Trump 2.0 vs. Paris: primeiras percepções acerca da agenda climática

(Arquivo) Os impactos do aquecimento global e da mudança climática nos EUA: Fumaça de incêndio florestal devastador cobre a área da Baía de São Francisco, bloqueando a luz do sol, em 9 set. 2020 (Fonte: NASA. Crédito: Aaron Maizlish/Flickr)
Dossiê “100 Dias de Trump 2.0”
Por Emanuel Assis Aleixo de Franco* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Clima]
O primeiro dia do segundo mandato de Donald Trump foi significativo para determinar o futuro dos esforços globais no combate às mudanças climáticas. Se, por um lado, o comunicado oficial de que os Estados Unidos sairiam do Acordo de Paris pela segunda vez demarcou a marginalização da pauta ambiental no governo republicano, o “We will drill, baby, drill” (“Vamos perfurar, bebê, perfurar”, em tradução literal), pronunciado em seu discurso de posse no Capitólio, deixou claro que, além da indiferença, essa agenda enfrentaria ataques ainda mais incisivos.
Passados quase 100 dias desde sua posse, o governo Trump 2.0 tem conduzido uma série de retrocessos nos compromissos de Paris. Após declarar “emergência energética nacional” nos Estados Unidos, o republicano vem revogando uma série de regulamentações ambientais aprovadas na gestão de Joe Biden, com o foco de expandir a exploração de petróleo e gás natural dentro e fora do território norte-americano, apoiando práticas de exploração nocivas ao meio ambiente, como o fracking. Para conseguir avançar nos desmontes da agenda para o clima, uma das primeiras medidas adotadas por Trump foi colocar na liderança da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) o ex-congressista Lee Zeldin, aliado do presidente e alinhado com as políticas de desregulamentação do novo governo.
Saiba mais sobre Lee Zeldin neste Informe OPEU de Kayla Arnoni Vertematti Baptista
Além disso, o presidente republicano assinou uma Ordem Executiva que autoriza, novamente, o uso em larga escala dos canudos de plástico nos Estados Unidos, indo contra as metas da gestão anterior de eliminação desses e de outros utensílios de plástico de uso único, como talheres, copos e pratos, até 2035. Em uma postagem nas redes sociais de sua conta oficial de presidente “POTUS”, assim como na conta oficial da Casa Branca, ele declarou: “We’re going back to plastic straws” (“Nós estamos voltando para os canudos de plástico”). Trump também encerrou oficialmente o American Climate Corps (Corpo Climático Americano), programa do governo Biden criado no final de 2023 para alocar jovens estadunidenses em trabalhos relacionados com proteção ambiental ou em empresas e organizações dentro do chamado “mercado verde”. Ao que parece, essas ações serão comuns dentro de uma série de desmontes ambientais que ainda estão por vir, fruto de uma campanha que prometeu revogar as leis climáticas nos Estados Unidos em troca de US$ 1 bilhão em financiamento de empresas de Big Oil.
Projeto 2025: da retórica à ação
Os primeiros 100 dias do segundo mandato de Trump mostram que o republicano vem seguindo, ao menos na pauta ambiental, uma série de políticas presentes no Projeto 2025, uma cartilha ultraconservadora financiada pela Heritage Foundation. Com o intuito de guiar a política nos Estados Unidos no segundo governo Trump, o Mandato para Liderança tem cerca de 900 páginas, das quais aproximadamente 150 se dedicam a atacar políticas e legislações ambientais e acordos climáticos internacionais. De acordo com um mapeamento feito pela revista TIME, quase dois terços das ações executivas emitidas por Trump até agora refletem, pelo menos parcialmente, as propostas do documento.

Fonte: site do Project 2025
Entre os objetivos do Projeto 2025, os principais se dedicam a enfraquecer internamente equipes, secretarias e pastas públicas de proteção ambiental nos Estados Unidos. Diminuindo o braço de atuação do governo nessas questões, a cartilha prevê a retirada da capacidade presidencial de proteger terras e águas públicas em parques nacionais e a vida selvagem no país (inclusive de espécies ameaçadas de extinção).
Além disso, propõe-se no documento a saída em massa de acordos internacionais para o clima (como o Acordo de Paris) e a revogação de leis fundamentais para a agenda ambiental no país, como a Clean Air Act (Lei do Ar Limpo), aprovada em 1970, a qual prevê que a responsabilidade de controlar a qualidade do ar para manter a saúde da população deveria ser da EPA, e da National Environmental Policy Act (Lei Nacional de Política Ambiental), também de 1970, que garante voz a comunidades locais em projetos ambientais que impactem seus territórios. O Projeto 2025 também pede o cancelamento de grande parte dos investimentos em energia renovável previstos na Inflation Reduction Act (Lei de Redução da Inflação), a mais abrangente legislação voltada para o enfrentamento das mudanças climáticas já aprovada nos Estados Unidos, durante o governo de Joe Biden, e apoia as iniciativas do Congresso para revogar integralmente essa lei.
Outra proposta do Projeto 2025, para além de desregulamentar e enfraquecer estruturas e agentes ambientais nos Estados Unidos, é o plano de expandir a mineração e a exploração de combustíveis fósseis em terras públicas. A cartilha orienta as agências responsáveis por terras e recursos hídricos federais a priorizarem a exploração corporativa de petróleo e gás. Também propõe a expansão da infraestrutura energética, incluindo a aprovação de oleodutos como o Keystone XL e o Dakota Access. Além disso, a agenda busca, diretamente, a expansão do Projeto Willow, que já representa o maior projeto de extração de petróleo e gás planejado em terras públicas dos Estados Unidos.
Impacto nos Estados Unidos
As novas diretrizes para a política ambiental de Trump 2.0 definitivamente afastam os Estados Unidos de alcançar a meta de reduzir as emissões de carbono entre 61% a 66% abaixo dos níveis de 2005 até 2035, uma das últimas medidas de Biden nesse tema. Na verdade, ao sair do Acordo de Paris, essa redução nem pode mais ser considerada uma meta oficial dos Estados Unidos. Nesse cenário, espera-se que as políticas ambientais nos próximos anos partam, principalmente, dos governos estaduais, que tentarão dar continuidade ao Acordo de Paris por outras vias, a exemplo da U.S. Climate Alliance (Aliança Climática dos Estados Unidos), que já existe desde 2017, no primeiro governo Trump.
O modelo de federalismo norte-americano, no qual os estados têm autonomia para conduzir boa parte das suas políticas, entre elas a ambiental, permite que se construa uma espécie de “federalismo compensatório”. Por meio desse arranjo, as unidades constituintes assumem o papel de responsabilidade, ao implementarem seus próprios programas de mitigação ou adaptação, especialmente quando os dois níveis de governo estão sob diferentes orientações ideológicas. Ou seja, os estados preenchem a lacuna deixada pelo governo federal em certas agendas.
No primeiro governo Trump, as coalizões subnacionais e os estados-chave em política ambiental, como Califórnia e Nova York, exerceram um papel significativo na política ambiental dos Estados Unidos. Naquela ocasião, Trump não se colocou como um adversário declarado dessa rede de atores e suas agendas, ao menos não de maneira direta. Nesse segundo governo, porém, no qual as políticas estão mais radicalizadas, e o tom da Casa Branca, mais agressivo em temas como gênero, representatividade e meio ambiente, as relações federativas tendem ao conflito, o que pode estagnar, ou até mesmo reverter, avanços nos esforços climáticos que ainda existem no país. Resta aguardar.
O futuro dos esforços internacionais para o clima
Olhando em perspectiva, os Estados Unidos não foram protagonistas nos esforços de combate às mudanças climáticas e proteção do meio ambiente global das últimas décadas. A título de comparação, outros atores, como Brasil e União Europeia, tiveram papel mais relevante nessa agenda. A contradição desse cenário se deve à responsabilidade ambiental que o país carrega, devido a sua contribuição significativa para a poluição global. Hoje, os Estados Unidos são o segundo maior emissor de CO2 do mundo (entre 1887 e 2004 eram o maior), e o maior em nível de emissão por habitante.
Durante o governo Obama (2009-2017), alguns passos foram dados para tentar melhorar a posição do país nessas áreas, como a criação do Clean Power Plan (Plano de Energia Limpa) e a entrada no Acordo de Paris, desde sua origem. No governo Biden (2021-2025), promoveu-se a primeira Cúpula de Líderes sobre o Clima, e novas metas ambiciosas para o Acordo de Paris foram anunciadas. Já nas duas administrações Trump (2017-2021 e 2025-) esses esforços foram diluídos de maneira expressiva. Isso não significa apenas que os Estados Unidos voltam a ocupar um papel secundário nessa agenda internacional, mas que, nesse segundo mandato, o país se coloca como um oponente declarado de todos e de quaisquer esforços que venham dessas articulações, de maneira ainda mais agressiva.
(Arquivo) O então presidente Joe Biden, com seu secretário de Estado, Antony Blinken, e seu enviado presidencial especial para o Clima, John Kerry, dá início à Cúpula de Líderes Virtuais sobre o Clima, em Washington, D.C., em 22 abr. 2021 (Crédito: Casa Branca/Adam Schultz/Flickr/Domínio Público)
Nesse cenário, tem emergido um novo ator de destaque: a China. Apesar de hoje ser o país que mais emite CO2 no mundo, a China tem acelerado sua transição energética de maneira rápida e com altos investimentos públicos. No final de 2024, o país asiático bateu alguns recordes na expansão de fontes de energia renováveis, como o acréscimo de 373 milhões de quilowatts à sua capacidade instalada de energia limpa, representando um crescimento de 23% em comparação com 2023. Esse aumento coloca as fontes renováveis como as mais utilizadas no território chinês, representando aproximadamente 56% da capacidade instalada total do país, com destaque para as energias eólica e solar. Além disso, o governo chinês, em parceria com empresas do país, investiu cerca de US$ 100 bilhões em energia limpa ao redor do mundo, o que consolida o país como uma liderança internacional nessa pauta.
Os avanços chineses para um futuro de energia renovável e de baixa emissão de carbono refletem os planos do governo de alcançar segurança energética e expandir sua influência em uma agenda cada vez mais central nos debates da comunidade internacional. Apesar das tarifas já colocadas ou aumentadas pelos Estados Unidos em produtos chineses oriundos desse “mercado verde”, como carros elétricos e painéis solares, o espaço a ser deixado por Trump em ações climáticas nos próximos anos faz os olhares do mundo se voltarem para o país asiático, aumentando a pressão sobre o governo chinês por mais ações nesse sentido. Em setembro de 2020, o presidente Xi Jinping anunciou que o país pretende alcançar o pico de suas emissões até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2060. Com os Estados Unidos “fora do jogo” e os chineses abraçando a agenda ambiental como nunca visto antes, essa pauta pode ser central na redefinição da balança de poder global nos próximos anos.
* Emanuel Assis Aleixo de Franco é mestre e doutorando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e pesquisador no Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI). Contato: emanuel.assis@unesp.br.
** Primeira revisão: Andressa Mendes. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 8 abr. 2021. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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