos, racializados e voltados para o controle social. Medidas como a construção de partes do muro na fronteira terrestre sudoeste, a separação de famílias, a restrição à concessão de refúgio e as tentativas de encerrar políticas que permitiam a permanência temporária de migrantes, como o programa Ação Diferida para Chegadas na Infância (DACA, na sigla em inglês), demonstraram uma guinada securitária e punitiva. Mais do que ações pontuais, tais medidas se articularam a uma narrativa ideológica que associa migrantes à criminalidade, ao terrorismo e à perda de oportunidades econômicas para os estadunidenses “nativos”, reforçando fronteiras físicas e simbólicas sob o manto de uma política de “proteção nacional”. 

A partir desse legado, estabeleceu-se uma estrutura institucional e ideológica sólida que sustenta a atuação da extrema direita na política migratória dos EUA. Think tanks como a Heritage Foundation, com suas propostas de orientação conservadora, e grupos de pressão no Congresso, como o Freedom Caucus, atuam como centros de formulação e articulação da agenda trumpista. Paralelamente, veículos de comunicação, como a emissora Fox News e o site Breitbart News, desempenham um papel fundamental na formação de uma opinião pública movida por sentimentos de medo, ressentimento e exclusão. Esses atores, em conjunto, funcionam como elo entre o trumpismo institucional e uma base social cada vez mais radicalizada, que entende a migração como uma ameaça direta à identidade nacional, à segurança interna e à estabilidade econômica do país. 

March for DACA and TPS | Marchers for DACA and TPS started i… | Flickr(Arquivo) Os manifestantes a favor do DACA e do TPS começaram sua marcha em Nova York, em 26 out. 2019, e chegaram à Suprema Corte, situada em Washington, D. C., em 10 nov., onde um comício saudou sua chegada (Crédito: Victoria Pickering/Flickr)

Ofensiva migratória nos primeiros 100 dias de Trump 

Considerando esse contexto, o retorno de Trump à Presidência, em 20 de janeiro de 2025, ocorreu em um cenário de polarização ainda mais acentuada e com uma base republicana significativamente mais radicalizada. Assim, em seus primeiros 100 dias de governo, a política migratória foi tratada como prioridade, e um conjunto de medidas foi implementado com forte apelo simbólico e efeitos práticos imediatos.  

Entre as principais medidas adotadas, destaca-se a retomada do programa Permanecer no México, que obriga solicitantes de refúgio a permanecerem em território mexicano – muitas vezes em condições precárias e expostos a diversos riscos –, enquanto aguardam a realização de suas audiências nos Estados Unidos. Também houve a ampliação das detenções e deportações sumárias de migrantes em situação irregular, muitas vezes realizadas sem o devido processo legal, sob a justificativa de proteger a segurança nacional. Além disso, o governo intensificou os ataques a políticas de proteção temporária, argumentando que programas como o DACA e o Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês) incentivariam a chamada “migração ilegal” e a “migração em cadeia”.  

Ressalta-se que nem a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) nem a legislação estadunidense entendem que a migração seja “ilegal”. Um migrante que entra nos EUA de forma irregular comete um delito por fazê-lo sem os documentos apropriados, mas não um crime pela migração em si. Por fim, reforçou-se a militarização da fronteira terrestre sudoeste, com o envio de milhares de agentes federais e de tropas da Guarda Nacional, sobretudo, para estados comandados por governadores republicanos alinhados ao trumpismo.

Essas ações vieram acompanhadas de uma retórica e de medidas cada vez mais agressivas contra organizações e ativistas que desempenham um papel fundamental na defesa dos direitos de migrantes em busca de melhores condições de vida nos Estados Unidos, como a National Immigration Law Center (NILC) e a United We Dream (UWD). Sob essa perspectiva, Trump, autoridades do governo em diferentes níveis e esferas e aliados políticos acusam esses grupos de “facilitarem” a migração irregular, dificultarem a aplicação das leis migratórias e alimentarem o suposto “caos” nas fronteiras do país. Em paralelo, por meio dessa clara narrativa antimigração, o Executivo intensifica a pressão sobre o Congresso para aprovar legislações mais severas, incluindo propostas que classificam a entrada irregular de migrantes como um crime grave. Essa medida ampliaria o aparato repressivo e abriria caminho para deportações em massa, afetando, inclusive, pessoas atualmente protegidas por políticas como a DACA e o TPS. 

Reações nos planos doméstico e internacional 

Ao mesmo tempo, a nova ofensiva migratória de Trump provoca reações significativas, dentro e fora dos EUA. No plano doméstico, além da atuação de organizações da sociedade civil, legisladores e setores do Judiciário federal buscam conter ou atenuar os impactos mais severos das medidas trumpistas por meio de ações judiciais, articulações legislativas e campanhas de conscientização pública. Essa resistência ocorre, contudo, em um ambiente cada vez mais permeado pela instrumentalização política da migração, utilizada para reforçar a coesão da base trumpista por meio da mobilização de afetos identitários, discursos securitários e narrativas nacionalistas, ao mesmo tempo em que dificulta concessões legislativas e compromissos bipartidários. 

No plano internacional, especialmente entre países latino-americanos, as reações são marcadas por preocupações e críticas. Governos do México, Honduras e Guatemala expressaram receio quanto ao agravamento da crise humanitária nas rotas migratórias da América Central, uma vez que políticas mais restritivas nos Estados Unidos tendem a gerar represamentos, violações de direitos e sobrecarga nos países de trânsito. A instabilidade gerada pelas medidas de Trump tem se consolidado como um fator de desestabilização regional, dificultando os esforços multilaterais de gestão da migração e intensificando as tensões diplomáticas com os países vizinhos ao Sul. Isso inclui até mesmo países mais distantes, como o Brasil, que tem enfrentado um aumento significativo no número de deportações de seus cidadãos, uma situação sem precedentes em termos de intensidade. Isso fica evidente pelo fato de que, apenas nos primeiros 100 dias de governo, Trump deportou 700 brasileiros – o equivalente a 42% de todas as deportações de brasileiros registradas em 2024. 

File:Migrant Deportation Flight 2025.jpg - Wikimedia CommonsImagem compartilhada pela secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, na plataforma X, em 24 jan. 2025, acompanhada do texto: “Os voos de deportação já começaram. O presidente Trump está enviando uma mensagem forte e clara para o mundo inteiro: se você entrar ilegalmente nos Estados Unidos da América, sofrerá graves consequências” (Fonte: X/Wikimedia Commons)

Perspectivas para a questão migratória no restante do mandato Trump 

Os primeiros 100 dias de Trump nesse novo governo confirmam a migração como um eixo central do projeto político da extrema direita nos Estados Unidos. Mais do que um tópico de política pública ou externa, a migração é tratada como símbolo da luta contra a globalização, o multiculturalismo e o “inimigo externo”. Ao radicalizar medidas já extremas adotadas em seu primeiro mandato, o atual governo aposta na migração como ferramenta de mobilização política, controle social e reafirmação identitária. 

Diante disso, será fundamental acompanhar os desdobramentos dessa agenda, tanto no contexto doméstico dos EUA quanto no cenário internacional. O mundo tem assistido ao agravamento das crises migratórias e dos conflitos associados e, com a continuidade do governo Trump nos próximos anos, discursos extremistas e políticas que desrespeitam os direitos humanos tendem a ganhar ainda mais força. O que está em jogo não é apenas o destino de milhares de migrantes que buscam seus direitos em território estadunidense, mas também o fortalecimento de agendas extremistas, com outros líderes de direita ao redor do mundo observando e, muitas vezes, adotando as políticas de Trump como modelo para suas próprias estratégias migratórias.

 

* Lucas Damasceno Tomazella é doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP). Contato: ldtomazella@hotmail.com. 

** Primeira revisão: Victor Cabral. Revisão e edição finais: Tatiana TeixeiraRecebido em 24 abr. 2025. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. 

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