Internacional

Índia e EUA nos 100 dias de Trump 2.0 

Primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente Donald Trump se reúnem na Casa Branca, em Washington, D.C., em 14 fev. 2025 (Crédito: Ministério das Relações Exteriores da Índia/Flickr)

Dossiê “100 dias de Trump 2.0” 

Por Eduardo A. Mangueira* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Índia] 

Como analisar os impactos da eleição de Donald John Trump como 47o presidente dos Estados Unidos para sua relação com a Índia? O que pode, à primeira vista, ser interpretado como uma quebra paradigmática em relação à política de Joe Biden, tendo em vista as relações amigáveis entre o primeiro-ministro Narendra Modi e Trump, revela uma realidade um tanto mais complexa. Apesar de uma retórica, em geral, combativa e das medidas erráticas de sua política tarifária, a análise do caso indiano ilustra a imbricação de fatores geopolíticos, domésticos e pessoais nesses cálculos. 

Contexto histórico 

A partir da Independência indiana em 1947, as relações entre os dois países passaram por momentos de tensão, principalmente predicada na posição da Índia, enquanto liderança do Movimento Não-Alinhado e de não adesão ao bloco capitalista. Inicialmente entendendo essa área como de baixíssima importância, esse contexto mudou com a Revolução Chinesa em 1949, e a Índia passa a ser considerada um possível contrapeso regional. Isso se dá por meio de sua proximidade retórica advinda de suas bases democráticas e do respeito internacional adquirido com um movimento de independência pacífico. O não-alinhamento com o bloco capitalista era visto por estadistas de Washington como uma incapacidade de entender o “perigo” comunista, e o fornecimento de armas estadunidenses para o Paquistão foi considerado por Nova Délhi como uma busca de ingerência estadunidense na região, que objetivava minar a segurança indiana.  

Este cenário de relações frias se manteve com o apoio dos EUA ao Paquistão na guerra indo-paquistanesa de 1971 e, apesar de uma maior proximidade após a liberalização da economia do país nos anos 1990, a criação de uma arma nuclear indiana em 1998 levou à imposição de sanções por parte dos EUA. Esta situação mudou na virada do século XX , com o fim dessas medidas, em 2001, e com a criação de acordos para cooperação nuclear, em 2005. Desde então, ambos aprofundaram suas relações de cooperação em defesa, comércio e desenvolvimento tecnológico, e os Estados Unidos são, atualmente, o maior parceiro comercial indiano.  

Os dois países estão também engajados em diversas iniciativas multilaterais, como o G20, o I2U2 (agrupamento composto por Índia, Irã, Emirados Árabes Unidos e EUA) e o Diálogo Quadrilateral de Segurança (composto por Índia, EUA, Japão e Austrália). Durante o governo Biden, porém, observou-se uma fragilização dessa relação, tendo em vista preocupações estadunidenses quanto ao caráter crescentemente iliberal do governo indiano, aos posicionamentos indianos em relação à Rússia e à acusação da responsabilidade de oficiais indianos acerca da tentativa de assassinato de uma liderança do movimento Sikhs for Justice em solo estadunidense. 

The virtual leaders’ summit of the Quad dialogue (White House/Flickr)(Arquivo) Cúpula virtual entre os líderes dos países integrantes do Quad, liderada pelo então presidente Joe Biden, em 19 mar. 2021 (Crédito: Casa Branca/Flickr)

Os primeiros 100 dias 

O premiê indiano, Narendra Modi, foi um dos primeiros a parabenizar Donald Trump após sua reeleição. Modi também fez uma das primeiras visitas à Casa Branca, durante a qual conversaram sobre compras militares — os Estados Unidos são um dos maiores fornecedores da Índia —, desenvolvimento tecnológico — tendo Modi se encontrado com Elon Musk — e comércio, com a busca por parte de Trump, simultaneamente, de sanar seu déficit em relação à Índia e o estabelecimento de um comércio de US$ 500 bilhões até 2030.  

Já no primeiro governo Trump (2017-2021), ambos tinham relações altamente cordiais, o que não impediu a ocorrência de diversos imbróglios no âmbito econômico. Em 2019, Trump acabou com o status de comércio preferencial do parceiro, o que foi respondido por tarifas indianas. Em 2025, o anúncio de tarifas estadunidenses de 26% sobre produtos indianos não foi respondido de forma similar. A mais recente visita do vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, a Nova Délhi foi marcada pela negociação dessas tarifas. Como pano de fundo, estavam as acusações prévias de Trump de que a Índia estaria abusando de suas próprias taxas para se beneficiar das relações com os EUA. Mesmo assim, o vice-presidente pediu relações mais próximas entre os dois países. Estas questões preocupam o setor agropecuário indiano, que teme a entrada de produtos mais baratos dos EUA.  

Enquanto a parceria Índia-EUA não parece ter sido um grande foco da política doméstica estadunidense, o contrário não é verdadeiro. A vitória de Modi, embora esperada, veio de forma muito mais acirrada do que o previsto, com seu partido, o Bharatiya Janata Party, perdendo 50 cadeiras no Parlamento. Com o entendimento, por parte da extrema direita indiana, de que Trump seria um aliado, esperava-se que sua eleição tivesse um efeito estabilizador no plano doméstico. Aqui, a premissa era que o governo Trump permitiria uma maior liberdade de ação para fazer valer os interesses indianos internacionalmente. Mesmo assim, críticos ao governo Modi afirmam que a aquiescência à imposição de tarifas sem retaliação apresentaria uma imagem de fraqueza. No mais, a política migratória de deportação sumária de Trump foi apoiada por Modi, que não buscou socorrer os indianos que fossem encontrados em situação irregular. 

Índia, Estados Unidos e China 

O fator chinês é, atualmente, um dos grandes motivadores da aproximação entre os dois países. Contenciosos sino-indianos são alguns dos desenvolvimentos mais recorrentes e relevantes para a região. A relação entre os dois foi inicialmente cordial. Mal-entendidos relacionados com o envolvimento indiano na questão tibetana e uma disputa territorial ainda corrente em torno da linha de controle atual — região fronteiriça indefinida no Himalaia, e que terminou na deflagração da guerra sino-indiana de 1962 — levaram, no entanto, a uma rivalidade persistente. Para além de uma disputa lindeira direta, Nova Délhi vê a crescente influência chinesa no Oceano Índico com preocupação. Para especialistas, trata-se de uma estratégia voltada para o estrangulamento do país, que é altamente dependente do comércio marítimo para a manutenção de sua segurança econômica e energética. Sendo assim, a Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) — o planejamento intercontinental de infraestrutura e interconectividade proposto por Pequim — é vista pela Índia como uma ameaça à estabilidade da região. Projetos como o porto construído no Sri Lanka e o Corredor Econômico China-Paquistão, que busca estabelecer uma conexão direta da China ao Índico, são entendidos como uma ameaça de segurança. 

Leaders of Sri Lanka and China commence work of the “Colom… | Flickr(Arquivo) O então presidente do Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa, e o presidente da China, Xi Jinping, inspecionam estrutura-modelo do projeto “Cidade Portuária de Colombo”, em 17 set. 2014 (Crédito: página oficial/Flickr)

Nesse contexto, a Índia buscou uma política de desenvolvimento tecnológico nacional, objetivando diminuir sua dependência do país vizinho. Além disso, empregou algumas políticas, como o banimento de aplicativos chineses, entre eles o TikTok. No âmbito internacional, buscou aumentar sua presença militar no Oceano Índico, bem como sua diplomacia azul, e estabelecer diversas parcerias regionais com o intuito de frear o avanço chinês na região, a partir de um discurso de manutenção da estabilidade regional. De forma a oferecer uma rota alternativa à ICR, diálogos foram iniciados em torno da criação de um Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa. Em seu esforço de desenvolvimento tecnológico, assinou com Washington a Iniciativa em Tecnologias Críticas Emergentes, um amplo acordo de cooperação tecnológica.  

Aliar-se aos Estados Unidos — o maior rival chinês na atualidade — se torna, então, essencial para a estratégia indiana, sendo este o objetivo por trás da criação do Diálogo Quadrilateral de Segurança, popularmente conhecido como “Quad”. O funcionamento desse agrupamento pode estar em risco, no entanto, devido às preferências observadas, por parte de Trump, de se abster de fóruns multilaterais de diálogo.  

Águas turbulentas à frente? 

Dessarte, têm-se que a Índia é parte essencial da estratégia estadunidense para o Indo-Pacífico, o que deve ser mantido no futuro próximo. Essa proximidade estratégica não significa, contudo, que essa relação será livre de contenciosos. A Índia tem a Rússia como uma parceria tradicional, como herança da Guerra Fria. Dela depende como fornecedora de armas e petróleo, cujos preços baixos em razão da guerra russo-ucraniana apresentaram uma fonte muito barata. A continuidade dessa parceria pode causar certos estranhamentos com relação a Washington. Além disso, a participação indiana em fóruns revisionistas e alternativos aos EUA, como o BRICS e a Organização para a Cooperação de Xangai, pode ser vista com desgosto pelo presidente. 

A eleição de Trump traz, portanto, algumas consequências relevantes. Em primeiro lugar, o estabelecimento de tarifas mesmo para aliados estratégicos relevantes como a Índia demonstra a clara prioridade das questões econômicas. Além de não favorecer a imagem de Modi dentro de casa, a aquiescência não-retaliatória indiana pode trazer à tona questionamentos acerca dos EUA enquanto um parceiro confiável. No mais, nota-se uma certa continuidade na estratégia de engajamento e aproximação com a Índia, possivelmente desde a Guerra Fria, de utilização da Índia como contrapeso à China na região, embora com uma maior proximidade ideológica e pessoal.  

 

* Eduardo A. Mangueira é mestrando em Relações Internacionais pelo PPGRI da PUC-Rio, onde é bolsista FAPERJ Nota 10 e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID/UFRJ). Atua como pesquisador do Núcleo de Avaliação de Conjuntura, vinculado à Escola de Guerra Naval (EGN), onde enfoca o Sul da Ásia, e como pesquisador voluntário na Liga de Estudos Ásia-Pacífico (LEAP/PUC-Rio). Foi bolsista de Iniciação Científica (PIBIC-CNPq) e pesquisador voluntário do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU) no Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU) de 2021 a 2024. Áreas de interesse: Segurança Internacional; Segurança Marítima; Segurança Ontológica; Índia; Indo-Pacífico. Contato: eduardo.a.mangueira@aluno.puc-rio.br. 

** Revisão e edição: Tatiana TeixeiraRecebido em 28 abr. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. 

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