Resenha OPEU

Resenha do artigo ‘The US-led Liberal Order: Imperialism by Another Name?’, de Inderjeet Parmar

Crédito: Clare Daudelin/The Falconer

Por Victória Louise de Sousa Quito* [Resenha OPEU]

Inderjeet Parmar

Prof. Inderjeet Parmar (Fonte: site institucional)

O artigo “The US-led liberal order: imperialism by another name?”, publicado por Inderjeet Parmar na revista International Affairs em 2018, é uma reflexão crítica baseada em pesquisas e análises bibliográficas, exploratórias, documentais, discursivas e históricas do autor quanto ao papel hegemônico dos Estados Unidos na Ordem Internacional Liberal (OIL).

Doutor em Ciência Política e Relações Internacionais pela University of Manchester, Parmar é coorganizador e autor de livros – como Foundations of the American Century: The Ford, Carnegie, and Rockefeller Foundations and the Rise of American Power (Columbia University Press, 2012), Think Tanks and Power in Foreign Policy: A Comparative Study of the Role and Influence of the Council on Foreign Relations and the Royal Institute of International Affairs, 1939-1945 (Palgrave MacMillan, 2004) e Soft Power and US Foreign Policy: Theoretical, Historical and Contemporary Perspectives (Routledge, 2010) – e artigos, entre eles “Foundation Networks and American Hegemony” (European Journal of American Studies, 2012) e “Poly Crisis or Organic Crisis? The Crisis of the United States and the US-led World Order” (Economic and Political Weekly: a journal of current economic and political affairs, 2023), além de seus diversos textos publicados nos sites independentes The Wire e The Conversation.

Além disso, é interessante observar que o autor também foi pesquisador e coordenador da rede de investigação do American Human Rights Council sobre o presidente Barack Obama (2009-2007), além de ter integrado um grupo de trabalho sobre Think Tanks no Social Science Research Council, em 2007. Com um posicionamento explicitamente crítico à hegemonia americana, principalmente trazendo o viés racial para as discussões, suas abordagens costumam ser feitas a partir das perspectivas marxista, gramsciana e kautskyana.

Observador dos Estados Unidos, Parmar decidiu publicar o texto inicialmente mencionado durante a administração do país pelo presidente Donald Trump (2017-2021), tratando de temas como racismo e hegemonia, além de criticar o imperialismo americano em um momento de extrema polarização política no país. Com 22 páginas, o artigo de 2018 é dividido em 4 seções e 2 subseções, sendo elas (em tradução livre): Internacionalismo liberal: teoria, ideologia, prática; Um fundamento teórico para a crítica da Ordem Internacional Liberal: Gramsci e Kautsky; Planejamento de guerra para uma ordem Pós-Guerra liderada pelos EUA (com as subseções “A ONU e a Coreia” e “O desafio da China”) e Conclusão.

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A primeira seção define o principal conceito que sustenta sua tese, o “internacionalismo liberal” (que seria tanto uma teoria positiva, quanto uma visão de mundo normativa), bem como o “imperialismo liberal”, emprestado de Mark Mazower (a manutenção da hierarquia global estabelecida por séculos de exploração colonial no Sul Global). Também introduz sua crítica ao internacionalismo liberal, indicando o caráter de legitimação ideológica dessa teoria e suas contradições, ressaltando a discrepância entre o discurso de liberdade universal e seu caráter elitista e racializado; além de suas disfunções teóricas, uma vez que não responde às críticas e oculta dados históricos e contextuais importantes para a análise. Para tal, fundamenta sua posição contrastando ideias de autores liberais como John Ikenberry e Daniel Deudney com as teorias críticas de Antonio Gramsci e Karl Kautsky (principalmente), assim como de Robert Cox, Stephen Gill e Craig Murphy. Dessa forma, Parmar mostra seu interesse em ressaltar a relevância das desigualdades de classe e raça; da socialização entre elites de diferentes países como perpetuadoras da hegemonia americana; e das relações hierárquicas de poder global para a construção e a manutenção da Ordem Internacional Liberal.

Na seção seguinte, o autor se ocupa de indicar os fundamentos gramscianos e kautskyanos de sua tese. De Kautsky, aproveita o conceito de “ultra-imperialismo”, que define “a tendência das classes dominantes nacionais de formarem alianças internacionais classistas para a exploração conjunta dos recursos mundiais”, bem como as múltiplas possibilidades de formas que essa cooperação pode assumir. A partir dessa ideia, argumenta que, na OIL baseada na hegemonia americana, as guerras entre as grandes potências podem ser evitadas por meio da cooperação entre as elites e que as grandes potências, “objetivando a promoção conjunta de seu poder contra outros, nacional e internacionalmente, constroem alianças com as correspondentes elites estrangeiras onde elas já têm poder ou, por extensão, onde uma elite nascente poderia ser promovida” (p. 161). Com isso, deixa clara sua escolha por contrapor as visões do liberalismo (de paz pela da interdependência), do realismo e do leninismo (de inevitabilidade do conflito por parte das grandes potências). Finalmente, ao comparar essa dinâmica com a lógica observada na relação dos Estados Unidos com a China e com a Coreia do Sul, ele começa a encaminhar a análise para seus estudos de caso ao longo do texto.

Foundations of the American CenturyEm sequência, em “Planejamento de guerra para uma ordem Pós-Guerra liderada pelos EUA”, Parmar acusa a lacuna teórica na interpretação de Ikenberry sobre quando, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, as elites americanas planejavam a liderança estadunidense que se daria ao fim do conflito e basearam-na no domínio de uma “Grande Área” de influência (que indicava, na prática, todas as regiões do globo). Segundo ele, o autor liberal ignora o fato de que as principais instituições, planos e acordos internacionais do Pós-Guerra foram fundamentais para a concretização desse domínio. Além disso, observa, também não trata das desigualdades das relações inter-regionais, que restauraram os moldes dos fluxos coloniais em uma visão de liderança imperial global das elites americanas com ajuda das elites britânicas. O objetivo, segundo ele, teria sido a restauração das grandes potências europeias.

Analisando a forma como esse processo se deu no caso da Coreia e da ONU, Parmar desenvolve sua crítica quanto à contradição da ordem que era instaurada. Ele acusa os EUA de, sob a bandeira do liberalismo e da liberdade, terem fomentado a divisão regional da península coreana com: repressão violenta dos movimentos civis que urgiam por unificação e independência da Coreia; construção, na parte sul, de uma elite local que fosse alinhada a seus ideais; instrumentalização da Organização das Nações Unidas em prol de seus objetivos para a região, incluindo a pressão para que fosse instaurada a Comissão Temporária sobre a Coreia para coordenar eleições nacionais na Coreia do Sul (que favoreceram a elite construída em detrimento da maior parte da população). Ressalta, também, o papel do racismo observado no “orientalismo militar” das tropas anglo-americanas no prolongamento da guerra, trazendo análises de outros autores e relatos documentais da época quanto à violência – e até mesmo às ameaças – desproporcionalmente ofensivas por elas realizadas contra soldados e civis chineses e coreanos.

Soft Power and US Foreign Policy: Theoretical, Historical and Contemporary Perspectives book coverDe modo a aprofundar sua posição, o artigo contrapõe as colocações do internacionalismo liberal pela análise de Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos (de 1977 a 1981, durante o governo Carter), quanto ao papel dos EUA na formação da “democracia” e da “sociedade civil” na Coreia do Sul. Em contraste com o argumento do liberal de que a Guerra Fria explicaria o motivo pelo qual os EUA apoiaram a democratização da Coreia do Sul apenas na década de 1980, Parmar demonstra – novamente, com dados exploratórios e documentais – que, na realidade, isso aconteceu somente depois que as demandas populares cresceram significativamente em um contexto de produção de bens de consumo exponenciais no país e após o uso de tropas sul-coreanas na Guerra do Vietnã. Indica, neste caso, a falta de profundidade da análise do liberal, ao ignorar as relações complexas de coerção e de consentimento aplicadas pelo hegemon. Além disso, Parmar critica a “ignorância” de Brzezinski quanto ao papel do racismo para a criação de legitimidade da violência aplicada pelos EUA no país; e do elitismo para a definição do sistema econômico e político que seria defendido.

Já ao tratar da China, Parmar atesta que o que aconteceu para que o país tenha aderido à ordem liberal liderada pelos EUA foi a aproximação entre as elites das duas potências. Segundo ele, os autores liberais consideram esse dado algo benigno, novamente em uma “análise rasa” que não leva em conta as desigualdades da sociedade chinesa. Mostra que essa transição econômica foi implementada por meio do intercâmbio de ideias e de acadêmicos das elites americana e chinesa para que se chegasse ao “Socialismo de Mercado” atual. Para além, revela informações sobre como empresas privadas americanas (apoiadas pelo governo dos Estados Unidos) financiaram a formação de uma sociedade civil chinesa que fosse favorável à OIL.

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Em conclusão, Inderjeet Parmar relata que a Ordem Internacional Liberal tem uma estrutura “hierárquica, imperial e racial-civilizacional” e que o internacionalismo liberal não seria, de fato, uma teoria de Relações Internacionais, e sim uma “ideologia legitimadora da elite dominante americana” (p. 172). Segundo ele, os líderes mundiais e o sistema internacional não vislumbram uma sociedade equitativa, adotando mecanismos que previnam uma mudança radical nesse sentido. Em sua análise gramsci-kautskyana, haveria, no entanto, uma esperança de interrupção desse ciclo.

Em uma avaliação do trabalho do autor, é possível observar bastante embasamento teórico, documental e exploratório de seus argumentos. Para além de citar autores fundamentais, tanto da teoria liberal quanto da teoria crítica, e de analisar comparativamente suas ideias, o ponto alto de seu artigo é que ele também traz à luz o debate racial não muito frequentemente observado em produções dos acadêmicos clássicos (em sua maioria, europeus). Com muita coerência argumentativa, apoiando-se em fatos e ressaltando um debate fundamental para a ordem internacional atual e as questões estruturais da sociedade capitalista, Parmar alerta sobre como o status quo favorece apenas uma pequena parcela da população mundial em todos os países que compõem o sistema.

Por fim, seria muito interessante compreender de maneira mais profunda, em produções futuras do autor, os argumentos que ele introduz ao citar brevemente o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua ruptura com as instituições internacionais (indicadas por ele como instrumentos do poder americano).

 

* Victória Louise Quito é bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/OPEU (PIBIC-CNPq) e graduanda em Relações Internacionais (IRID/UFRJ). No OPEU, é responsável pela área de relações EUA-América Latina e faz parte da equipe de gestão do Observatório. Contato: victorialquito@gmail.com.

** Texto escrito como parte da avaliação proposta pela disciplina eletiva Hegemonia dos Estados Unidos, ofertada em 2022/2 pela professora colaboradora do IRID/UFRJ e editora do OPEU, Tatiana Teixeira, responsável por sua revisão e edição final. Nova versão recebida em 5 out. 2023Esta Resenha OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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