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Olhares sobre os Estados Unidos

Instituto criado em 2008, INCT-INEU estuda o impacto do país nas relações internacionais

por Diego Moura*

O calendário marcava a véspera de Natal do ano de 2008 quando se formalizou o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), uma rede que tem pesquisadores das mais variadas regiões e instituições do Brasil – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e Pontifícia Universidade Católica (PUC) são apenas algumas na extensa lista de parceiros

Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o objetivo do INCT-INEU é estudar a fundo o impacto que os Estados Unidos têm nas relações internacionais e como suas políticas podem afetar os demais países.

O programa se divide em quatro grandes áreas ou linhas de pesquisa: política exterior dos Estados Unidos, que engloba política econômica internacional, grande estratégia e política de segurança; estruturas de governança global, e seus processos, instituições e políticas governamentais; integração e crise na América Latina e a política norte-americana para a região; e, por último, desafios e oportunidades na complexa relação Brasil-EUA.

Desde o século XIX há pesquisas sobre EUA por iniciativas brasileiras levando em conta o grande interesse que o país desperta nas diferentes partes do mundo. “Mas a ideia aqui é um estudo sistemático dos EUA em diferentes aspectos nas universidades”, explica Tullo Vigevani, professor emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, Câmpus de Marília, que coordenou o INCT-INEU nos sete primeiros anos de atividade da rede. “A mudança trazida pelo governo Trump torna o trabalho mais desafiador. Já vão surgindo projetos de pesquisa e trabalhos em andamento ou publicados sobre as mudanças que parecem profundas – essa, inclusive, é uma pergunta: se essas mudanças estruturais são definitivas ou não e como impactam as relações internacionais em geral.”

História

A história do INCT-INEU começou a ser escrita ainda entre os anos 1970 e 1980, segundo Vigevani. “O grupo que fez o projeto do instituto já tem uma longa tradição de estudos de relações internacionais”, conta. “Depois de alguns anos, as pessoas estavam desenvolvendo pesquisas e projetos individualmente. Ainda na década de 1990, foram iniciados alguns projetos de pesquisa que amarraram formalmente os pesquisadores.”

A experiência acumulada pelo grupo desaguou num marco imediatamente anterior à criação do INCT-INEU, em 2006, com a aprovação do Edital Renato Archer, homenagem ao diplomata, primeiro na história do Brasil a ocupar a cadeira de ministro da Ciência e Tecnologia. O projeto se chamava “Estados Unidos: impactos de suas políticas para a reconfiguração do sistema internacional”.

Sebastião Velasco e Cruz, professor titular do Departamento de Ciência Política da Unicamp e atual coordenador do INCT-INEU, destaca a estratégia do projeto. “Decidimos montar um projeto sobre um tema que fosse suficientemente amplo para acolher o interesse de todos que quisessem participar”, explica. “E aí surgiu a percepção de que um tema com essas características eram as políticas dos EUA, por uma razão muito simples: o sistema internacional, hierarquizado, tem esse Estado na cúpula e, por isso mesmo, ele está presente e tem interesses e filamentos em todas as regiões do mundo em praticamente todos os temas.”

Em 2008, portanto, quando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lança os editais para os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – são mais de cem, nas mais variadas áreas do conhecimento – “nós já tínhamos razoável acúmulo de conhecimento sobre isso”, anota Tullo Vigevani.

Inicialmente com duração de cinco anos, o projeto foi prorrogado. A renovação, antes garantida, ficou suspensa. Até que em 2014 nasce um novo edital que, devido à crise política e à enorme demanda de projetos a serem avaliados, ficou congelada.

“Como nos cinco primeiros anos esse programa se tornou conhecido e muitos grupos de pesquisa apresentaram seus projetos, esses pesquisadores, que seriam em princípio avaliadores, estavam em vários outros projetos”, diz Velasco e Cruz. “Houve, ainda, uma dificuldade em montar uma equipe num curto prazo e selecionar avaliadores internacionais.” Em 2016, a incerteza atingiu nível tão crítico que alguns chegaram a pensar que o programa desapareceria. “Eu achei implausível, porque o projeto envolveu muita gente no Brasil, então algum retorno haveria.”

No final daquele ano, entretanto, o INCT-INEU foi aprovado e renovado por mais seis anos. O projeto segue os fundamentos do anterior e agrega mais linhas de pesquisa e pesquisadores. “Os Estados Unidos estudam tudo, mas não são estudados”, diz Velasco e Cruz. “Então a ideia do programa era inverter ou, ao menos, equilibrar essa lógica. Nós nos aplicamos na realização deste objetivo.”

Formação

“Nós conseguimos algo muito importante, que é a formação de uma escola de relações internacionais, com certa tradição”, orgulha-se Tullo Vigevani. E essa escola formou um número incalculável de profissionais: pesquisadores de iniciação científica, mestrandos e doutorandos que, concluídos os trâmites acadêmicos, tornam-se professores.

Esse é o caso do pesquisador Filipe Mendonça, que estava no edital Renato Archer, passou pela fundação do INCT-INEU e, hoje, leciona disciplinas de história dos Estados Unidos e de sua política externa, tanto na graduação quanto na pós-graduação na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “Oriento também muitos trabalhos que envolvem de algum modo o poder global dos Estados Unidos”, acrescenta. “São dezenas de trabalhos, reunidos hoje no Grupo de Estudos sobre os Estados Unidos e no Grupo de Estudos sobre Poder Global.” Ele ainda mantém uma coluna fixa na rádio da universidade, em que comenta sobre os principais acontecimentos na agenda internacional para a população de Uberlândia.

“Hoje o INCT-INEU se consolidou como um importante grupo de criação e difusão de conhecimento sobre os Estados Unidos, subsidiando departamentos, institutos, grupos de pesquisa, apoiando na criação de teses, dissertações e iniciativas de todo tipo”, considera. “Os livros publicados pelo Instituto hoje servem de referencial histórico, teórico e metodológico para inúmeras pesquisas que estão sendo desenvolvidas sobre os Estados Unidos.” São mais de 40 obras publicadas – uma parte importante pela Editora Unesp, com a Coleção Estudos Internacionais (ver box com lançamentos). Somem-se a isso artigos, participação em congressos, disciplinas sobre os EUA em cursos de graduação e pós-graduação pelo Brasil.

Outras iniciativas

Além das reuniões dos membros dos grupos temáticos a distância ou presenciais e em grandes eventos de organizações de pesquisa, a produção do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos encontra outros caminhos de veiculação.

“O grande difusor externo dos trabalhos é o Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU)”, explica a pesquisadora Neusa Bojikian. “É um produto do INEU, uma plataforma digital de notícias na qual os pesquisadores acabam escrevendo artigos de opinião, analíticos, de conjuntura, ao lado de traduções de artigos publicados em veículos internacionais.”

A ideia da plataforma é fornecer ao público interno e externo interessado nos Estados Unidos uma fotografia em tempo real do que acontece no país. “O resultado é muito bom, bastante relevante”, pontua Bojikian. “Tem uma repercussão muito boa.”

Em outra linha de atuação, com um formato audiovisual, a proposta de pesquisa sobre a experiência dos Peace Corps (Corpos da Paz) em Pernambuco, em meados da década de 1960, com voluntários norte-americanos recém-chegados ao Brasil em um contexto de golpe militar e infiltração da agência de inteligência (CIA) na América Latina deu origem, em 2017, ao documentário Em Nome da América, ganhador do Prêmio Petrobrás de melhor documentário brasileiro, na 41.a Mostra de Cinema de São Paulo.

Conduzido pelo cineasta Fernando Weller, pesquisador e professor de Cinema da Universidade Federal em Pernambuco (UFPE), recebeu apoio do INCT-INEU para realizar entrevistas e pesquisa documental em fontes primárias nos Estados Unidos. “E consegue mostrar, assim, a maneira pela qual milhares de jovens atraídos pelo ideal desinteressado de contribuir para o bem-estar de populações desassistidas, no Brasil como em outras partes do mundo, foram postos a serviço da estratégia geopolítica de grande potência”, pontua documento do INCT-INEU.

Futuro

Diante das possibilidades de ampliar a produção e gestão de conhecimento sobre os Estados Unidos e de temas de interesse do Estado Brasileiro, se discute a possibilidade de criação uma associação científica voltada especificamente para essa área de estudo.

“O INCT-Ineu formou uma geração de pesquisadores”, diz o pesquisador Filipe Mendonça. “Penso que poderemos, nos próximos anos, apresentar mais outros tantos resultados relevantes, fruto de dissertações e teses desenvolvidas no âmbito do instituto, aprofundando em temas da política, da economia e da sociedade estadunidense até então pouco abordados em língua portuguesa. Gostemos ou não, os Estados Unidos são a principal força no sistema internacional contemporâneo e possuem um peso desproporcional nas relações hemisféricas.”

Neusa Bojikian segue a mesma linha de pensamento. “As perspectivas são as mais interessantes possíveis, sobretudo porque as instituições estabelecidas depois da Segunda Guerra Mundial, mais do que criticadas, estão sendo seriamente ameaçadas pelos seus próprios criadores”, acredita. “A permanência dessas instituições está sendo questionada. Então, o INCT-Ineu tem um papel absolutamente relevante e vai estar pronto a oferecer entendimentos sobre como e por que as instituições globais passam por tais questionamentos.”

*Veja mais detalhes sobre os últimos lançamentos da Coleção Estudos Internacionais, publicada pela Editora Unesp, na reportagem no site da Unesp Ciência.

 

Artigo originalmente publicado em 27/08/2018, em: http://unan.unesp.br/destaques/33683/olhares-sobre-os-estados-unidos

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