Brasil

O que esperar das relações Brasil-EUA na área de energia após as eleições? (IV)

Energia renovável no Sul do Brasil (Crédito: Ruy Barbosa Pinto/Flickr)

Dossiê Relações Brasil-EUA

Por Elisa Cascão Ferreira e Laís Forti Thomaz*

O Brasil foi escolhido para sediar, em 2024, a 15ª Reunião Ministerial de Energia Limpa e a 9ª Reunião Ministerial da “Missão Inovação”, como reconhecimento do perfil limpo da matriz energética brasileira e do papel de liderança exercido pelo país na área. No mesmo ano, o país exercerá a presidência do G20, vinculando os dois eventos à Reunião Ministerial de Energia do grupo. Pelo papel das plataformas de acelerar a transição para energias limpas, o governo eleito em 2022 terá de ocupar um lugar de liderança no quesito. Para compreender como os candidatos Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tratarão a questão energética, é importante analisar seus planos de governo.

No plano de governo de Lula, intitulado “Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil”, escrito pela Coligação Brasil da Esperança, indica-se o compromisso com a sustentabilidade social, ambiental, econômica e com o enfrentamento das mudanças climáticas. No plano, menciona-se que isso requer o cuidado com as riquezas naturais, a produção e o consumo sustentável e a mudança do padrão de produção e de consumo de energia do país, participando do esforço mundial para combater a crise climática. Há menção, também, à transição ecológica e energética, apoiando o surgimento de uma economia verde inclusiva.

A íntegra do Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil | Partido dos  Trabalhadores

Capa do programa de governo do candidato Lula

Além disso, há destaque para a garantia da soberania e da segurança energética do país, com ampliação da oferta de energia e expansão de fontes limpas e renováveis a preços compatíveis com a realidade brasileira. Por fim, o plano de governo se opõe fortemente à privatização da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo S.A., destacando que esta voltará a ser uma empresa integrada de energia, com investimento em exploração, produção e distribuição e com foco na transição ecológica e energética, como gás, fertilizantes, biocombustíveis e energias renováveis. O plano de governo destaca diversas vezes o compromisso com a sustentabilidade social, ambiental e econômica e com o enfrentamento das mudanças climáticas.

No campo de política externa, ressalta a recuperação da política externa ativa e altiva, com foco na reconstrução da cooperação internacional Sul-Sul com a América Latina e a África, além da defesa da ampliação da participação brasileira nos assentos de organismos multilaterais. A defesa da soberania estaria ligada à integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe. Deste modo, haverá busca pelo fortalecimento do Mercosul, da Unasul, da Celac e do grupo Brics. Destaca-se, ainda, que o objetivo será de estabelecimento livre de parcerias que sejam melhores para o país, sem submissão. Haveria, portanto, comprometimento com o multilateralismo, com o respeito à soberania das nações, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental.

No plano de governo do candidato Jair Bolsonaro, intitulado “Pelo Bem do Brasil”, há destaque para o fortalecimento da segurança energética do país, propiciando ao Brasil a manutenção de sua força energética e a flexibilidade para enfrentar crises. Nesse sentido, menciona o aumento robusto e a diversificação na produção e na utilização de energia sustentável, renovável e limpa, com o gás natural como alternativa. Há menção ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que deverá garantir que a Empresa Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) envolva chamadas no sentido de reunir centros tecnológicos, empreendedores e startups, visando à produção de energia limpa.

O plano menciona ainda o fortalecimento de medidas de mitigação da poluição ambiental, diminuindo as fontes energéticas baseadas em óleo e carvão. Há destaque para o potencial de exportação de energia verde, com a implantação de geração de energia limpa e alternativa, como a eólica offshore e o hidrogênio verde. Ao contrário do plano de governo apresentado pelo candidato do PT, o plano de Bolsonaro destaca a ampliação e o fortalecimento do processo de desestatização e de concessões da infraestrutura nacional. Menciona a desestatização da Eletrobras como um bom exemplo de resultados positivos, já que esta estratégia, para os formuladores de políticas de Bolsonaro, estimularia a oferta de energia, a competitividade e a livre-concorrência.

No projeto, há uma seção dedicada à sustentabilidade ambiental. Seu propósito central seria “promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, com foco na qualidade ambiental”. Em resumo, seu posicionamento seria de, por um lado, “apoiar e participar de todas as iniciativas julgadas coerentes, realistas e socioeconomicamente viáveis para contribuir para o futuro do planeta. Por outro, deve equilibrar esses aspectos com seus valores, peculiaridades (…) respeitando os interesses nacionais e internacionais”. Há, ainda, menção à importância do respeito à soberania e destaque ao uso do hidrogênio verde. Por fim, é trazida a possibilidade de venda de Green Bonds (títulos verdes), que poderiam ser usados apenas para financiar investimentos sustentáveis, como infraestrutura de energia limpa e renovável, assim como a atuação no mercado de Créditos de Carbono.

Green finance conceptPrograma de Bolsonaro faz referência aos Green Bonds (Crédito: Shutterstock)

O plano de governo destaca ainda que, considerando-se as características da matriz energética e elétrica brasileira, a estratégia de desenvolvimento deverá seguir completamente alinhada com o crescimento verde e com o desenvolvimento sustentável, alavancando o país como a grande potência econômica verde mundial. Para tal, o governo pretende acelerar o desenvolvimento de uma série de ações de redução e de mitigação de gases de efeito estufa e uso racional de recursos naturais. As ações seriam tomadas, então, para tornar o Brasil provedor de soluções climáticas, estabelecendo-se como líder mundial em uma cadeia de fornecimento global verde.

Apesar do que foi declarado em seu plano de governo para 2023, Bolsonaro tem sido conhecido como um dos “maiores negacionistas das mudanças climáticas”, tendo declarado antes de sua eleição em 2018 o objetivo de tirar o Brasil do Acordo de Paris, algo que não foi efetivado. Além disso, o desmatamento da Amazônia aumentou mais de 50% desde que ele assumiu a Presidência.

Em ambos os planos, não há menção específica sobre como serão conduzidas as relações do Brasil com os Estados Unidos. No plano de governo de Bolsonaro de 2018, havia menção aos Estados Unidos como exemplo de país que criou planos que geraram “riqueza, bem-estar e desenvolvimento para todos”.

A relação entre Brasil e Estados Unidos em iniciativas bilaterais teve destaque no governo de Lula da Silva anteriormente. Desde 2007, quando Lula estava no poder, foi firmado o Memorando de Entendimento Brasil – EUA para Avançar a Cooperação em Biocombustíveis. Quando o presidente George W. Bush visitou o Brasil, a agenda de energia teve uma relevância muito significativa, tendo em vista a descoberta do Pré-sal, mas também sendo ambos os países os maiores produtores de biocombustíveis no mundo. Já quando Dilma Rousseff estava na Presidência, em março 2011, foi lançada a Parceria para o desenvolvimento de Biocombustíveis de Aviação, seguido do U.S. and Brazil Launch Strategic Energy Dialogue, quando foram estabelecidos como objetivos o desenvolvimento de grupos de trabalho em quatro áreas: biocombustíveis; energia renovável e eficiência energética; petróleo e gás natural; e energia nuclear e segurança nuclear.

No governo Bolsonaro, em 2019 foi criado o U.S.-Brazil Energy Forum (USBEF), com a perspectiva de identificar questões técnicas, regulatórias e políticas de interesse mútuo e desenvolver planos de ação para atingir metas concretas que abordem cada questão de maneira mutuamente benéfica. O governo de Donald Trump tinha uma relação próxima com o setor do petróleo, tendo inclusive nomeado como administrador da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), Scott Pruitt. O que despertou a insatisfação de muitas ONGs ambientalistas.

US-Brazil Energy Forum for World Commerce and Development

Já os Estados Unidos de Joe Biden têm adotado medidas para o alcance de energia 100% limpa, atingindo emissões net-zero até 2050. Além disso, o governo democrata tem buscado levar o restante do mundo a se comprometer com o combate às mudanças climáticas, o que foi demonstrado por seu posicionamento na Cúpula das Américas. Na ocasião, o Brasil se juntou à Iniciativa de Energia Renovável da América Latina e Caribe (RELAC), tornando-se uma das 20 nações comprometidas com o estabelecimento de 70% de capacidade instalada para geração de energia limpa. Neste sentido, em agosto de 2022, foi reafirmada a parceria bilateral na área energética por meio do segundo USBEF e, desta vez, as áreas prioritárias foram três: Gestão de Carbono e Metano, Energia Nuclear Civil e Renováveis, Eficiência Energética e Modernização da Rede, por meio da nova iniciativa intitulada U.S.-Brazil Clean Energy Industry Dialogue (CEID).

Ainda que ambos os candidatos tenham se comprometido com avanços na área energética e reconheçam os Estados Unidos como player importante no cenário internacional, é notável que esse comprometimento deve sair do discurso e das propostas escritas para se avançar no futuro de uma economia de baixo carbono e da transição energética. Biden fez muitas críticas à forma pela qual Bolsonaro conduziu suas políticas ambientais, e isto se reflete na relação Washington-Brasília. Já quando era vice de Obama, Biden teve em Lula um aliado regional importante para avanços na agenda energética de biocombustíveis. Dessa forma, a cooperação entre Brasil e Estados Unidos ainda permanece como tema estratégico para avançar em políticas públicas relevantes nos dois países.

 

* Elisa Cascão Ferreira é mestranda em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP). Laís Forti Thomaz é professora e secretária de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG).

** Edição e revisão: Tatiana Teixeira. Recebido em 11 out. 2022. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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