Divisão Diaoyutai: negociações comerciais EUA-China realçam diferenças profundas

por Scott Kennedy
Traduzido do Center for Strategic and International Studies (CSIS)*

Durante grande parte do ano passado, as autoridades chinesas reclamaram de não saber o que os Estados Unidos querem ou sobre com quem falar a respeito de nossas divergências comerciais. Essas questões foram respondidas decisivamente nos últimos dois dias, nas negociações no Complexo Diaoyutai, Casa de Hóspedes do governo chinês, em Pequim. Resultado: cuidado com o que você deseja!

A meta dos Estados Unidos parece ter sido restabelecer a credibilidade de que o país não procura só aumentar as vendas de produtos norte-americanos e que está pronto para adotar penalidades, caso nenhum acordo seja alcançado. Provavelmente, o objetivo do lado chinês foi evitar a escalada, oferecendo algumas cenouras, como mais acesso ao mercado no curto prazo e prometendo reformas mais profundas no longo prazo. Parece que o lado americano manteve o plano e alcançou seus objetivos, enquanto a China foi forçada a abandonar o seu e mudar a marcha.

Demandas em disputa

Os Estados Unidos pegaram todos de surpresa ao apresentar uma oferta detalhada e maximalista. A essência da posição americana é que a China se torne uma economia de mercado genuína num cronograma acelerado, e que os Estados Unidos reservem para si o direito de ser juiz e júri na avaliação do cumprimento dessa meta.

Muitos vão falar da exigência dos Estados Unidos para que a China reduza o superávit comercial bilateral em US$ 200 bilhões até o final de 2020, mas a verdadeira essência da posição americana é o desmantelamento da “Indústria China”, incluindo o abandono de políticas industriais que favorecem empresas domésticas e forçam as estrangeiras a compartilhar tecnologia; liberalizar totalmente o ambiente para investimento; eliminar barreiras tarifárias e não tarifárias; e expandir o acesso ao mercado para serviços e produtos agrícolas dos Estados Unidos. Para completar, os americanos exigem que a China não retalie quaisquer restrições a investimentos chineses adotadas por razões de segurança nacional, e que os Estados Unidos tenham o direito de impor penalidades unilaterais à China em caso de descumprimento do acordo.

Dadas as propostas dos Estados Unidos, provavelmente, a China se sentiu compelida a responder da mesma maneira. Enquanto os Estados Unidos se concentraram em estruturas e sistemas, a China visou produtos e setores específicos. Os chineses se comprometeram vagamente em fazer uma liberalização “significativa” de seus regimes de comércio ou de investimento, oferecendo-se para discutir a expansão das importações de filmes americanos e conceder aos Estados Unidos mais acesso à Zona Franca de Hainan. Ao mesmo tempo, exigiram que os Estados Unidos se abram totalmente para as importações de produtos e serviços chineses de alta tecnologia, e eliminem as barreiras para as empresas norte-americanas que vendem produtos de alta tecnologia na China, incluindo circuitos integrados. Também esperam que os Estados Unidos comecem a tratar a China como um economia de mercado nos casos de acordos de defesa comercial, e repensem a decisão de proibir empresas americanas de negociar com a fabricante de telecomunicações chinesa ZTE.

Colapso

A agência de notícias chinesa, Xinhua, divulgou um comunicado sinalizando que as conversas foram construtivas e que chegaram a um consenso em algumas áreas. Mas esse é o tipo de linguagem que eles usaram para descrever o resultado do Diálogo Econômico Compreensivo (CED, na sigla em Inglês), em julho de 2017, que terminou em impasse. Outro sinal de que houve pouco progresso é que, nos dias que antecederam à visita, foi divulgado que a equipe americana se reuniria com o presidente Xi Jinping e o vice-presidente Wang Qishan. Mas parece que essas reuniões foram canceladas devido a atritos. Os representantes americanos não emitiram uma declaração pública antes de partir de Pequim, deixando em aberto a possibilidade de que não houve sequer acordo para continuar as discussões.

Embora o secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, fosse o chefe formal da delegação dos Estados Unidos, a lista de demandas americanas tem todas as características do representante comercial Robert Lighthizer. Quando as negociações se aproximavam, comentaristas expressavam a preocupação de que o lado norte-americano não tivesse se preparado ou coordenado adequadamente; que talvez as divisões aparentes entre os campos ficassem expostas em Pequim, e que a China pudesse explorar essas fissuras jogando com os moderados, com os quais eles contavam para resgatar um acordo a ser apresentado ao presidente Trump mais ao gosto chinês. O resultado não parece ter sido esse.

Em vez disso, a lista detalhada de demandas foi o eixo dominante em torno do qual giraram as discussões sobre as preocupações dos Estados Unidos, e não houve como identificar um salvador disposto a dar garantias aos mercados financeiros. Como o conteúdo das duas listas é de conhecimento público agora, será difícil para o governo Trump aceitar um acordo somente para expandir as exportações de bens específicos, o que seria visto como uma retirada em massa, se não uma rendição total.

Embora os mercados internacionais e outros países tenham mostrado ansiedade constante com a possibilidade de uma guerra comercial e seus danos colaterais no curto e no longo prazo, o governo Trump ficou numa posição melhor para conquistar simpatia por sua visão da relação, particularmente quando contrastada com as demandas muito estreitas da China. A exigência mais polêmica dos Estados Unidos, que outros parceiros comerciais irão menosprezar, é o desejo do direito de impor penalidades unilaterais e não deixar o julgamento para a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas a posição da China também não é exatamente um endosso completo da OMC.

Em direção à escalada

Agora não resta dúvida de que o governo Trump não está blefando e que está mesmo disposto a lançar uma guerra comercial em larga escala, se a China não controlar radicalmente sua máquina de política industrial e criar um campo de ação mais nivelado. Dada a resposta mal humorada da China, parece que Pequim pretende seguir o mesmo caminho, se necessário, para manter seu sistema intacto, independentemente das consequências.

O próximo momento do grande teatro será a audiência de 15 de maio, em Washington, sobre a investigação e o relatório da Seção 301. Será a última ocasião formal para as partes interessadas tomarem partido. Supondo que nenhuma opinião seja mudada, nem novas propostas sejam apresentadas, os Estados Unidos terão permissão legal para aplicar tarifas sobre US$ 50 bilhões de mercadorias chinesas a partir de 23 de maio. A China disse que iria retaliar imediatamente com tarifas de US$ 50 bilhões. Se chegar a esse ponto, os Estados Unidos ameaçam uma retaliação de tarifas adicional sobre outros US$ 100 bilhões em produtos chineses. Ao mesmo tempo, o Departamento do Tesouro também trabalha numa opção paralela, no que lhe cabe na Seção 301 (sobre medidas coercitivas), para desenvolver um plano de restrição ao investimento chinês, o que pode ser economicamente ainda mais impactante do que as tarifas.

Se isso já não bastasse, o conflito comercial bilateral não ocorre num vácuo estratégico. Os Estados Unidos estão se preparando para uma cúpula de alto risco com a Coreia do Norte, e o resultado dessas conversas é tremendamente central para a segurança nacional chinesa. Ao mesmo tempo, Washington está em vias de tomar medidas referentes a Taiwan que não caem bem para Pequim, incluindo abrir, em meados de junho, uma nova instalação para sua embaixada não oficial em Taipei, o Instituto Americano em Taiwan (AIT, na sigla em Inglês).

Qualquer um desses problemas, por si só, pode pressionar significativamente o relacionamento EUA-China. Priorizar todos ao mesmo tempo cria uma mistura potencialmente combustível, que poderia levar o relacionamento a um ponto de inflexão. O governo Trump deve tomar várias medidas para reforçar sua posição nacional e internacional. Primeiro, agora que ambos os lados têm posições totalmente articuladas, é preciso haver uma discussão robusta inter-agências para determinar se os Estados Unidos podem reduzir suas demandas em amplitude ou profundidade, e quais demandas da China, caso haja, merecem ser atendidas. O governo também precisa avaliar a probabilidade do aumento e do desdobramento de um conflito envolvendo reduções no comércio e investimento de mão dupla, e, em seguida, tratar com industriais e regiões no país para tomar medidas de proteção a possíveis alvos dos Estados Unidos (por exemplo, na agricultura) e, assim, limitar a oposição interna. Por outro lado, é imperativo definir uma resolução permanente para as divergências com a Europa e outros amigos, relativas à investigação da Seção 232 sobre aço e alumínio, já que seria bastante difícil para os Estados Unidos vencer uma guerra comercial com a China enquanto participam, ao mesmo tempo, de uma batalha comercial com outros. E, finalmente, os Estados Unidos precisam manter a porta aberta para discussões com a China e a possibilidade de uma saída mutuamente aceitável para o conflito atual.

Mesmo que os dois lados estejam atualmente muito distantes, a diplomacia hábil e sofisticada e a disposição de comprometimento por ambos os lados podem nos ajudar a superar o que poderá ser um verão muito quente.

 

Scott Kennedy é vice-diretor da Cátedra Freeman em Estudos da China e diretor do Projeto sobre Negócios Chineses e Economia Política no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington.

Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 04/05/2018, em https://www.csis.org/analysis/diaoyutai-divide-us-china-trade-negotiations-highlight-deep-differences

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