O poder dos Estados Unidos está declinando – e não há por que se preocupar

por Stephen M. Walt

Traduzido da Foreign Policy*

 

No início desta semana, David Ignatius, do Washington Post, publicou uma coluna interessante sobre o declínio da “influência” dos Estados Unidos no Oriente Médio. Seu tema central é que o “desligamento” dos Estados Unidos da região está permitindo que atores locais tracem seus próprios caminhos, e que muitos deles agora andam tomando decisões erradas. Na sua opinião, as perspectivas de mudanças positivas na região diminuem, e todos nós perderemos com isso.

É uma coluna séria, que vale a pena ser lida. É também reveladora porque baseia-se em uma dessas suposições não declaradas, que são convicções na comunidade de política externa dos Estados Unidos. Especificamente, sugere que a influência norte-americana é sempre algo bom e que a sua diminuição (seja por acidente ou planejamento) é uma coisa a se lamentar. Porém, observando-se os resultados da política dos Estados Unidos nos últimos 25 anos – especialmente no Oriente Médio, mas também em alguns outros lugares – esse posicionamento pode não ser o que se deseja defender até a morte.

É fácil entender por que as elites da política externa americana gostam de ter muita “influência”. Até certo ponto, é inevitável. Os Estados Unidos ainda são o gorila ultrapesado do sistema internacional, e outros atores globais, inevitavelmente, prestarão muita atenção ao que o Tio Sam faz. Para os praticantes de política externa, ter muita influência e estar envolvido em tudo também é uma experiência inebriante; significa que governos estrangeiros atenderão suas chamadas, lhe tratarão com deferência e respeito quando você os visitarem e, às vezes, seguirão seu conselho (ou pelo menos fingirão). Se você está no ramo de política externa, é muito mais gratificante representar os Estados Unidos do que ficar do outro lado, em nome de um país pequeno ou fraco, cuja voz não se faz presente.

Mas “influência” (um termo notoriamente nebuloso) é apenas um meio para um determinado fim; não é o fim em si. Ter muita influência não é necessariamente uma coisa boa se você não tem ideia do que fazer com ela, se o que escolher for errado, ou se acabar assumindo responsabilidades, e pagando o preço por infortúnios e erros que não soube ou não conseguiu evitar.

O que me leva, naturalmente, ao Oriente Médio, onde a influência norte-americana, supostamente, está diminuindo nesse momento. Qual é o histórico da influência dos Estados Unidos no passado recente?

Poderia-se argumentar que a influência norte-americana foi positiva em boa parte da Guerra Fria. O papel dos Estados Unidos no Oriente Médio foi bastante limitado: Washington apoiou vários aliados por alguma combinação de razões políticas econômicas, estratégicas e domésticas, e trabalhou duro para limitar o papel soviético na região e garantir que o petróleo e o gás continuassem fluindo para mercados no mundo todo. E, até a primeira Guerra do Golfo, em 1991, Washington fez tudo isso sem ter de enviar forças terrestres ou aéreas para a região, pelo tempo que fosse, e sem ter de lutar guerras caras. Em vez disso, os Estados Unidos confiavam em diplomacia, cooperação em inteligência e assistência externa, e, geralmente, agiam como “offshore balancer”, contando com aliados locais e mantendo suas próprias forças de prontidão. Chegou a mudar de lado uma ou duas vezes, quando as circunstâncias estratégicas ditavam. Talvez a política dos Estados Unidos não tenha sido um sucesso perfeito, mas, no geral, aquela abordagem funcionou muito bem.

Mas a influência dos Estados Unidos na região – embora considerável – vem sendo quase totalmente negativa desde então. Para começar, apesar de ter enorme potencial de alavancagem à sua disposição, sucessivos governos democratas e republicanos manipularam incorretamente o processo de paz de Oslo, alimentando o extremismo, e ajudando a transformar a solução de dois Estados, defendida pelos americanos, em letra morta já em 2018. O apoio incondicional dos Estados Unidos para seus vários clientes do Oriente Médio também ajudou a inspirar grupos como a Al Qaeda, e a política de “dupla contenção” adotada pelo governo Clinton, em 1993, ajudou a desviar a atenção de Osama bin Laden dos seus inimigos locais (por exemplo, a Casa Saud) para o “inimigo distante”, com os resultados que todos vimos em 11 de setembro de 2001.

Depois do 11 de setembro, o governo Bush decidiu que os Estados Unidos precisavam de mais influência na região, e tentou iniciar uma transição democrática derrubando Saddam Hussein e estabelecendo uma democracia pró-americana no Iraque. Esse exercício equivocado de “influência” levou a uma maior influência iraniana e à ascensão do Estado Islâmico, desperdiçou vários trilhões de dólares e milhares de vidas, distraiu dois governos sucessivos e desferiu um duro golpe no prestígio dos Estados Unidos. Notavelmente, o governo Obama repetiu esse erro em menor escala na Líbia, ajudando a derrubar Muammar al-Gaddafi, embora não tivesse ideia do que viria depois dele.

A “guerra global ao terror” arrastou os Estados Unidos para a Somália e também para o Iêmen, com efeitos desastrosos em ambos os lugares, e os Estados Unidos agora usam sua “influência” para apoiar uma brutal campanha militar saudita no Iêmen, assumindo, portanto, responsabilidade indireta na crise humanitária mais grave do mundo. E não esqueçamos como a “influência” dos Estados Unidos pressionou o Egito a se democratizar depois que o presidente Hosni Mubarak foi expulso do poder e, em seguida, abraçou tacitamente o golpe militar que derrubou Mohamed Morsi, fechando os olhos para a repressão e a corrupção que continuam a afligir o Egito.

Eu poderia continuar, mas o ponto já deve ter estar claro. Os Estados Unidos tiveram muita influência durante aquele período, mas é difícil argumentar que tenha exercido aquela influência com muita sabedoria ou sucesso. Tanto os democratas quanto os republicanos são responsáveis ​​por esses repetidos desastres; suas falhas comuns são um dos poucos exemplos de bipartidarismo deixados em nossa política polarizada.

Para deixar claro: eu entendo por que as nossas elites da política externa se preocupam (constantemente!) com o declínio da influência dos Estados Unidos, e até consigo ver o lado ruim disso em certas circunstâncias. Mas devemos reconhecer que a “influência” é insuficiente por si só e, em alguns casos, contraproducente. A excessiva influência norte-americana nos deixa executando missões que não sabemos como fazer (como criar instituições políticas viáveis ​​em sociedades radicalmente diferentes), permite que atores locais nos culpem por suas próprias falhas, alimenta teorias da conspiração em casa e no exterior, e distrai os funcionários públicos em relação aos problemas que eles podiam realmente saber como resolver. Em algumas regiões – e o Oriente Médio estaria no topo da minha lista – menos influência americana é mais. Dado todo o sucesso que conseguimos ao tentar gerir essa região, talvez seja melhor deixar outros tentarem. Dificilmente, conseguiriam fazer pior.

Ir nessa direção exigirá uma grande mudança na mentalidade da elite da política externa dos Estados Unidos. Por muito tempo, seus integrantes acreditaram que o país fosse de fato a “nação indispensável” e que a solução para todos os problemas globais (ou pelo menos para a maioria) estava em Washington. Estudantes de Administração geralmente aprendem que a liderança eficaz também requer aprender a delegar responsabilidade, porque nenhuma pessoa tem o poder, o conhecimento e a sabedoria para fazer tudo. O que é verdade para os líderes individuais vale para as nações líderes: aprender a transferir problemas para os outros é, de fato, uma habilidade estratégica. Enquanto os norte-americanos encararem a influência como um fim inerente, e como um recurso a ser acumulado como ouro, nos veremos super comprometidos e seremos muito menos eficazes do que poderíamos ser. Como o presidente Harry Truman supostamente disse, “é incrível o que se pode realizar se não se importar com quem fica com o crédito”.

Daqui por diante, os norte-americanos deveriam se preocupar menos com o nível de influência que seu país desfruta – e, relaxe, pois ele ainda continuará fazendo sombra nos demais – e se preocupar muito mais sobre como essa influência está sendo usada. E adivinhe? Se as pessoas nos Estados Unidos fizessem um trabalho melhor ao selecionar os objetivos certos e realmente os atingissem, veriam rapidamente sua influência crescer; depois, o número de problemas com os quais teriam de lidar poderia encolher, em vez de crescer como kudzu ou mato no sol quente de verão.

 

Stephen M. Walt é professor de Relações Internacionais Robert e Renée Belfer na Universidade de Harvard. @stephenwalt

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 17/08/2018, em https://foreignpolicy.com/2018/08/17/americas-anxiety-of-influence/

 

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