China e Rússia

EUA-China: A estratégia de Trump na nova perspectiva sobre a guerra econômica global 

(Arquivo) Presidente Donald Trump e o vice-primeiro-ministro chinês Liu He, antes da cerimônia de assinatura da Fase 1 do Acordo Comercial EUA-China, na Casa Branca, em Washington, D.C., em 15 jan. 2020 (Crédito: Foto oficial da Casa Branca/Shealah Craighead/Flickr)

Dossiê “100 dias de Trump 2.0”  

Por Danilo Inácio Martins e Matheus Ribeiro Salles* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [EUA-China] [China] [Tarifas] 

Em negociações recentes, com acordo celebrado na primeira quinzena de maio, a guerra comercial entre Estados Unidos e China chegou a um ponto de arrefecimento. A medida estabelece que as tarifas impostas por ambos os países serão reduzidas ao longo de 90 dias. Dessa forma, observa-se como a política protecionista dos EUA, que também pode ser considerada ofensiva em algumas perspectivas do comércio internacional, chegou ao seu limite. 

Nos primeiros 100 dias do segundo mandato do governo de Donald Trump, nota-se uma intensificação considerável das tarifas e políticas protecionistas adotadas ao longo do seu primeiro governo, como visto em abril deste ano com a aplicação do “tarifaço”. É possível notar também o caráter ofensivo de sua política externa, no que diz respeito à manutenção da posição dos Estados Unidos como ator hegemônico no sistema internacional. A disputa de poder com a China em setores como comércio internacional, tecnologia, economia e influência política evidencia a disputa no sistema internacional, uma vez que Trump considera o país asiático como inimigo, desde 2011. Dado o exposto, nota-se como o realismo político se mantém fortemente vivo na base de formulação da política externa norte-americana. 

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Entenda melhor a abordagem de Trump 2.0 neste artigo de Yasmin Reis e Lauro Henrique Gomes Accioly Filho, para The Conversation Brasil 

O realismo político 

Historicamente, a política externa dos EUA é predominantemente marcada por uma corrente político-ideológica das Relações Internacionais denominada realismo político, que busca tecer uma análise do mundo “como ele é”, ou seja, prioriza a análise das relações entre os Estados no sistema internacional da forma como acontecem de fato. Embora o realismo seja um debate iniciado no século XX, decorrente da formalização e da popularização dos estudos de Relações Internacionais, o movimento político-ideológico que analisa o mundo “como ele é” surgiu com pensadores da Antiguidade, como Tucídides, com História da Guerra do Peloponeso (Editora UnB, 2001), e Sun Tzu, com A arte da guerra (Editora Record, 2011), e evolui no início do século XX.  

O realismo das Relações Internacionais parte, principalmente, do pressuposto pessimista da natureza humana estabelecido por autores europeus como Thomas Hobbes, em Leviatã (Martins Fontes, 2003), e Nicolau Maquiavel, em O Príncipe (Senado Federal, 2018). Nessa perspectiva, a natureza humana é movida pelo senso de autopreservação e pela busca por poder. Tal circunstância levaria a diversos conflitos entre os seres, embates nos quais o sobrevivente seria o mais forte entre os envolvidos no conflito. Outro autor importante para as bases do realismo é o sociólogo Max Weber, que, em Economia e sociedade (Editora UnB, 2022), explica que o Estado é a entidade máxima responsável pela manutenção da ordem social. Em outras palavras, o Estado, por meio do monopólio da violência legítima, detém a capacidade de assegurar a preservação da sua sobrevivência.  

Enquanto as análises de Hobbes, Maquiavel e Weber são levadas para uma abordagem doméstica, ou seja, centralizada no âmbito nacional, teóricos do realismo expandem a lente de análise para o âmbito internacional. Autores como Edward Carr, em Vinte anos de crise: 1919-1939 (Editora UnB, 2001), e Hans Morgenthau, em A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz (Editora UnB, 2003), explicam que, no sistema internacional, os Estados são movidos pelo interesse nacional de autopreservação e de busca de poder em um sistema anárquico, como elaborado por Hedley Bull, em A sociedade anárquica (Editora UnB, 2002). Dessa forma, há um processo intrínseco de disputa que movimenta o equilíbrio de poder entre os Estados, o qual determina aqueles que exercem domínio sobre outros na política internacional. Esse mesmo domínio muitas vezes está ligado ao realismo ofensivo de John Mearsheimer, descrito em A tragédia da política das grandes potências (Gradiva, 2007) como a busca constante pela superioridade de um Estado sobre os demais. Esses pressupostos explicam uma das vertentes das linhas da formulação da política externa dos EUA, que almeja a preservação da posição hegemônica que o país ainda mantém no sistema internacional.  

As dimensões do poder dos EUA 

O paradoxo do poder americano: Por que a única superpotência do mundo não  pode prosseguir isolada | Amazon.com.brOs EUA se inseriram no jogo geopolítico de dominação, atuando como ator hegemônico do sistema internacional desde o final da Segunda Guerra Mundial, período em que houve a transferência do poder hegemônico do Reino Unido para a América do Norte. Na visão de Joseph Nye, em O paradoxo do poder americano (Editora Unesp, 2002), poder é a capacidade de obter os resultados desejados e, se necessário, mudar o comportamento dos outros para obtê-los. Nessa perspectiva, há duas dimensões-base do poder: o hard power (poder bruto), atrelado diretamente aos poderes militar e econômico; e o soft power (poder brando), ligado a valores, cultura, ideologia, instituições, entre outros. No caso do soft power, é importante para o Estado que ele tenha a capacidade de influenciar os demais atores a desejarem o que ele deseja, ou mesmo desejar se tornar o que ele é. 

Nye analisa e explica que os EUA têm grande influência em ambos os tipos de poder, já que, enquanto ator hegemônico do sistema internacional, eles acumulam tanto o hard (graças a seu poder militar e econômico) quanto o soft power (por sua relevância política e diplomática globais). Nye acrescenta que os EUA fazem uma combinação eficiente de ambos os poderes para seus interesses nacionais, resultando no que ele chama de smart power. Essa combinação está relacionada com uma visão mais interdependente e cooperativa entre os Estados no sistema internacional, com uma abordagem transnacional e globalizada, observada na participação dos EUA em organizações como a ONU. 

Embora a capacidade de articulação política e diplomática dos EUA seja expressiva, é importante observar que, mediante a abordagem realista adotada para executar sua política externa, boa parte da sua força no sistema internacional se dá por meio do hard power, com destaque para o ramo econômico dessa dimensão do poder. Por meio das suas relações comerciais e financeiras agressivas, os EUA conseguiram – e ainda conseguem – ditar os fluxos da economia global, de modo a atender aos seus interesses nacionais, fomentando a manutenção da sua posição hegemônica. 

A política externa do primeiro governo Trump 

Para compreender as medidas atuais tomadas pelo presidente Donald Trump e suas políticas mais ofensivas em seu segundo mandato, é necessário revisitar sua gestão anterior como presidente dos EUA. Durante o período eleitoral de 2016 nos EUA, Trump expressou, constantemente, duas bandeiras de campanha como prioridade: a) o combate aos produtos Made in China; e b) a política de America First, que buscava fortalecer a indústria norte-americana em detrimento das importações. 

O primeiro governo de Donald Trump (2017-2021) foi marcado por diversos temas em relação às políticas doméstica e externa. A administração do déficit comercial dos EUA com o mundo, sobretudo com a China, foi um dos temas mais enfatizados por Trump e a área em que mais adotou medidas nesse período.  

As tarifas foram um dos mecanismos utilizados pela política de America First. A imposição de tarifas sobre a importação de produtos, como aço e alumínio (25% sobre o aço, e 10% sobre o alumínio), afetou tanto “aliados” quanto “rivais” dos EUA, a exemplo de União Europeia, Canadá, México, Brasil e China, que retaliaram essas medidas. Com o passar do tempo, as tarifas foram retiradas, gradativamente, para alguns países, mas a relação com a China seguiu outro caminho. Nele, a guerra tarifária foi usada como instrumento para tentar reduzir o déficit da balança comercial entre ambos (entre 2017 e 2018, houve um aumento de 12,7% no déficit norte-americano). O presidente Trump acusava Pequim, constantemente, de agir de má-fé no comércio internacional e de estar roubando os empregos e a propriedade intelectual das empresas norte-americanas presentes na China. Na visão dos EUA, esse “roubo” estaria acontecendo desde a década de 1970, quando as empresas norte-americanas migraram para a China, por meio da instalação de diversas subsidiárias e fábricas.  

Nesse contexto, observa-se que o primeiro mandato de Trump foi marcado por políticas e características ofensivas, como: a) a guerra tarifária contra a China; b) o protecionismo norte-americano; c) a adoção de medidas unilaterais, sem recorrer às organizações internacionais, entre elas a OMC; e d) a política de America First 

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Velhas medidas para um novo governo 

O segundo governo Trump se apresenta como uma continuação das políticas e das estratégias implementadas durante seu primeiro mandato. Parte, contudo, de uma perspectiva mais extrema e ofensiva em comparação com o anterior. A política tarifária se tornou um verdadeiro instrumento estratégico da política comercial de Trump e seu principal ponto de apoio no combate à ascensão chinesa. 

A primeira ordem executiva (OE 14193) para impor tarifas à China em 10%, bem como ao México e ao Canadá em 25%, foi assinada em 1º de fevereiro de 2025. Logo foi seguida da retaliação chinesa, com uma taxação de 15% sobre o carvão e o gás, e 10%, sobre o petróleo, carros e outros produtos norte-americanos. Também em fevereiro foram impostas tarifas de 25% sobre produtos como o aço e o alumínio de todos os países, incluindo o Brasil, mantendo-se com pequenas elevações tarifárias de 10% a 25% em produtos diversificados no âmbito da relação comercial entre EUA e China. O mês de março seguiu com a adoção de mais tarifas sobre a China, chegando a 45% para aço e alumínio. A estratégia de Trump em incentivar a indústria nacional por meio do protecionismo, perante as importações chinesas, e do encarecimento da produção dos importadores demonstra uma possível ausência de planejamento estratégico.  

O auge da guerra tarifária se deu em 2 de abril de 2025, com o chamado “tarifaço” – a imposição de tarifas “recíprocas” sobre dezenas de países, incluindo a China. A medida do “tarifaço” gerou resultados e mudanças consideráveis nas relações entre os países, como a união entre China, Japão e Coreia do Sul em resposta conjunta às tarifas impostas por Washington. A resposta chinesa consistiu em retaliações tarifárias e, em 4 de abril, a China anunciou tarifas de 34% sobre produtos dos EUA. No dia 9 de abril de 2025, aconteceu, de fato, um “combate tarifário” entre Washington e Pequim, no qual, em apenas um dia, Trump elevou as tarifas contra a China, atingindo o total de 145% sobre o valor de produtos importados. Nesse cenário, em nome do princípio da reciprocidade, os chineses elevaram as tarifas contra os EUA para 125% – e nesse patamar permaneceram, sem continuar a escalada. 

Em 12 de abril de 2025, ocorreu o primeiro recuo tarifário de Trump, por meio da aplicação de isenções aos eletrônicos importados pelos EUA, demonstrando a forte pressão que as empresas de tecnologia (Apple, Microsoft, Nvidia, Amazon, entre outras) exerceram sobre o governo americano contra a guerra comercial. Em entrevista na Casa Branca, o presidente Trump sinalizou que não manterá as tarifas nos níveis decretados contra os chineses e que haverá uma redução gradual. 

O futuro da guerra comercial 

A mudança de governo nos EUA, com uma abordagem mais incisiva em relação à política externa do governo de Joe Biden, e a transição da ordem internacional, com a ascensão contínua da China, impulsionam as escolhas políticas de autopreservação do Estado norte-americano e de sua posição hegemônica no sistema internacional. As medidas tomadas por Trump em seu segundo mandato refletem o receio dos EUA de perder sua hegemonia, o que leva a ações céleres, porém desesperadas e sem planejamento de longo prazo. Nota-se uma política mais ofensiva a respeito de temas formulados anteriormente, como a ascensão chinesa e a manutenção do papel do dólar como moeda central do sistema financeiro internacional. Nesse sentido, a expectativa é que a política externa de Trump em relação à China siga estratégias semelhantes às adotadas durante seu primeiro governo.

 

* Danilo Inácio Martins é graduando em Relações Internacionais pelo Centro Universitário IESB. Atuou como colaborador na Secretaria de Assuntos Multilaterais Políticos do Ministério das Relações Exteriores entre 2023 e 2025. Contato: daninmarbsb@gmail.com 

Matheus Ribeiro Salles é graduando em Relações Internacionais pelo Centro Universitário IESB. Atuou como colaborador na Coordenação Geral dos Adidos Agrícolas da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária entre 2023 e 2025. Certificado em “Relações Bilaterais: Energia Nuclear” pela Embaixada do Irã no Brasil. Contato: matheussalles2012@gmail.com. 

** Primeira revisão: Yasmin Reis. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 25 abr. 2025. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. 

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mailtatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com. 

 

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