Parceiros da OTAN não sabem se a aliança sobrevive a Trump

por Julian Borger

Traduzido do The Guardian*

 

Europeus esperam que o presidente que menospreza aliados e elogia autocratas seja só uma aberração, mas temem que os problemas sejam mais profundos.

As palavras “SOMOS ALIADOS” estão impressas em letras amarelas e brancas, de 60 centímetros de altura, ao redor das grades da sede da Otan, em Bruxelas, na véspera da cúpula de quarta-feira.

Depois de quase sete décadas da mais bem sucedida aliança da história mundial, um lembrete desse tipo não deveria ser necessário. Mas, dados os acontecimentos do último ano e meio, não resta dúvida do que esta mensagem pretende dizer e a quem.

Donald Trump estará em Bruxelas para a cúpula na próxima semana e ele tem toda intenção de impedir qualquer tentativa de consenso e solidariedade.

“Vou dizer para a OTAN, você tem que começar a pagar suas contas”, disse Trump na quinta-feira, diante de uma multidão alvoroçada em Montana. Em voz alta, o presidente ponderou sobre o benefício para os Estados Unidos de pagar pela defesa coletiva da Alemanha.

Ele disse que avisou à chanceler da Alemanha, Angela Merkel: “Sabe, Angela, não posso garantir, mas estamos lhe protegendo, e isso vale muito mais para você do que para nós, porque não sei quanta proteção nós ganhamos ao lhe proteger”.

A difamação da OTAN e da União Europeia (UE), aliados de longa data dos Estados Unidos, tornou-se tão comum na oratória do presidente americano quanto seus elogios a autocratas como Kim Jong-un e Vladimir Putin, com que ele se reunirá em Helsinque, em 16 de julho.

“Você sabe – o presidente Putin é da KGB, e coisa e tal”, disse Trump, referindo-se a críticas sobre seu relacionamento com o líder russo. “Sabe, Putin é legal, Putin é legal. Ele é legal. Somos todos legais. Somos gente”.

Numa tentativa de trazer uma narrativa mais ortodoxa, a embaixadora dos Estados Unidos na Otan, Kay Bailey Hutchinson, informou aos jornalistas nesta semana que a aliança OTAN está firme e que os Estados Unidos se solidarizariam com seus parceiros ocidentais em responsabilizar a Rússia por suas ações na Ucrânia, sua intromissão nas eleições ocidentais e o alegado uso de agente nervoso no Reino Unido.

Mas ninguém sabe o que Trump dirá em Bruxelas ou Helsinque, ou durante sua viagem ao Reino Unido. Como mostrou depois da cúpula do G7 em junho, em Quebec, ele pode desencadear uma crise na coesão ocidental só com piadas improvisadas dirigidas a antigos aliados.

Até agora, as autoridades americanas e europeias procuraram, uniformemente, minimizar a importância das palhaçadas de Trump, insistindo que os pilares da Aliança Atlântica são fortes. Trump veio do céu como um raio, e passará, enquanto as instituições de segurança do Ocidente e seus valores comuns ficarão.

No entanto, alguns líderes ocidentais e funcionários de alto escalão começam a se perguntar se essa avaliação complacente ainda é válida. Acham que, no fim das contas, Trump encontra eco. Quando destruiu a OTAN em Montana, milhares de pessoas o ovacionaram. Ele venceu a eleição de 2016, e mantém um índice de aprovação de 90% entre os republicanos, porque liberou os reflexos mais fundos, enterrados na política americana.

Os pessimistas argumentam que talvez Trump não seja exceção, uma anomalia no progresso transatlântico. Talvez a OTAN e o transatlanticismo sejam as anomalias, e a desconfiança e o desligamento dos Estados Unidos em relação à Europa seja a norma.

“De  maneira brutal, o que está sobre a mesa agora é um problema real que não foi criado pelo presidente Trump e não desaparecerá no final do mandato ou dos mandatos dele”, disse uma importante autoridade europeia. “O relacionamento transatlântico que todos nós ao redor da mesa consideramos um fato, não é um fato”.

Os sinais já existiam durante o governo de Barack Obama, argumentou o funcionário com preocupação. Obama também procurou reorientar o foco da política externa dos Estados Unidos, da Europa para a Ásia. Só não expressou o desengajamento tão grosseira e rudemente quanto Trump.

“De maneira muito diferente, os presidentes compreenderam o cansaço dos americanos com o engajamento internacional,” disse o funcionário.

“Acho que a maioria dos europeus sonha que, após o mandato de Trump, voltaremos à normalidade”, acrescentou, deixando claro que acha que isso não acontecerá. “Para os europeus, é um bom sinal de alerta. Talvez, o mundo dos europeus esteja despedaçado”.

Durante a maior parte de sua história, os Estados Unidos tentaram evitar se emaranhar na Europa e, de certa forma, conseguiram, desde a independência em 1776, até 1917 e a relutante entrada do país na Primeira Guerra Mundial. Mesmo assim, a maioria dos americanos ansiava sair o mais rápido possível. O Congresso virou as costas aos ideais internacionais do presidente Woodrow Wilson e se recusou a ratificar o Tratado de Paz de Versalhes, ou a permitir que os Estados Unidos ingressassem na Liga das Nações.

O Congresso resistiu a ser sugado para a Segunda Guerra Mundial, e os Estados Unidos poderiam ter ficado nos bastidores se o Japão não tivesse atacado Pearl Harbor em 1941, e a Alemanha tivesse declarado guerra aos Estados Unidos quatro dias depois.

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, em 1945, os americanos voltaram a fazer planos para desmobilizar 90% de suas tropas. Mas nos dois anos seguintes, tornou-se cada vez mais claro que os Estados europeus não se recuperariam economicamente sem a ajuda dos Estados Unidos e que a União Soviética de Stalin se aproximava como ameaça global. Por isso, os Estados Unidos permaneceram na Europa, reconstruindo a Alemanha e formando a OTAN.

Depois, a Europa prosperou e a União Soviética desapareceu. Uma Rússia revanchista tomou o seu lugar, mas é um poder muito mais punitivo, apenas a quinta maior economia da Europa.

“A Rússia não é uma ameaça existencial. Não é percebida assim, como uma ameaça existencial, em Londres, Paris ou Roma. Não é uma ameaça unificadora ”, disse a autoridade sênior europeia.

Com as condições da Guerra Fria que persuadiram os Estados Unidos a permanecer engajados na Europa agora são passado, há quem diga ser inevitável que os americanos, a certa altura, reconsiderem seu papel.

“Depois de 1919 e 1945, tivemos grandes debates sobre se deveríamos ficar na Europa ou ir para casa”, disse o historiador norte-americano Walter Russell Mead.

“Depois de 1990, houve muito pouco debate. A suposição era de que iríamos dobrar a agenda de construção da ordem mundial que aplicamos no Ocidente na Guerra Fria, só que globalmente. Nunca fizemos esse debate. Acho que estamos fazendo agora”.

Mead considera Trump e seus defensores um retrocesso a uma escola anterior de política externa dos Estados Unidos, personificada por Andrew Jackson, que ele diz ser o primeiro presidente populista do país. Os jacksonianos não veem a República como um conjunto de ideais, mas como o Estado-nação do povo americano (branco). A política externa de Jackson está focada em defender esse Estado-nação contra influências malignas e os impulsos cosmopolitas das elites.

Poucos dias depois de sua posse em janeiro de 2017, Trump pendurou no Salão Oval um retrato de Jackson, conhecido como o “assassino de índios” por suas campanhas brutais contra os nativos americanos.

Na época, o estrategista-chefe do novo presidente, Steve Bannon, telefonou para Mead e disse que seus escritos sobre a tradição jacksoniana, no livro de 2001, “Special Providence”, inspiraram a decisão de colocar Jackson num lugar de honra na nova Casa Branca. Ele viu Trump reviver a revolta de Jackson contra as elites cosmopolitas. Bannon já está bem longe, mas o retrato de Jackson continua pendurado na Casa Branca.

Mead não acha que a vitória eleitoral de Trump e sua prontidão para reescrever os princípios da política externa dos Estados Unidos significam que o pensamento de Jackson virou dominante. Tem cerca de 30 a 40% do apoio popular – “não é maioria, mas um grupo significativo”, disse.

A ideia de que a ascensão de Trump reflete uma reversão a uma norma americana anterior é controversa. Muitos analistas e historiadores políticos argumentam que ela projeta uma coerência nos impulsos da política externa do presidente que não é real.

Dan Drezner, professor de política internacional na Tufts University, diz que o que une os Estados Unidos e a Europa no mundo moderno vai acabar se mostrando muito mais forte do que a influência divisiva ​​de Trump.

“Esses são os pilares gêmeos das democracias liberais.São continentes, países e associações que têm muito mais em comum do que o contrário, disse Drezner. “Acho um absurdo a noção de que a OTAN vai se dividir.”

Mesmo enquanto Trump critica a Otan, seu governo – o Pentágono em particular – vem reforçando seu compromisso com a aliança no que diz respeito a recursos e tropas mobilizados no flanco oriental. A cúpula deste mês prevê a criação de dois novos comandos, um na Costa Leste dos Estados Unidos, para supervisionar a proteção das rotas marítimas transatlânticas, e outro na Alemanha, para executar a logística que garantirá que a aliança possa se organizar rapidamente quando ameaçada.

Os novos compromissos refletem as convicções atlanticistas do corpo militar e diplomático dos Estados Unidos, que podem estar tentando compensar a retórica anti-OTAN de Trump.

“Nunca é só uma coisa ou outra”, disse Margaret MacMillan, historiadora canadense e professora da Universidade de Oxford. “A ideia de que há um modo padrão de envolvimento ou um modo padrão de não envolvimento é muito bipolar. É muito mais complexo.

No entanto, mesmo que Trump não represente uma mudança definitiva na política externa dos Estados Unidos, não significa que a retórica anti-europeia e a adoção de ditadores por Trump não tenham um efeito corrosivo a longo prazo nas relações transatlânticas, acrescentou. “Acho que Trump está causando muitos danos e essas coisas não são facilmente desfeitas”, disse.

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 08/07/2018, em https://www.theguardian.com/us-news/2018/jul/08/nato-atlantic-alliance-survive-trump-analysis

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