Think tanks e política nas eleições de 2020 nos EUA

Por Tatiana Teixeira e Geraldo Zahran*

Desde o início do governo Trump, mas sobretudo no contexto eleitoral da midterms de 2018, algo começava a indicar mudanças na relação dos think tanks (TTs) com o atual Executivo. Por um lado, ambos os extremos do espectro – os mais conservadores e os mais progressistas – estariam recorrendo menos amplamente às já consagradas fontes de produção de conhecimento e de legitimação. Por outro, do mesmo modo, os institutos mais tradicionais estariam se afastando destes dois polos.

Em um plano mais geral e como ponto de partida, este texto converge conclusões e observações críticas sobre o papel dos think tanks (TTs) americanos na política doméstica, com base em duas pesquisas com perguntas e objetivos distintos: a tese de doutorado dos autores. Em outro plano, mais concreto, está o trabalho de ambos no Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU), uma tarefa que se dá, sobretudo, pelo acompanhamento diário da cena política americana.

Muitas foram as mudanças operadas com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Em relação aos think tanks, houve a reacomodação daqueles considerados atores relevantes para a Casa Branca, algo que acontece de forma rotineira a cada renovação da legenda no poder – se democratas, se republicanos. As idiossincrasias do governo trumpiano; suas escolhas erráticas; os embates com os conservadores mais tradicionais do Partido Republicano; as constantes críticas feitas por institutos de todo espectro político; os recorrentes ataques do presidente e de outros membros de sua administração ao discurso científico e à comunidade acadêmica; além da hostilidade e da desconfiança para com as instituições estariam apontando, porém, para um relativo distanciamento entre o núcleo duro do governo atual e o universo dos TTs. Este é um primeiro movimento.

Um outro fato observável estaria acontecendo entre os democratas, sigla em que se observa o fortalecimento da ala mais progressista e na qual seus principais expoentes na corrida eleitoral para 2020, Bernie Sanders e Elizabeth Warren, estariam buscando fontes alternativas para aconselhamento e elaboração de programas em sua campanha nestas primárias. Think tanks historicamente vistos como principais celeiros de ideias democratas têm sido menos procurados por estes políticos, ou têm-se afastado, de forma intencional, mantendo-se de modo seguro e confortável no centro. Uma hipótese seria que, em tempos tão polarizados politicamente, os TTs estariam optando cada vez mais pela moderação para não se isolarem e não afastarem doadores moderados.

Implícito na criação e na narrativa cuidadosamente elaborada e disseminada pelos TTs sobre si mesmos está que eles devem ser objetivos e independentes. Essa promessa apenas idealmente cumprida se ancora na suposição de que qualquer pesquisa envolvendo políticas públicas deve (e será) feita com objetividade, dentro de parâmetros de racionalidade e de neutralidade e pelo interesse comum.

A narrativa fundacional e a própria natureza dos principais debates sobre os think tanks na Academia, na imprensa e na política americanas contribuem para reforçar a percepção de que se trata de um tipo de instituição pensado e criado para uma atuação com propósitos específicos, independentemente de suas alegadas posições político-ideológicas, ontológicas, epistemológicas, ou metodológicas. Seguindo a longa trajetória de pesquisas dos autores deste trabalho, acredita-se, porém, na impossibilidade de se blindar a produção de conhecimento desses institutos, tornando-a totalmente objetiva. Afinal, seus próprios pesquisadores estão imbuídos de valores que dizem respeito a ser americano.

Think tanks e partidos nos EUA

No artigo “Policy Experts in Presidential Campaigns: A Model of Think Tank Recruitment” publicado no periódico Presidential Studies Quarterly em 1997, Donald Abelson e Christine Carberry afirmam que duas características ajudam a explicar o que leva candidatos à Presidência a recorrerem aos especialistas dos think tanks. Estes mesmos traços também ajudam a apontar quando isso tende a acontecer. A primeira característica é seu status em Washington – se são insiders, ou outsiders, especialmente nas áreas de Política Externa e de Segurança Nacional e sobre críticos temas domésticos. A segunda diz respeito ao peso e ao nível de rigidez de suas crenças e de suas percepções. Com base nessas duas características, Abelson e Carberry elaboraram quatro categorias, que levam em consideração a trajetória profissional do candidato e seu posicionamento ideológico:

1) Washington Outsider, Strong Ideologue: mais propensos a recorrer aos think tanks por seu limitado conhecimento da agenda doméstica e internacional, assim como da máquina administrativa federal;

2) Washington Insider, Strong Ideologue: embora tenham mais conhecimento dos meandros do poder, buscam ajuda para reforçar o aspecto ideológico de sua agenda;

3) Washington Outsider, Weak Ideologue: menos propensos a procurar os advocacy think tanks, já que não buscam validação ideológica para suas ideias, voltando-se para os institutos mais tradicionais, dedicados à pesquisa; e

4) Washington Insider, Weak Ideologue: os menos prováveis a recorrer às credenciais dos TTs para a campanha, formar seu gabinete, ou pedir assessoria.

O que mais atrai esse público é, de fato, a capacidade desses especialistas de identificar, antecipar e responder as questões mais urgentes no debate – aquelas, portanto, de maior repercussão eleitoral. Ainda segundo Abelson e Carberry, outro aspecto atraente são as conexões e a experiência dos especialistas mais renomados desses institutos. Assim, não apenas informam, como adquirem a função de “validar” o candidato e sua plataforma e, no caso dos advocacy think tanks, têm como base crenças e ideologias compartilhadas.

Desde o início do atual mandato, com o presidente Donald Trump preferindo ocupar os altos escalões de seu governo com lideranças militares, empresariais e membros de seu núcleo familiar, os especialistas de think tanks vêm perdendo visibilidade no Executivo. A notória exceção parece ser a Heritage Foundation.

Em relação às primárias democratas, têm sido frequentes os comentários sobre o distanciamento de políticos como os senadores Bernie Sanders (I-VT) e Elizabeth Warren (D-MA) dos TTs mais tradicionais, com os quais o partido costuma contar em campanhas eleitorais, como Center for American Progress, Brookings Institution, ou New America Foundation. Estas colaborações estariam acontecendo de forma mais pontual do que sistemática, com a participação de institutos menores e de pesquisadores de renomadas universidades.

Na imprensa americana, o People’s Policy Project (PPP) e o Institute for Policy Studies aparecem como algumas das fontes de ideias para a equipe do “democrata-socialista” Sanders, em temas como desigualdade social, e o Roosevelt Institute, Organization for Competitive Markets, Open Markets Institute, Düsseldorf Institute for Competition Economics, ou W. E. Upjohn Institute for Employment Research, além de artigos de acadêmicos publicados em periódicos como o Journal of Applied Business and Economics e o American Journal of Sociology, para Elizabeth, em políticas voltadas para a classe trabalhadora. Entre os nomes que estariam colaborando com a campanha da senadora e de seu programa “anti-Wall Street”, estariam “intellectuals inclined to challenge conventional wisdom, and people long on expertise in their subject matters but shorter on experience in the hard-knock political arena”.

Uma das hipóteses é que haveria uma desconexão com os nomes mais progressistas do partido, devido à ausência de ideias inovadoras e ousadas nos think tanks mais mainstream e à sua incapacidade de “pensar fora da caixa”. Outra hipótese é que, temas importantes nesta agenda, como o perdão da dívida estudantil e ensino superior gratuito, são polêmicos e se posicionar sobre eles pode ter custos após a definição do cenário eleitoral. Mas que custos exatamente? A cada vez mais acentuada polarização política em Washington parece estar provocando um rearranjo no universo dos think tanks americanos – ou pelo menos naqueles mais próximos do poder, ou que almejam alcançar este status. Esta mudança é de que natureza? Que consequências pode ter para o tipo de pesquisa que se faz nestas instituições e para a busca por recursos? Estas são algumas das inquietações que os autores buscam responder.

 

* Tatiana Teixeira é Editora do OPEU, pesquisadora do INCT-INEU e do NEAI (Ippri/Unesp) e assistente editorial da revista Sul Global, do IRID (UFRJ). Geraldo Zahran é pesquisador vinculado ao INCT-INEU, doutor em Estudos Internacionais pela Universidade de Cambridge e membro da equipe do podcast Chutando a Escada.

** Este Informe é uma versão reduzida do trabalho preparado pelos autores para a Conferência Brasileira de Estudos Políticos sobre os Estados Unidos, promovida pelo INCT-INEU e realizada de 25 a 28 de novembro de 2019, em São Paulo.

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