América Latina

Reforma do setor elétrico mexicano gera choque de interesses com EUA

Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (Crédito: Eneas De Troya/Flickr)

Por Lucas Amorim*

Desde a campanha presidencial de 2020, o agora presidente Joe Biden buscou se diferenciar de seu opositor republicano Donald Trump pela abordagem mais amigável ao meio ambiente, que inclui uma agenda programática de combate à mudança climática. Logo após sua posse, Biden iniciou estudos para o restabelecimento de regras ambientais postas em vigor no governo Barack Obama. Trump havia enfraquecido, ou revogado, mais de 100 normas relacionadas ao meio ambiente, além de desautorizar e esvaziar ao máximo as capacidades da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês).

Além de buscar readequar o ambiente regulatório doméstico, Biden enfrentava um outro desafio em relação ao tema: retomar o protagonismo climático dos Estados Unidos no cenário internacional. O presidente convocou John Kerry, um diplomata experiente que já havia atuado como secretário de Estado na gestão Obama, para o recém-criado cargo de enviado para o Clima. O enviado climático se reporta diretamente ao presidente e é membro tanto do Gabinete Presidencial, quanto do Conselho de Segurança Nacional.

Além de indicar que o novo governo prioriza o combate à mudança climática, o posto recém-criado teria como função coordenar a atuação internacional dos Estados Unidos tanto em suas relações bilaterais, quanto em instâncias multilaterais, como as Conferências Climáticas da ONU. O enviado para o Clima tem como contraparte doméstico o conselheiro Nacional do Clima da Casa Branca, cargo ocupado atualmente por Gina McCarthy, ex-chefe da EPA. Além disso, outros departamentos governamentais compartilham a agenda ambiental, incluindo o Departamento de Energia e a própria EPA.

Um tema mobilizou a burocracia ambiental americana no início de 2022: a reforma do setor elétrico mexicano proposta pelo presidente Andrés Manuel López Obrador, conhecido pelo acrônimo AMLO. Sucessivas reuniões aconteceram entre autoridades dos dois países. A mais recente delas, entre Kerry e o ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, em 9 de fevereiro, sucedeu-se a outro encontro entre o presidente AMLO e a secretária americana de Energia, Jennifer Granholm, em janeiro, na Cidade do México.

O presidente mexicano propôs reformas no setor energético nacional que fortalecem o papel da estatal Comisión Federal de Electricidad (CFE) frente empresas do setor privado. A proposta atual busca reverter uma onda de liberalizações no setor promovida pelo antecessor de AMLO na presidência mexicana, Enrique Peña Nieto. A reforma de 2014 extinguiu o monopólio da CFE e permitiu que empresas privadas estabelecessem, pela primeira vez, atividades de geração de energia no país. Analistas afirmam que a iniciativa de liberalização permitiu que fontes de energia renováveis avançassem no país. Os dados em relação ao assunto mostram, no entanto, uma matriz energética ainda altamente dependente do petróleo e gás.

A intervenção do governo dos Estados Unidos, que até poderia ser interpretada como ingerência em assunto interno do México, tem como pretexto a dependência maior da CFE em relação a fontes de energia não-renováveis, como a termelétrica, que seus contrapartes privados. Apesar da justificativa ambiental, a mobilização do governo americano visa, na verdade, a minimizar (ou idealmente evitar) prejuízo às empresas americanas do setor que atuam no vizinho do sul, como ExxonMobil, Koch e Valero.

Além dos obstáculos institucionais domésticos, a reforma enfrenta desafios nas obrigações internacionais assumidas pelo México em acordos econômicos. Mudanças recentes no ambiente regulatório na América do Norte, especificamente a renegociação do Nafta (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte) e o estabelecimento de seu sucessor, o USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá), têm influência significativa em relação ao assunto e podem expor o país latino-americano a um passivo bilionário.

“Desprivatização” do setor energético do México

O atual regime energético mexicano se origina de uma reforma introduzida pelo então presidente Enrique Peña Nieto (2012-2018). Antes da reforma de 2014, a CFE era o único órgão responsável pela geração, transmissão e distribuição de eletricidade no mercado mexicano. Havia a possibilidade de uso de geradores privados de energia, mas ela se limitava a algumas aplicações (como autoabastecimento e exportação), ou a uma parceria obrigatória com a CFE por meio de contratos de longo prazo.

Em defesa da proposta, o governo atribuía à alta dependência energética em relação ao setor público algumas mazelas enfrentadas pelo mercado de energia mexicano, como preços altos, limitações regulatórias à geração de energia, ausência de um ator imparcial na regulação do mercado (visto que a própria CFE atuava como empresa geradora e agência reguladora) e dificuldades na introdução de fontes de energia renováveis.

A polêmica reforma gerou protestos na capital mexicana, liderados pelo atual presidente, AMLO, que em 2013 já havia sido candidato à presidência por duas vezes. AMLO afirmava que a possibilidade de exploração dos recursos energéticos pela iniciativa privada “não iria impulsionar o crescimento econômico, nem criar empregos, nem bem-estar”. Segundo o político, os contratos compartilhados permitem “que as empresas estrangeiras perfurem os poços e se tornem donos da metade da produção [de petróleo]”, sem contraparte ao governo, ou ao consumidor final.

Apesar da oposição, a proposta de Peña Nieto obteve 2/3 dos votos na Câmara e no Senado, além do “sim” da maioria dos parlamentos estaduais, condições necessárias para a aprovação de uma emenda constitucional. A reforma retirou da CFE o papel de reguladora e operadora do sistema de transmissão, funções que passaram a ser desempenhadas de forma mais independente por duas organizações: a Comisión Reguladora de Energía (CRE) e o Centro Nacional de Control de Energía (Cenace), respectivamente. Além disso, o marco energético hoje em vigor que a atividade de produção e o mercado atacadista de eletricidade se deem em regime de “livre-iniciativa e concorrência aberta”. A mais controversa das provisões modificou os artigos 27 e 28 da Constituição, que antes garantiam o monopólio da exploração do gás e petróleo para o Estado, feita pela estatal Pemex (Petróleos Mexicanos).

Apesar de o processo de liberalização do setor energético ter tido o objetivo de atrair investimentos estrangeiros privados, algumas características do regime anterior não sofreram alterações. O Estado foi mantido como proprietário titular dos hidrocarbonetos (gás natural e petróleo) extraídos em território mexicano. As empresas CFE e Pemex não foram privatizadas e continuam sendo 100% estatais. Mantém-se ainda o papel exclusivo do Estado no planejamento e no controle das atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

A proposta de reforma (ou, talvez, de contrarreforma?) apresentada por AMLO em 2021 busca, principalmente, reverter esse processo de liberalização. O presidente enxerga como estratégica a participação do Estado na gestão do setor energético. Suas críticas se voltam para mercados como Espanha, Reino Unido e o estado americano do Texas, que enfrentam crises energéticas atribuídas ao uso de fontes renováveis de energia intermitentes (como a solar e a eólica), ou à desregulamentação e à privatização excessiva.

A reforma de AMLO iria eliminar a agência regulatória independente CRE, assim como a operadora do sistema Cenace. Ambas teriam suas atribuições absorvidas pela CFE. A reforma de teor constitucional também iria limitar a participação de empresas privadas a 46% do mercado de energia, garantindo 54% para a estatal mexicana. Além disso, seriam revogadas as licenças de operadores privados que representam, hoje, em torno de 48% da produção de energia do país.

Críticos afirmam que a reforma tem potencial para desestimular o ingresso de investimento estrangeiro e a geração de energia de fontes limpas, como a eólica e a solar, que já são minoritárias no país. O novo regime privilegiaria a relação entre a estatal de eletricidade, a CFE, e a estatal de petróleo, Pemex, em que a última forneceria petróleo subsidiado, abaixo do valor de mercado, para a geração de eletricidade nas termelétricas da primeira. Fontes renováveis de energia se tornariam inviáveis, segundo as associações nacionais de energia eólica e solar, Amdee e Asolmex, respectivamente.

Matéria da revista britânica The Economist destaca o papel da reforma de 2013-2014 para a redução do preço da energia no país. Em 2014, o preço da eletricidade no México era superior àqueles praticados no Brasil e na China. Dois anos após a reforma, o preço era mais baixo do que os de seus parceiros. Argumenta-se ainda que os baixos preços de eletricidade contribuíram para o crescimento do setor industrial no México. Durante a vigência da reforma, a emissão média de CO2 por kWh gerado caiu 7,6%, reflexo do uso de fontes de energia limpa por parte do setor elétrico privado.

Gráfico 1 – Preço da eletricidade no México (pesos por kWh)

Mexico's energy reforms will damage the economy and the rule of law | The Economist

Fonte: The Economist

Apoiadores da proposta afirmam, contudo, que a reforma corrige distorções geradas pelo regime anterior, que concedia subsídios ao setor privado sem contrapartidas à CFE. Assim, os preços mais baixos praticados pelas empresas privadas estariam sendo pagos indiretamente pelos cidadãos mexicanos por meio de impostos. Parlamentares da base governista destacam o efeito fiscal da reforma. O fim dos subsídios aliviaria as contas do governo e permitiria novos investimentos públicos no setor, a exemplo da nova refinaria de petróleo construída no país. Apesar de o México ser um grande produtor de petróleo, ele importa a maioria dos produtos refinados, tais como a gasolina. A abertura de espaço fiscal para investimento na geração de energia no país é essencial, visto que o nível de investimento público é o mais baixo em 23 anos, e o investimento público do setor elétrico está em trajetória de queda desde 2014, ano em que a reforma de Peña Nieto entrou em vigor.

Gráfico 2 – Investimento em capital fixo do setor público (% do PIB)

Inversión pública se encuentra en su nivel más bajo en 23 años

Fonte: El Economista, com dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia do México

Gráfico 3 – Investimento físico no setor elétrico (em milhões de pesos)

En los recortes a la inversión pública Pemex es la sacrificada

Fonte: El Economista, com dados da Secretaria da Fazenda do México

Já o presidente López Obrador destaca as discrepâncias entres as margens de lucro praticadas pelas empresas estrangeiras em seus países de origem e as praticadas no México. Segundo o mandatário, transnacionais energéticas, como a Iberdrola, praticam margens de lucro acima de 150% no país latino-americano, enquanto trabalham com margens de 15% na Espanha. As declarações do presidente são corroboradas pelo diretor-geral da CFE, Manuel Bartlett Díaz. Segundo o dirigente, o sistema implementado pela reforma de 2013 não significou um aumento da concorrência, mas sim a entrega do setor elétrico ao capital estrangeiro.

Para o especialista em finanças do setor energético Alonso Romero, a ineficiência que se atribui à CFE desde a reforma de 2014 é, na verdade, resultado de modificações no modelo de gestão da estatal. Citando uma  anedota, Romero diz que, em certo caso, duas turbinas de uma mesma usina foram colocadas sob jurisdição de duas subsidiárias diferentes da CFE, com a possibilidade de comunicação entre as duas unidades fisicamente impedida por uma cerca. Ele segue afirmando que, “em nome da eficiência”, os custos administrativos da CFE foram duplicados com os custos recaindo sobre os “usuários de baixa tensão”, isto é, famílias e pequenas empresas.

Até mesmo o argumento ambiental, usado pelo governo Biden para intervir na proposta de reforma energética mexicana é frágil. Estudo de Lozzornio e Simões de 2019 mostra que a reforma de 2014 não teve como objetivo – e nem como efeito – a substituição de fontes de energia não renováveis, como carvão, petróleo e gás natural, por renováveis, como eólica, solar e geotermal. Essa observação é corroborada pela análise de dados das formas de geração de energia que suprem a demanda mexicana. Se, em 2000, 59% da demanda energética nacional era suprida por petróleo, em 2016, esse valor havia sido reduzido apenas marginalmente para 51%. Apesar de significativa, grande parte da redução é explicada pelo aumento do uso do gás natural para geração de eletricidade, outra fonte não renovável, ainda que menos poluente.

Regras econômicas na América do Norte

Uma lei de reforma do setor elétrico anterior, aprovada em 2021, foi objeto de disputas judiciais e acabou suspensa. Por seu caráter constitucional, o novo projeto de AMLO  não encontraria obstáculos legais domésticos. O país está, porém, sujeito a diversas obrigações econômicas internacionais, especialmente, no âmbito do processo de integração da América do Norte. Vigente de 1994 a 2020, o Nafta tinha um capítulo específico (o sexto do acordo) que disciplinava questões energéticas entre os três países norte-americanos (Canadá, Estados Unidos e México).

O texto do Capítulo 6 do Nafta impunha diversas obrigações aos Estados-parte em relação a seus setores elétricos. Uma primeira obrigação era que os países não oferecessem tratamento inferior às empresas dos outros parceiros que aquele oferecido aos próprios nacionais. O texto também incorpora direitos e obrigações do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), antecessor da OMC (Organização Mundial do Comércio), à relação trilateral. Além disso, os três países se comprometiam a não impor tarifas nem outras medidas restritivas ao comércio de energia entre si. O anexo 602.3 do acordo implementava uma série de exceções e reservas que garantiam que o México não era obrigado a privatizar, ou a liberalizar, seu mercado energético.

Na campanha presidencial de 2016, Donald Trump ameaçou, diversas vezes, denunciar o Nafta, sem que se negociasse um substituto, chamando-o de “o pior acordo comercial da história”. No entanto, ao fim de um processo de dois anos de negociações trilaterais entre diplomatas mexicanos, canadenses e americanos, chegou-se a um novo acordo denominado USMCA. Nele, não há um capítulo dedicado à regulação dos mercados de energia na região, mas seu capítulo 8, sobre hidrocarbonetos, aborda o tema diretamente. O capítulo é brevíssimo e expressa o reconhecimento do “domínio direto e propriedade inalienável e imprescritível dos hidrocarbonetos”, por parte do Estado mexicano, segundo suas provisões constitucionais.

Uma fact sheet publicada durante o governo Trump prometia que o novo texto garantiria aos investidores americanos os benefícios das reformas de 2013, algo que não parece 100% certo na iminência da aprovação da reforma no México e tendo em vista o especificado no capítulo 8 do USMCA. O próprio presidente mexicano afirma que sua proposta não viola os termos do acordo.

Apesar de não se encontrar no texto do USMCA uma proibição taxativa à reversão de processos de liberalização, regras relacionadas aos direitos dos investidores podem representar importante obstáculo ao plano do governo do México. Tanto o Nafta (capítulo 11), quanto o USMCA (capítulo 14) contam com provisões que protegem a propriedade dos investidores estrangeiros e oferecem recurso legal frente a ações estatais de cunho expropriatório.

Cláusulas típicas encontradas em acordos bilaterais de investimento (BITs, na sigla em inglês), ou em acordos com capítulo de investimento, incluem proibição à expropriação (seja de forma direta, ou indireta), garantia do tratamento nacional e de nação mais favorecida aos investidores do parceiro comercial, responsabilidade do Estado em oferecer segurança e proteção plenos aos investimentos e compromisso de tratá-los de forma justa e equitativa.

Violação dessas provisões facultam ao investidor o ingresso de uma ação arbitral de investimento frente um painel arbitral ad hoc, em geral regido por regras da UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional), ou do ICSID (Centro Internacional para Resolução de Controvérsias sobre Investimentos), em um procedimento denominado Solução de Controvérsias entre Investidor e Estado (ISDS, na sigla em inglês). Apesar de o painel arbitral não ter o poder de impedir que o Estado adote uma política, ele pode conceder ao investidor afetado pela ação indenizações milionárias, ou até mesmo bilionárias.

O capítulo 14 do acordo não se aplica na relação bilateral Canadá-Estados Unidos. Uma vez que México e Canadá são signatários de outro tratado com provisões de investimento, o CPTPP (Acordo Abrangente e Progressivo para Parceria Transpacífica), o USMCA rege apenas as relações entre México e Estados Unidos. Em relação à maioria dos setores econômicos, o nível de proteção foi severamente reduzido e não contempla grande parte das cláusulas encontradas tradicionalmente em BITs, ou em outros acordos com provisões de investimento, incluindo o ISDS.

O anexo 14-D do USMCA estabelece um regime especial de solução de controvérsias para disputas provenientes de investimento em “setores governamentais cobertos”. Esses setores incluem petróleo e hidrocarbonetos, assim como geração de energia elétrica. Nestes casos, os investidores têm acesso a todas as cláusulas do acordo de investimento, podendo acessar o ISDS sem qualquer tipo de protelamento procedimental, como um prazo mínimo de “reflexão” antes do ingresso da ação, ou a obrigatoriedade de recorrer primeiro ao Judiciário do país anfitrião do investimento.

Essas provisões podem atrapalhar a vida de AMLO, uma vez que os investidores privados do setor elétrico (muitos deles operam por empresas sediadas nos Estados Unidos) podem enxergar a revogação de licenças de geração de eletricidade como uma forma indireta de expropriação de seus investimento e solicitar ressarcimento no procedimento ISDS. Mesmo que não tenham o poder institucional de impedir a adoção das reformas por parte do Congresso e dos Legislativos estaduais, o governo federal do México pode se ver na posição de ter de pagar gordas indenizações aos empresários do setor elétrico.

Fim das reformas de AMLO?

A reforma energética não surpreende, vindo de um presidente que já tinha no passado lutado contra a liberalização do setor e balançou as estruturas do sistema político mexicano. López Obrador quebrou o monopólio neoliberal da Presidência, que até então tinha sido ocupada apenas pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), desde 1982 de vertente neoliberal centro-direitista, e pelo liberal-conservador Partido da Ação Nacional (PAN). Seu Movimento Regeneração Nacional (MORENA) é descrito como um partido “nacionalista de esquerda” e “antineoliberal”.

A proposta foi uma bandeira eleitoral importante que levou à ampliação da maioria do MORENA no Congresso Federal e nas assembleias legislativas estaduais nas eleições de 2021. Após obstáculos institucionais encontrados em agências reguladoras e no Judiciário, AMLO dobrou suas apostas, ao propor incorporar a reforma elétrica à Constituição mexicana. MORENA e outros partidos aliados do governo contam com maiorias absolutas nas duas Casas (Senado e Câmara dos Deputados) do Congresso Federal. A reforma demanda, no entanto, o voto afirmativo de dois terços dos parlamentares de cada casa para ser aprovada. O presidente precisa, assim, garantir a cooperação de deputados e senadores da bancada de oposição.

A dependência da boa vontade da oposição torna a proposta ainda mais vulnerável à atuação de agentes políticos americanos em relação ao tema. No dia 24 de janeiro, a secretária americana de Energia, Jennifer Granholm, reuniu-se com o presidente mexicano para tratar do assunto. Conforme nota divulgada pelo gabinete da secretária reproduzido pela AP, “Em cada reunião, transmitimos expressamente as reais preocupações do governo Biden-Harris com o potencial impacto negativo das reformas energéticas propostas pelo México sobre o investimento privado dos EUA no México”. Granholm segue afirmando que “a reforma proposta também pode atrapalhar os esforços conjuntos EUA-México em energia limpa e clima”.

Em entrevista à agência de notícias Reuters, o tom da política é mais conciliador. Segundo ela, “houve receptividade [à posição americana], da mesma forma que fui receptiva a ouvir a explicação de por que essa lei foi apresentada”. A secretária acrescentou que há espaço para uma solução “que agradaria a todos”, observando que a atual proposta do México “não criaria condições equitativas” para empresas americanas que atuam, ou que desejam investir no país latino-americano.

Também no Congresso, atores políticos americanos apresentam reservas à proposta de reforma mexicana, ainda que sob diferentes pretextos. Um grupo de 20 congressistas texanos do Partido Republicano, liderados por August Pfluger (R-TX), manifestaram indignação com a reforma energética de AMLO em uma carta endereçada ao embaixador americano no México, Ken Salzar. Os representantes (deputados) e senadores afirmam que “O México tomou várias ações que discriminam os produtores de energia americanos e favorecem as empresas estatais”. Os políticos dizem ainda que “Essas medidas, entre outras, prejudicam nossa parceria comercial crítica com o México e violam, potencialmente, os principais princípios do USMCA”.

Membros do Partido Democrata também expressaram contrariedade com as alterações propostas pelo presidente mexicano. presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, o democrata Bob Menendez (D-NJ), juntou-se aos colegas Brian Schatz (D-HI), Tim Kaine (D-VA) e Jeff Merkley (D-OR) em manifestação aos secretários de Estado, Antony Blinken, e de Energia, Jennifer Granholm. Os democratas afirmam que a reforma de López Obrador “mina os esforços de desenvolvimento de energia renovável do setor privado no México em favor das indústrias estatais de combustíveis fósseis”, que prejudicariam a possibilidade de se atingir até mesmo as baixas metas de redução de emissão de carbono do México.

Por trás das preocupações ambientais, ausentes na carta escrita pelos republicanos, os senadores democratas ainda revelam preocupação com recursos minerais chave na busca pela transição energética. Os parlamentares afirmam que, “talvez mais prejudicial às prioridades do governo Biden, essa legislação proibiria concessões para extrair minerais estratégicos como lítio e cobre”. O lítio e o cobre são minerais essenciais para a fabricação de baterias, uma preocupação do governo Biden, tendo-se em vista sua intenção de substituir a frota de veículos movidos à combustão por carros elétricos.

Em sua reunião com o chanceler mexicano na Cidade do México, em 9 de fevereiro, John Kerry revelou que o governo dos EUA está mais disposto a usar a “cenoura do que a vara”. Segundo matéria da Reuters, Kerry prometeu oferecer ajuda financeira, sem citar valores, para a transição energética mexicana. Segundo o presidente do grupo empresarial CEEG, Alberto de la Fuente, para atingir a meta de energia renovável para 2014 o México precisa investir US$ 6 bilhões. Kerry ainda expressou a “necessidade” de que o presidente López Obrador garanta a “adequação da proposta às provisões do USMCA”.

A discordância sobre a compatibilidade da reforma com o USMCA dá espaço para que a disputa seja levada aos tribunais. Motivado pela revogação de uma licença ambiental, o caso ISDS Tecmed v. México resultou na concessão de uma indenização de US$ 5,5 milhões à corporação espanhola do setor de saneamento. A revogação generalizada das licenças do setor encontrada na proposta pode gerar indenizações bilionárias que têm o risco de apagar quaisquer benefícios que a reforma possa gerar para os cidadãos mexicanos. Visto que as ações são iniciadas pelos próprios investidores, mesmo que o governo americano não esteja disposto a impor custos ao México pela reforma, está fora de seus poderes impedir que suas empresas sigam este caminho.

Prevista para este mês de abril, a votação no Congresso é apenas o primeiro passo para a entrada em vigor da emenda constitucional, já que ela exige a aprovação de maioria das assembleias legislativas dos 31 estados mexicanos.

 

* Lucas Silva Amorim é pesquisador do OPEU e doutorando pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Contato: amorimlucas@usp.br.

** Primeira revisão: Rafael Seabra. Edição e revisão final: Tatiana Teixeira. Recebido em 12 fev. 2022. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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