A Cúpula Trump-Putin: de rivais a aliados?

Podemos estar vendo a centralização do poder mundial nas mãos de dois megalomaníacos com armas nucleares.

por Michael T. Klare
Traduzido do The Nation*

De modo geral, a cobertura da cúpula Trump-Putin em Helsinque se concentrou nos comentários dos dois líderes sobre a intromissão russa na eleição presidencial norte-americana de 2016, com Putin negando qualquer envolvimento e Trump jurando que acredita tanto (se não ainda mais) no presidente russo quanto em suas próprias agências de inteligência – uma postura que desencadeou um tsunami de indignação dos democratas (e de mais do que somente alguns republicanos) nos Estados Unidos. Mas, por mais justificada que seja a indignação, concentrar-se apenas nessa troca de afirmações significaria deixar passar em branco o principal resultado da cúpula: a inauguração por parte de Trump e Putin do que pode vir a se tornar um novo modelo de relações internacionais baseado na gestão conjunta e monopolista dos assuntos mundiais.

Pelo que pôde ser extraído dos seus comentários públicos, os dois discutiram principalmente como transformar o conturbado relacionamento entre os Estados Unidos e a Rússia, de hostil e conflituoso para comprometido e colaborativo. Embora reconhecendo as diferenças fundamentais em muitos assuntos, como a Crimeia e o acordo nuclear do Irã, ambos disseram que terão como objetivo encontrar afinidades sempre que possível e cooperar na prevenção de disputas regionais que possam minar seus interesses centrais.

Ambos os presidentes voltaram a este ponto repetidamente, o que dá a entender que eles podem ter decidido em sua conversa particular fazer disso o ponto alto da cúpula.

“Como grandes potências nucleares, temos especialmente a responsabilidade de manter a segurança internacional”, começou Putin. Isso envolve, afirmou ele, cooperação em relação à não-proliferação nuclear e à luta contra o terrorismo. “Também mencionamos várias crises regionais. Não é sempre que nossas posturas exatamente se encaixam e, no entanto, os interesses coincidentes e mútuos são muitos. Temos que procurar pontos de contato e interagir de forma mais próxima em variados fóruns internacionais”.

A Síria, explicou ele, é uma área que serve de modelo para essa coordenação. “Tanto os militares russos quanto os americanos adquiriram uma experiência na coordenação de suas ações muito vantajosa, estabelecendo canais de comunicação operacional que permitem evitar incidentes perigosos e colisões não intencionais no ar e no solo.”

Trump adotou o mesmo tom para descrever sua nova relação de trabalho com o líder russo.

“As desavenças entre os nossos dois países são bem conhecidas, e o presidente Putin e eu as discutimos bastante hoje”, declarou ele. “Mas se nos cabe resolver muitos dos problemas que o mundo enfrenta, então teremos que encontrar formas de cooperar na busca de interesses compartilhados.”

Como Putin, Trump falou da necessidade de mais cooperação em relação à não proliferação nuclear e ao contraterrorismo. “Tanto a Rússia quanto os Estados Unidos sofreram terríveis ataques terroristas e concordamos em manter um canal aberto de comunicação entre nossas agências de segurança para proteger nossos cidadãos dessa ameaça global”, observou ele.

Mas ele foi ainda além, endossando a sugestão de Putin para a coordenação militar em áreas disputadas como a Síria. “A cooperação entre nossos dois países tem o potencial de salvar centenas de milhares de vidas [na Síria]”, Trump afirmou sem, no entanto, explicar como. E então, em um gesto incomum, ele propôs uma coordenação futura entre as principais autoridades de segurança dos Estados Unidos e da Rússia na superação de problemas desse tipo. “Também concordamos que representantes de nossos conselhos nacionais de segurança se reunirão para dar seguimento a todas as questões que abordamos hoje” – um passo quase inconcebível para dois países cujas forças armadas estão preparadas para se confrontar em várias partes do mundo.

Na transcrição de sua coletiva de imprensa, há mais passagens semelhantes, sempre reforçando o mesmo conceito: apesar de nossas diferenças, os principais líderes dos Estados Unidos e da Rússia estão melhor posicionados para considerar quaisquer distúrbios que surjam nas periferias de suas respectivas esferas de influência e na obtenção de resultados que os beneficiem mutuamente – independentemente do bem-estar ou das preferências de quaisquer pessoas envolvidas nesses levantes.

Em um ponto, Trump expressou solidariedade às vítimas da carnificina na Síria. “Você tem esse horror – se você vir – e eu vi relatos, vi fotos, já vi quase tudo.” Mas nunca passou pela cabeça dele que essas pessoas devam ter qualquer voz na resolução do conflito; isso é algo que somente líderes como Trump e Putin, bem como seus subordinados militares, podem resolver. Sem mencionar que tanto as forças armadas russas quanto as norte-americanas confiaram em ataques aéreos para alcançar seus objetivos estratégicos – no caso da Rússia, derrotar os rebeldes anti- Assad, no dos Estados Unidos, esmagar o Estado Islâmico – causando ambas grande número de mortes civis.

No que diz respeito à Síria, Trump observou: “nossas Forças Armadas se dão muito bem”. Ao que Putin anuiu: “Concordo, concordo com o presidente Trump, nossos militares cooperam bastante bem juntos. Eles se dão bem e espero que possam continuar assim no futuro”.

Resumindo, a mensagem que fica dessas afirmações dos dois presidentes é que as instituições internacionais existentes – ONU, OTAN, União Europeia – perderam sua eficácia como instrumentos de solução de problemas e resolução de conflitos e que somente a Rússia e os Estados Unidos, em virtude de seu poder militar superior e (aos olhos deles mesmos) líderes incrivelmente talentosos, são capazes de resolver grandes disputas regionais. Como as duas grandes potências têm interesse em preservar a estabilidade global, os problemas podem ser resolvidos por meio de consultas periódicas entre seus líderes, como essa reunião em Helsinque.

Certamente ouviremos muito nos próximos dias sobre os comentários de Trump e Putin a respeito do envolvimento russo na eleição de 2016, mas não devemos ignorar as implicações dessa nova abordagem Trump-Putin em relação à gestão global, centralizando o poder mundial nas mãos de dois megalomaníacos com armas nucleares. A erosão da democracia em âmbito doméstico é, certamente, motivo de grande preocupação, mas não menos do que seu desaparecimento no cenário mundial.

 

Michael T. Klare, correspondente de defesa do The Nation, é professor emérito de estudos de paz e segurança mundial no Hampshire College e membro visitante sênior da Arms Control Association em Washington, DC.

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 17/07/2018, em https://www.thenation.com/article/trump-putin-summit-rivals-confederates/

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