Amigos, ‘pero no mucho’: como o governo Trump 2.0 vem lidando com as ‘Big Techs’

CEOs e fundados das Big Techs nesta ilustração de Erik English (Fonte: Bulletin of the Atomic Scientists. Fotos originais do governo do Reino Unido, TechCrunch, JD Lasica, Pleasanton, CA, CC BY 2.0 via Wikimedia Commons, depositphotos.com/
Dossiê “100 dias de Trump 2.0”
Por Ana Luisa Faria* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Big Techs]
A proximidade entre Donald Trump e a cúpula de grandes conglomerados de tecnologia tem sido destaque deste segundo mandato do presidente americano. Elon Musk (X, antigo Twitter) faz parte do Executivo federal. Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Tim Cook (Apple) e Sundar Pinchai (Google), além do próprio Musk, ganharam assentos especiais na cerimônia de posse do mandatário estadunidense. Zuckerberg é recebido na Casa Branca e em Mar-a-Lago. O Facebook, da Meta, empresa de Zuckerberg, e o Washington Post, jornal que hoje é de Bezos, fizeram acenos à base de apoio trumpista, ao mudarem políticas de moderação e/ou editoriais de seus veículos (a rede social relaxou seus controles de conteúdo, e a linha editorial do Washington Post agora se concentra em “liberdades pessoais e mercados livres”, uma bandeira do “Make America Great Again” – MAGA). Essa aproximação pública poderia ser interpretada como um sinal de que Trump talvez fosse “pegar leve” com essas empresas, principalmente no que diz respeito aos processos que elas enfrentam por práticas anticoncorrenciais. Isso, porém, não vem acontecendo.
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Em março deste ano, o Departamento de Justiça (DoJ, na sigla em inglês), já sob a liderança de Pam Bondi, nomeada por Trump, reforçou o pedido judicial para que a Google venda sua popular ferramenta de busca, o Google Chrome (caso Estados Unidos e outros vs. Google LLC, popularmente referido como “caso Google online Search”, iniciado no primeiro governo Trump). A Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), outra agência antitruste americana, também continua seu processo contra a Meta, alegando que a empresa teria incorrido em práticas abusivas no mercado de redes sociais (Caso FTC vs. Meta Platforms, Inc.). Em meados de abril deste ano, um juiz federal estadunidense deu vitória à União contra a Google, acusando a empresa de agir ilegalmente para manter um monopólio de tecnologia online de publicidade (caso Estados Unidos vs. Google LLC ou “caso Google AdTech”, iniciado pelo governo de Joe Biden, mas endossado pela gestão atual). Há outros dois grandes casos emblemáticos envolvendo Big Techs, que continuam seu trâmite, aparentemente sem recuos por parte do DoJ ou da FTC: um, contra a Apple, em que a empresa é acusada de usar um ecossistema “bloqueado” nas tecnologias do iPhone; outro, contra a Amazon, também por condutas anticompetitivas que levariam a um monopólio (caso Comissão Federal de Comércio e outros vs. Amazon.com, Inc., iniciado na gestão de Joe Biden, e caso Estados Unidos vs. Apple, Inc., com origem no mesmo mandato).
Além disso, os chefes dos dois órgãos federais responsáveis pela defesa da concorrência – Andrew Ferguson, da FTC, e Gail Slater, da Divisão Antitruste do DoJ –, vêm, em discurso, dizendo que não serão lenientes com as Big Techs. Ferguson, escolhido por Trump para encabeçar a FTC em janeiro de 2025, afirmou que usará todos os recursos da Comissão para promover os casos que a FTC mobiliza atualmente contra as gigantes tecnológicas. Ele não mencionou a abertura de futuros casos, mas, em um movimento alinhado com a base trumpista, lançou consulta pública sobre a “censura tecnológica” à liberdade de expressão supostamente praticada por Big Techs. Além disso, Ferguson declarou, em um evento público, que, a depender da “censura”, o caso pode ser investigado pela FTC por “abuso de poder econômico”. Slater, por seu lado, defendeu recentemente, em outro evento, que a defesa da concorrência contra práticas conduzidas por grandes empresas de tecnologia “É agora um assunto bipartidário, e existe um consenso sobre a necessidade de aplicação robusta de políticas antitruste”.
Projeto 2025 e o controle sobre agências reguladoras e Big Techs
Isso tudo acontece paralelamente às medidas de Trump para minar a autonomia da FTC: a demissão dos comissários Rebecca Slaughter e Alvaro Bedoya, mencionados mais adiante no texto; a proibição, por parte do presidente da Comissão, de que os membros do colegiado tenham qualquer posição de liderança na “American Bar Association” – ABA (espécie de entidade voluntária de advogados, considerada por Trump uma associação “esquerdista”), ou participem, ainda que como ouvintes, de eventos da associação ou mesmo renovem seu registro na ABA; a nomeação de mais um membro republicano para a Comissão, Mark Meador (no total de três comissários do GOP); e a ameaça de quebrar a regra da FTC que proíbe mais de três comissários do mesmo partido. Aliada a essas manobras do chefe do Executivo, existe também a proposta de lei no Congresso americano para extinguir a FTC, passando suas atribuições para o Departamento de Estado. A proposta recebeu o nome de “Lei da Agência Única” e foi apresentada pelo representante (espécie de “deputado federal”) republicano Ben Cline (R-VA).
Prédio da FTC, em Washington, D.C. (Crédito: mbell1975/Flickr)
No cerne desse projeto de lei proposto no Congresso americano e, ainda, no coração das medidas do presidente americano contra a independência da FTC, estão as sugestões do capítulo 30 do “Projeto 2025”, da Heritage Foundation, documento com diretrizes conservadoras que guia parte considerável das políticas públicas atuais de Trump – embora o mandatário americano tenha, por vezes, negado qualquer relação com o projeto.
Nesse capítulo do Projeto 2025, totalmente dedicado à Comissão Federal de Comércio, sugere-se que a FTC poderia “não existir” e que os esforços antitruste deveriam se concentrar no Departamento de Justiça. Essa medida daria ao presidente americano poderes maiores sobre a condução da política antitruste, uma vez que os tomadores de decisão do DoJ podem ser dispensados do cargo pelo presidente, ao contrário do que acontece com os comissários da FTC, que podem ser demitidos apenas em caso de “ineficiência, negligência ou má conduta”. Trump, aliás, já contrariou essa regra neste seu segundo mandato, quando demitiu os comissários democratas Rebecca Slaughter e Alvaro Bedoya antes do fim de seus mandatos e foi apoiado pelos comissários remanescentes nessa medida (os republicanos Ferguson, presidente da Comissão, e a republicana Melissa Holoyak). A norma, que proíbe autoridades de demitir membros do colegiado antes do fim dos sete anos pelos quais eles devem servir na Comissão, vem de uma decisão da Suprema Corte, de 1935, que restringiu os poderes de presidentes estadunidenses com relação à demissão de membros de agências independentes como a FTC: a decisão Humphrey’s Executor vs. Estados Unidos. O capítulo 30 do Projeto 2025 também defende que essa decisão seja revertida.
Por fim, acrescenta-se a esse imbróglio outra diretriz do mesmo capítulo do Projeto 2025, que parece ser defendida por Trump e por seus apoiadores, mas que até agora não foi implementada: a promessa de desregulamentação econômica que poderia beneficiar as Big Techs. O documento da Heritage Foundation menciona o mercado digital, especificamente, como “vítima” de “ambientes regulatórios menos amigáveis”, como a União Europeia, e advoga políticas de regulação mínima para manter a competitividade (embora, paradoxalmente, a introdução do capítulo critique a atuação de “grandes empresas de Internet”, com poder econômico suficiente para interferir na esfera política).
Equilíbrio difícil
Que Donald Trump pretende aumentar seus poderes como chefe do Executivo e que exerce o governo de forma um tanto “pessoal”, não é segredo. Porém, a aproximação com os grandes chefes da economia digital americana não descarta o cálculo político de Trump a respeito do impacto das atitudes de governo com relação às Big Techs. Existem áreas sensíveis ao público estadunidense, como o impacto das redes sociais entre jovens e o crescente uso de Inteligência Artificial em tantas atividades do cotidiano, que são cruciais para a manutenção ou mesmo para a expansão do apoio político à base trumpista.
Trump pode estar mostrando, em público, que as Big Techs “estão com ele”, que a preocupação com “a censura tecnológica ao livre-discurso” está com seus dias contados, mas, ao mesmo tempo, o presidente não pode deixar de combater o poder econômico das gigantes tecnológicas, se quiser fazer uso político da preocupação dos americanos com questões como o impacto das redes sociais, o uso da IA ou a coleta de dados (muitas vezes para fins duvidosos). Para manter e mesmo ampliar seu capital político, Trump tem que mostrar que está combatendo práticas abusivas das Big Techs. Paradoxalmente, o presidente também não pode contrariar o suporte daqueles que veem na regulação uma forma “antiamericana” de lidar com a economia de mercado.
Assim, talvez uma das formas de o governo Trump 2.0 se relacionar com as Big Techs, de maneira a maximizar seu suporte político, seja por meio da ação antitruste sob seu crescente controle (e não sob a responsabilidade de agências independentes). Desse modo, o governo não precisa fomentar a criação de normas reguladoras a priori que signifiquem “barreiras à competitividade”, mas pode mostrar que está agindo, especificamente, contra um ou outro agente de mercado que concentra poder econômico suficiente para amedrontar o público americano.
* Ana Luisa Faria é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (PPGRI/UFU) e servidora pública no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Contato: faria.analuisa130@gmail.com.
** Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 29 abr. 2025 Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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