Resenha OPEU

Resenha: ‘A vitória de Donald Trump nas eleições de 2016: a extrema-direita e as fake news’, de André Pini

(Arquivo) O então presidente Donald Trump mostra uma manchete de jornal durante discurso em 6 fev. 2020, no Salão Leste da Casa Branca, em resposta à sua absolvição no Julgamento de ‘Impeachment’ do Senado dos EUA (Crédito: Casa Branca/D. Myles Cullen/Flickr)

Por Andressa Mendes* [Resenha OPEU]

O livro A vitória de Donald Trump nas Eleições de 2016: a extrema-direita e as fake news (Editora Appris, 2023), de André Mendes Pini, elucida como Donald Trump, um político do movimento Populista de Direita Radical, foi eleito presidente em 2016, após usar a desinformação para mobilizar os eleitores norte-americanos.

André Pini é doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), com a tese intitulada Desinformação e Populismo Radical de Direita: o caso da eleição de Donald Trump em 2016. Sua pesquisa foi premiada como Melhor Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (REL-UnB), em 2021, e resultou no livro a ser apresentado nesta resenha crítica.

A ultradireita dos Estados Unidos da América

O livro é dividido em seis capítulos, além de uma introdução, conclusão e elementos pré-textuais. Nele, o autor desenvolve a tese de que a desinformação e o Populismo de Direita Radical (PDR) de Donald Trump foram determinantes para que Trump fosse eleito presidente em 2016, a partir não só da radicalização dos eleitores republicanos, mas também de parcela dos eleitores democratas. Isso ocorreu devido a variáveis antecedentes, que serão apresentadas e analisadas nos Capítulos 2 e 3 da obra.

Antes disso, no entanto, o autor insere o leitor no tema do livro, mediante uma apresentação teórica e histórica da ultradireita dos Estados Unidos.

No Capítulo 1, três conceitos fundamentais para o entendimento da obra são apresentados: ultradireita, extrema direita e direita radical. Partindo do modelo conceitual de Mudde (Manchester University Press, 2000), Pini define a ultradireita (tradução feita pelo autor do termo em inglês, far right) como movimentos – violentos ou não violentos –, cujas pautas elencam ao menos três dos seguintes temas: nacionalismo, racismo, xenofobia, antidemocracia e autoritarismo. A ultradireita abrange desde movimentos de extrema direita (extreme right) até a direita radical (radical right), e sua principal diferença é como eles se relacionam com a democracia.

A extrema direita rejeita completamente a democracia e defende hierarquias sociais. Já a direita radical não é necessariamente antidemocrática, mas apresenta características iliberais, contrária a aspectos básicos da democracia liberal, como direitos das minorias e separação dos poderes. No ciclo eleitoral de 2016, adiciona-se à direita radical o conceito de populismo, o que resulta no Populismo de Direita Radical (PDR). Este é composto por três elementos: populismo, nativismo e autoritarismo.

O populismo é uma ideologia que considera a sociedade dividida entre “povo puro” e “elite corrupta”. O líder populista clama para si a vontade geral do povo e se coloca como representante dele em oposição à elite corrompida. Já o conceito de nativismo é relacionado aos discursos nacionalistas, racistas e xenofóbicos, que excluem o “outro”, considerado uma ameaça à homogeneidade da nação. Enfim, o autoritarismo representa a defesa de uma ordem social rígida, em que permaneça a lei e a ordem, além do apego à tradição e à disciplina.

No caso dos Estados Unidos, a ultradireita encontra raízes na Guerra Civil norte-americana, em que houve a defesa de uma ideologia tradicionalista e supremacista branca. A Guerra Civil é paradigmática no que concerne aos estudos da ultradireita nos EUA, a qual se coloca como oposição às transformações sociais derivadas da globalização e da imigração. Além disso, a crítica da ultradireita não é direcionada somente aos liberais-progressistas. Volta-se, também, contra o próprio movimento conservador e o Partido Republicano, considerados coniventes com a propagação de pautas e políticas liberais, cujo resultado foi uma sociedade multicultural, em detrimento de uma sociedade pautada por valores tradicionais.

A influência da ultradireita no século XXI deriva do movimento paleoconservador, que flerta com a ultradireita pelo nacionalismo e o conceito de “Declínio do Ocidente” de Oswald Spengler, entre outras teorias de atores da ultradireita, como os paleconservadores Paul Gottfried, Richard Spencer e Pat Buchanan, além da própria alt-right, movimento com atuação predominantemente online e que defende ideais supremacistas e nacionalistas brancos. O 11 de Setembro é, enfim, não só um dos marcos do novo processo de crescimento de grupos e movimentos da ultradireita, mas também da radicalização do Partido Republicano, a partir da oposição dos paleoconservadores à Guerra ao Terror.

As variáveis antecedentes: fragmentação da mídia, radicalização republicana, Movimento Birther e o antagonismo à Barack Obama e Hillary Clinton

No Capítulo 2, o autor apresenta como variáveis relacionadas à mídia e à desinformação influenciaram o resultado das eleições de 2016. No que tange à mídia, o papel que as plataformas digitais e as redes sociais desempenharam nas eleições de 2016 foi sem precedentes. A monetização das plataformas digitais deriva da exploração dos dados de seus usuários, a partir da criação de um enorme fluxo de dados e de informações que podem (e são) exploradas com finalidade eleitoral, especialmente por meio do microtargeting.

O microtargeting consiste em uma mensagem customizada a partir de métricas identificadas no nível individual do público-alvo, em que é possível estabelecer uma estratégia política que converta um indivíduo em eleitor. No caso das eleições de 2016, a identificação do público-alvo foi feita a partir dos dados dos usuários das plataformas digitais, como o Facebook, Twitter e Google. Além disso, por meio das estratégias de microtargeting, a propagação da desinformação é facilitada nas redes.

Outro ponto levantado pelo autor no Capítulo 2 é referente à fragmentação das mídias, em que o uso das mídias é personalizado e se dá entre pequenos grupos de indivíduos com visões políticas, sociais e culturais semelhantes, mas destoantes do restante do ambiente midiático. Como efeito, há a acentuação dos filtros-bolha gerados pelos algoritmos das redes sociais. Nesses filtros, ideias são repetidas e reforçadas, aproximando usuários que defendem os mesmos ideais e visões de mundo, em detrimento de ideias e visões diferentes.

Essa fragmentação, juntamente com o panorama midiático norte-americano, é condição necessária para que a desinformação tenha influenciado o ciclo eleitoral de 2016, uma vez que as plataformas digitais adquiriram o papel de informar o público e não só de servir de entretenimento para ele. Atrelado a isso, há um aumento no índice de desconfiança da sociedade norte-americana com relação à mídia tradicional e, em contrapartida, de confiança nas redes sociais. No caso da mídia tradicional, ressalta-se que há um panorama assimétrico, em que a mídia de direita é mais insulada que a mídia de centro-direita e esquerda nos Estados Unidos. Concomitante ao aumento do uso das redes sociais e dos filtros-bolha que as permeiam, essa assimetria resulta na radicalização da audiência e no aumento dos fluxos de desinformação nas eleições de 2016.

No Capítulo 3 são apresentadas as outras variáveis antecedentes ao estudo de caso. Elas são: o processo de radicalização do Partido Republicano; o uso prévio da desinformação por Trump por meio do Movimento Birther (a ser explicado adiante); as regras do sistema eleitoral norte-americano; e o movimento anti-Clinton.

Barack Obama citizenship conspiracy theories - Wikipedia(Arquivo) Movimento Birther: Outdoor de 2010 exibido em South Gate, Califórnia, questiona validade da certidão de nascimento de Barack Obama e, por extensão, sua elegibilidade para servir como presidente dos EUA. Campanha publicitária da WorldNetDaily (Crédito: Wikimedia/ Domínio Público)

O processo de radicalização do Partido Republicano acontece, devido à crise do movimento conservador. Essa crise é gerada pelo enfraquecimento do sentimento anticomunista no final do século XX e pela cisão dentro do movimento conservador do Partido Republicano, em que neoconservadores e paleoconservadores divergem, principalmente, sobre assuntos de política externa. Esse enfraquecimento resultou em um vácuo ideológico, o qual foi preenchido pelas ideologias da ultradireita, especialmente após a eleição de Barack Obama à Presidência em 2008, um antagonista comum aos conservadores.

A eleição de Obama foi fundamental para a criação do Tea Party, movimento Populista da Direita Radical (nativista, populista e autoritário), representante do ressentimento histórico de parte da sociedade com relação a questões socioeconômicas. O Tea Party foi responsável, por sua vez, por aumentar a influência da ultradireita e de suas correntes no âmbito do Partido Republicano, criando um antecedente importante para a ascensão de Trump em 2016.

A radicalização do Partido Republicano foi consolidada nas eleições legislativas de 2010, com a eleição de políticos da ala mais radical do partido. Além disso, a perda de Mitt Romney para Obama nas eleições de 2012 resultou em um momento de instabilidade interna e, posteriormente, nas candidaturas e eleições de políticos mais radicais. Assim, Trump não pode ser considerado a causa da radicalização do Partido Republicano, mas consequência dela.

Outra variável antecedente apresentada por Pini é o uso prévio da desinformação por Trump por meio do Movimento Birther. Como já mencionado, um dos fatores-chave para a radicalização do Partido Republicano foi a eleição de Obama em 2008. Com ela, contestações infundadas acerca de sua nacionalidade permearam o debate, no que ficou conhecido como Movimento Birther, em que havia a defesa por uns de que Obama não teria nascido nos Estados Unidos e, portanto, não teria legitimidade para ser presidente.

Trump teve um protagonismo nesse movimento, por meio de questionamentos e afirmações atreladas à nacionalidade de Obama em entrevistas e publicações. Mesmo que tais alegações sejam falsas, Trump continuou a afirmar a teoria conspiratória. Isso resultou na construção de uma narrativa em que Trump se coloca como antagonista direto de Obama e, consequentemente, de Hillary, em 2016, além de demonstrar como Trump usa a desinformação como estratégia de comunicação muito antes das eleições do referido ano.

As duas últimas variáveis antecedentes apresentadas no Capítulo 3 são a questão das regras do sistema eleitoral norte-americano e o movimento anti-Clinton, que estão interligados. O movimento anti-Clinton deriva da década de 1990, quando a ex-secretária de Estado se tornou alvo de histórias e de materiais que pudessem atingi-la. O antagonismo a ela gerou, ainda, disputas judiciais sobre o tipo de conteúdo eleitoral a ser produzido e sobre os tipos de atores envolvidos nesses processos, devido ao documentário dedicado a denunciar supostos crimes da ex-senadora e ex-primeira-dama, Hillary: the Movie, financiado pelo Citizens United.

Em 2010, a questão chegou à Suprema Corte dos EUA, que decidiu a favor do Citizens United, considerando que, nas palavras de Pini (p. 123): “os gastos com qualquer conteúdo político produzido por parte de corporações ou organizações da sociedade civil, públicas ou privadas, estavam salvaguardadas pela liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda da Constituição”.

Democracy Not Plutocracy | Occupy Miami Photos | Flickr(Arquivo) ‘Democracia, Não Plutocracia’: Protesto contra Citizens United em Miami, em 20 jan. 2012 (Crédito: Occupy Miami/Flickr)

Com essa decisão, abriu-se um precedente para que atores da sociedade civil possam financiar e produzir materiais de conteúdo eleitoral. Ela também resulta em duas consequências: o aumento do poder de influência de atores nos processos eleitorais sem prestar contas à Comissão Eleitoral Federal (FEC, na sigla em inglês) e a negligência das mídias sociais, pois elas criam condições permissivas para que qualquer ator interfira ao longo das eleições, sejam eles domésticos, ou externos.

A ascensão de Donald Trump e o impacto do populismo de direita radical e da desinformação nas eleições de 2016

No Capítulo 4, Pini apresenta como Trump consolidou sua trajetória eleitoral em 2016 e como ele construiu sua rede de alianças ao longo das primárias e, posteriormente, no embate direto com Hillary Clinton. Mesmo que Trump tenha se posicionado como um outsider, ele concorreu e ganhou as eleições por meio do establishment, o Partido Republicano. A radicalização da legenda foi evidenciada já nas primárias, por contar com candidatos fundamentalistas religiosos, como Ben Carson e Ted Cruz.

A radicalização do Partido Republicano, por meio da incorporação de elementos da ultradireita, é refletida na crescente polarização da sociedade norte-americana, que opõe eleitores republicanos e democratas. Essa polarização foi fundamental para Trump cooptar não só o eleitorado republicano, mas também parte do eleitorado democrata, principalmente dos estados-chave e dos swing states, em 2016. Ele cooptou um eleitorado sensível a questões identitárias e a temas como combate à imigração.

Para além dos eleitores que o elegeram presidente, Trump contou com o apoio de outros atores durante a campanha. Eles foram: a direita religiosa fundamentalista, que recebeu a vice-presidência, com Mike Pence, em troca de apoio; e Steve Bannon e a alt-right, que o ajudou a consolidar a dimensão Populista de Direita Radical (PDR) da sua candidatura. Bannon atuou como coordenador de campanha de Trump, conectando o candidato, ideologicamente, à base eleitoral e a seus financiadores. Já a alt-right aderiu à campanha de Trump de maneira espontânea, devido à afinidade intelectual do movimento.

A adesão desses três atores à campanha de Trump ajudou a levar à sua vitória, a partir da consolidação de sua plataforma Populista de Direita Radical. Isso é apresentado no Capítulo 5, em que o autor descreve como Trump consolidou o processo da radicalização republicana, ao transformar o partido em um projeto PDR, além de demonstrar as características do PDR a partir de suas vertentes ideológica e estratégica – a metapolítica derivada da nouvelle droite.

Foi estabelecido no Capítulo 1 que Donald Trump é um líder populista. No Capítulo 5, Pini (2023) destaca que esse populismo trumpista tem algumas singularidades, como o fato de ele não ser somente nativista e autoritário, mas também antielitista, nacionalista e com descrédito a especialistas, além de ter como bandeira principal uma postura anti-imigração. Além disso, o PDR de Trump explorou tanto a perspectiva de insegurança econômica quanto de reação cultural, questões que são caras ao eleitorado insatisfeito.

Com relação aos aspectos autoritários e nativistas do PDR trumpista, o autor faz um aprofundamento das ideologias e estratégias políticas que permeiam os principais atores envolvidos na sua candidatura: Steve Bannon, a direita religiosa e a alt-right. O aspecto ideológico é o Tradicionalismo, uma ideologia da ultradireita, antimoderna e que remonta a pensadores do início do século XX, incorporada ao PDR de Trump a partir de adaptações realizadas por Steve Bannon.

Steve Bannon | Chief White House Strategist Steve Bannon spe… | Flickr(Arquivo) O então estrategista-chefe da Casa Branca, Steve Bannon, na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês), em National Harbor, Maryland, em 23 fev. 2017 (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)

A visão de mundo de Bannon é antimoderna e antiglobalista, com rejeição ao Iluminismo e ao materialismo. Nos Estados Unidos, o Tradicionalismo é, ainda, associado a concepções nacionalistas anti-imigração, devido à dimensão racial e às concepções populistas, em que a classe trabalhadora é associada à Tradição (Era de Ouro), enquanto as elites globalizadas seriam a Modernidade a ser combatida (Era das Trevas). Seus slogans de campanha ilustram isso: America first antagoniza a China e apela à classe trabalhadora tradicional, que se ressente das “elites globalistas”; Make America Great Again aponta a direção futura dos EUA rumo a um passado idealizado.

A estratégia política de difusão dessas ideias é a metapolítica, que consiste na busca por mudanças sociais por meio do foco prioritário em mudanças culturais como condição antecedente para mudanças políticas. Ou seja, a estratégia é fazer campanha não só por meio da política, mas também e, principalmente, da cultura. No caso em questão, Steve Bannon também foi o responsável por colocar essa estratégia em prática. Ele ofereceu seu aparato ideológico à campanha de Trump, uma vez que já tinha experiência prévia no processo de assimilação de elementos culturais a interesses políticos. Ele possui sua própria produtora e produziu muitos conteúdos alinhados à sua visão de mundo. Além disso, seu portal de notícias, Breitbart News, foi fonte de “informação” para o eleitorado e simpatizantes de Trump nas eleições de 2016, garantindo o acesso desse público às ideias da ultradireita. Ele conseguiu fidelizar usuários e radicalizá-los por meio da desinformação e do PDR trumpista.

Outros atores importantes na campanha de Trump são a alt-right e a direita religiosa fundamentalista. No que tange à última, sua atuação histórica foi institucionalizada por organizações como o Council for National Policy. Sua inserção na ultradireita se deu por meio da metapolítica do Novo Tradicionalismo, movimento reacionário de contracultura, que buscou criar canais culturais para competir com os tradicionais, por meio da utilização de redes de instituições de promoção das suas ideias.

Já sobre a alt-right, suas estratégias de ação foram voltadas para a promoção de seus valores, cuja atuação ocorreu predominantemente online, por meio da comunicação digital, com foco em uma linguagem humorística de tom irônico e descolado. A alt-right também foi responsável pela propagação de teorias da conspiração enquadradas no âmbito da desinformação, como o próprio movimento Birther.

Para concluir o Capítulo 5, o autor relaciona a variável independente (o PDR trumpista) com as variáveis intervenientes (crescimento da ultradireita e cooptação de eleitores democratas). Houve uma incorporação da ultradireita ao mainstream político dos Estados Unidos como parte da Quarta Onda da ultradireita no âmbito global. Esse processo aconteceu, devido à consolidação da radicalização do Partido Republicano pelo PDR Trumpista e pela alta adesão do eleitorado republicano à agenda da ultradireita.

Não se pode dizer, no entanto, que a radicalização republicana ocorreu, devido a Trump. Apesar dele, o partido já se inclinava à ultradireita, tanto nos níveis dos legislativos estaduais, quanto do Legislativo e Executivo federais, com Ted Cruz e Marco Rubio concorrendo nas primárias. Além disso, outro indicativo da radicalização foi a adesão da alt-right à sua campanha.

Com relação ao eleitorado, ele conseguiu captar os eleitores republicanos que não se sentiam mais representados pelo partido e aqueles que passaram a normalizar os aspectos nativistas, autoritários e populistas do Partido Republicano. No que concerne ao eleitorado democrata, o autor ressalta como Trump conseguiu cooptar parte dele, devido às pautas econômicas nacionalistas propostas pelo candidato e pelo temor perante as imigrações, construído pela perspectiva nativista.

Outro aspecto importante apresentado por Pini, e central para a construção e consolidação da tese proposta por ele, é sobre os efeitos da desinformação nas eleições de 2016. Isso é explorado pelo autor no Capítulo 6. Nele, é evidenciado como a desinformação teve impacto no crescimento da ultradireita dos Estados Unidos, ao mobilizar a Internet e as redes sociais. Essa mobilização impulsionou e amplificou o engajamento de Trump, que passou a dominar a pauta da mídia e a transcender a bolha da ultradireita. Ressalta-se, ainda, que a propagação da desinformação ocorreu, devido aos recursos tecnológicos herdados de Ted Cruz e sua equipe.

Paralelamente, o autor enfatiza que a campanha de Trump, sob coordenação de Steve Bannon, juntamente com atores como a alt-right, desempenhou um papel na promoção de estratégias de dissuasão de potenciais eleitores democratas, especialmente os afro-americanos. Enquanto a campanha de Trump direcionava conteúdo personalizado aos potenciais eleitores via ferramentas de microtargeting, a alt-right promovia a desinformação para fomentar a rejeição à candidata Hillary Clinton.

(Arquivo) Hillary em evento de campanha, em Tempe, no Arizona, em 2 nov. 2016 (Crédito: Gage Skidmore/Wikimedia/Domínio Público)

Por fim, Pini sumariza o papel que os três atores-base da campanha de Trump, no contexto dos fluxos de desinformação, tiveram nas eleições de 2016. A direita fundamentalista religiosa forneceu as ferramentas tecnológicas que possibilitaram a Trump estabelecer estratégias de microtargeting baseadas na desinformação; Steve Bannon coordenou a campanha eleitoral de Trump, ao determinar tanto as estratégias de microtargeting quanto de desinformação, principalmente aquelas direcionadas a antagonizar Hillary Clinton; e a alt-right, por sua vez, organizou-se para atuar nas plataformas digitais, com influência na opinião pública, promoção da desinformação e deslegitimação de Hillary Clinton.

Comentário crítico

Em seu livro, Pini fez um estudo de caso das eleições dos Estados Unidos de 2016, que resultou em Donald Trump como presidente do país, a partir do uso da desinformação para conquistar eleitores, e da atuação do Populismo de Direita Radical no processo de radicalização do Partido Republicano e do antagonismo à Barack Obama e Hillary Clinton. A partir de uma escrita coerente, coesa e detalhada, o autor ressalta o papel das variáveis antecedentes e intervenientes citadas ao longo deste texto.

A vitória de Trump demonstra como houve a convergência de condições políticas, sociais e tecnológicas específicas à conjuntura dos Estados Unidos naquele momento: a radicalização prévia do Partido Republicano; o antagonismo aos Clinton, construído desde a década de 1990; a decisão da Citizens United, que determina os marcos jurídicos vinculados ao financiamento e atuação de campanhas eleitorais; o Movimento Birther e a introdução às pautas racistas, xenofóbicas, nativistas e autoritárias ao Partido Republicano; a adesão da alt-right, de Steve Bannon e da direita religiosa fundamentalista (cada qual com suas motivações) à campanha de Trump; a fragmentação da mídia tradicional e a evolução das redes sociais como fonte de informação preferida pelo público. Todos esses fatores foram importantes para que Trump conquistasse eleitores republicanos e democratas e fosse eleito presidente em 2016, sendo apresentados pelo autor de um modo que se conecta ao estudo de caso proposto, apesar de serem elementos bastante complexos.

Outra questão de suma importância não só para a tese de Pini, mas também para a contribuição de sua obra ao campo das Relações Internacionais, é a desinformação. Seu papel está atrelado à participação das plataformas digitais nas esferas da sociedade, uma vez que estas tiveram relevância na ampliação da construção de novas agendas de pesquisa nas Relações Internacionais.

Ainda a respeito da desinformação, e da ultradireita, é necessário fazer um apontamento terminológico sobre a obra de Pini. Na introdução, o autor explica a utilização do termo desinformação em detrimento de Fake News, devido à conotação política que este termo recebeu ao longo das eleições de 2016. Ele opta, assim, por utilizar o termo desinformação, definido, a partir de um conjunto de autores, como a dinâmica de criação e propagação de informações deliberadamente falsas em meio às plataformas digitais, com o intuito de causar danos a atores.

Os conceitos de desinformação e Fake News são alvo de debates entre acadêmicos e jornalistas, o que dificulta suas conceitualizações. Pini não supre essa dificuldade, ou sequer esgota esse debate (já que ele não se propôs a isso e tampouco era seu objetivo). Ele elucida sobre algumas diferenças entre os dois termos, para além da questão da conotação política. Enquanto Fake News representa uma distorção plena e desvinculada da realidade, em que a notícia reportada é intencionalmente falsa, a desinformação envolve a propagação de uma informação que não é necessariamente falsa, ou seja, engloba elementos verdadeiros, mas distorcidos ou usados em um contexto diferente.

The Ideology of the Extreme Right | Amazon.com.brCom relação ao termo extrema direita, este é empregado por muitos para classificar Donald Trump, o que seria equivocado pela categorização feita por Mudde (Manchester University Press, 2000), usada e traduzida por Pini, que diferencia os termos ultradireita, Populismo de Direita Radical e extrema direita. Caso o autor optasse por traduzir o termo do inglês – radical right – para extrema direita durante todo o livro, seria compreensível seu uso.

No entanto, o título do livro é “A vitória de Donald Trump nas eleições de 2016: a extrema-direita e as Fake News”, o que implica que este seja um livro sobre “Fake News” e sobre a “extrema direita”, mas não o é. É sobre “desinformação” e o “Populismo de Direita Radical”, dois termos propriamente conceituados e com uso justificado ao longo da obra. Acredito que esta mudança terminológica (já que, no título da tese base para o livro, o autor utiliza os termos desinformação e extrema direita) tenha ocorrido com o intuito de conquistar potenciais leitores para além de acadêmicos da área de Relações Internacionais.

A questão é que existe uma “confusão” terminológica referente ao movimento da ultradireita na opinião pública, na mídia e na própria academia. A utilização de termos equivocados no título de um livro tão relevante para a consolidação dos estudos da ultradireita e da desinformação nas Relações Internacionais poderia ter sido evitado. A troca por “desinformação” e “Populismo de Direita Radical”, em vez de “Fake News” e “extrema direita”, traria mais coesão para o conteúdo da obra, além de servir para aumentar a consolidação do livro como referência para os temas apresentados nele.

Por fim, é diante de tanta complexidade e quantidade de variáveis que Pini desenvolve sua tese, tão relevante para a área de relações internacionais (e Relações Internacionais) contemporânea. A vitória de Donald Trump, e a consequente popularização do Populismo de Direita Radical, estão inseridas na Quarta Onda da ultradireita global. Isso significa que a ultradireita tem-se popularizado não só nos Estados Unidos, mas também em diversos outros países, principalmente pela aderência do PDR ao jogo político tradicional e pela radicalização das pautas da direita conservadora desses países, motivadas por elementos nativistas, populistas e autoritários, como questões securitárias, antimigratórias e anti-integração.

Essa popularização do PDR tem transformado o cenário político desses países, gerando uma crise do sistema democrático liberal vigente, além de impactar temas caros à área das Relações Internacionais, como governança global e segurança. Tudo isso demonstra como o livro de Pini é relevante para a propagação dessa vertente de estudos e pesquisas das Relações Internacionais para o público geral.

 

* Andressa Mendes é pesquisadora colaboradora do INCT-INEU/OPEU e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP). Contato: glm.andressa@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 6 fev. 2024. Esta Resenha não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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