Transferência controversa de mísseis S-400 para Turquia é fato consumado

Membro da Otan irritou os Estados Unidos quando comprou o sistema russo em dezembro passado

 

por Emanuele Scimia

Traduzido do Asia Times*

 

O acordo para aquisição do S-400, sistema de defesa de mísseis antiaéreos de longo alcance da Rússia, foi “concluído e a Turquia não voltará atrás na sua decisão”. Quando perguntado pelo Asia Times sobre rumores de que o governo do presidente Donald Trump tentou persuadir Ancara a comprar uma plataforma de defesa compatível com a arquitetura militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte,em vez de baterias S-400, o responsável pela OTAN no Partido Justiça e Desenvolvimento (PJD), da Turquia, foi inequívoco na resposta.

Ahmet Berat Conkar, membro do Parlamento turco e chefe da delegação turca na Assembleia Parlamentar da Otan, disse que Ancara “ofereceu cooperação total aos aliados da Otan para acabar com quaisquer preocupações a respeito da instalação do S-400”.

Ancara finalizou o acordo para comprar o sistema de defesa russo em dezembro passado e está prestes a se tornar o primeiro Estado-membro da Otan a colocá-lo em operação. Os Estados Unidos e outros aliados da Otan afirmam que o S-400 não pode ser integrado ao escudo de defesa da aliança atlântica, pois apresenta problemas de interoperabilidade. Conforme a Rússia ajuda a Turquia a implantar o S-400, Washington teme que Moscou possa ter acesso aos códigos, sistemas e tecnologia da Otan, bem como informações técnicas sobre o jato F-35A Lightning II.

O jornal pró-governo, Daily Sabah, citou um alto funcionário turco, dizendo que Ancara vem tentando amenizar as preocupações dos aliados. A ideia é impedir que os técnicos militares russos montem e executem o S-400 em solo turco. O trabalho terá que ser feito por militares turcos após treinamento na Rússia.

Conkar disse que, além do S-400, “outros sistemas podem ser considerados, caso a Turquia receba garantias dos aliados de que eles não serão bloqueados pelo Congresso (dos EUA)”.

Vale ressaltar que o consórcio franco-italiano, Eurosam, já trabalha com empresas turcas para desenvolver e coproduzir um sistema avançado de defesa aérea e de mísseis que possa ser conectado à rede de comando e controle da Otan.

“O importante para a aliança é que os armamentos comprados pelos países membros possam operar juntos”, disse um funcionário da Otan ao Asia Times. Ele enfatizou que “comprar equipamentos de outros países aliados geralmente melhora a interoperabilidade e a segurança”. A esse respeito, acrescentou que a Otan aprova “toda cooperação entre aliados para adquirir as capacidades centrais” e conta com a Turquia e os Estados Unidos para resolver quaisquer diferenças. no espírito da solidariedade aliada”.

Congresso dos Estados Unidos bate na Turquia

Tentativas do Congresso de bloquear a venda do caça F-35 para a Turquia, devido ao plano de compra do S-400, pioraram as já tensas relações de Washington com Ancara, um pilar da política de segurança dos Estados Unidos no Oriente Médio.

O recém reeleito presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, discorda de Washington quanto ao apoio americano na Síria aos combatentes das Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG) – que têm ligações com o movimento rebelde PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) na Turquia – e pela oposição à extradição de Fethullah Gülen, o polêmico clérigo muçulmano que o governo turco alega estar por trás da fracassada tentativa de golpe em julho de 2016. Para piorar a situação, os dois países também estão envolvidos num confronto comercial potencialmente prejudicial, causado pela imposição de tarifas sobre importações de aço e alumínio turco por Trump.

A aprovação no Senado dos Estados Unidos da Lei de Autorização de Defesa Nacional e da Lei de Operações Diplomáticas e Estrangeiras, em 2019, não impediu a Turquia de obter sua primeira aeronave F-35 em 21 de junho. Os pilotos turcos serão treinados no Arizona por cerca de um ano. Nesse meio tempo, o Congresso dos Estados Unidos deverá adotar a versão final das duas propostas de lei e suspender a transferência efetiva da aeronave para Ancara, que é um parceiro industrial no projeto do F-35.

Wess Mitchell, secretário de Estado adjunto dos Estados Unidos para Assuntos Europeus e Eurasiáticos, disse, na terça-feira, que se o governo turco insistisse na aquisição do S-400, a transferência de caças F-35 poderia ser negada, em conformidade com a Lei de Contenção dos Adversários dos Estados Unidos por meio de Sanções, que permite ao governo americano impor sanções secundárias contra países envolvidos em transações “significativas” com setores de defesa ou inteligência russos.

Manbij como moeda de barganha

Líderes turcos, inclusive do campo oposicionista, dizem que a compra do S-400 é motivada pela necessidade de proteger o país de possíveis ataques da Síria e do Iraque, devastados pela guerra. Segundo eles, as defesas nacionais da Turquia foram enfraquecidas desde que os aliados da Otan retiraram suas baterias de mísseis Patriot do sul da Turquia em 2015. No entanto, a realidade é um pouco diferente, pois a fronteira sudeste da Turquia está atualmente protegida pelos interceptadores Aster SAMP/T e Patriot, implantados pela Itália e pela Espanha.

Além disso, Ancara alega que tentou comprar uma plataforma de defesa aérea e de mísseis de aliados da Otan no passado, mas eles bloquearam a venda ou ofereceram condições contratuais desfavoráveis – por exemplo, os Estados Unidos se recusaram a vender o sistema Patriot.

Apesar desse cenário complexo, Soner Cagaptay, membro sênior do Washington Institute for Near East Policy, acredita que os Estados Unidos e a Turquia poderiam negociar. Para ele, “a Turquia pode tentar ceder na questão do S-400, como prova de boa vontade, em troca da disposição dos Estados Unidos para oferecer um acordo favorável em relação à presença do YPG em Manbij”. Ele se refere às negociações entre Washington e Ancara para a retirada da milícia YPG de Manbij, uma cidade síria situada a oeste do rio Eufrates e nas proximidades de uma área controlada pelos turcos.

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 30/06/2018, em http://www.atimes.com/article/turkeys-controversial-s-400-transfer-is-a-done-deal/

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