América Latina

Entre limitações, taxações e fentanil: balanço dos 100 primeiros dias de Trump 2.0 

Fentanil Rainbow (Crédito: DEA/Flickr)

Dossiê 100 Dias de Trump 2.0 

Por Paula de Faria Donegá* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0 

Antes mesmo de reassumir a Presidência em 2025, Donald Trump já prometia intensificar a ofensiva contra os cartéis de drogas. Em discurso de campanha, afirmou que buscaria penas mais duras para traficantes, incluindo a pena de morte, e defendeu medidas drásticas, como embargos econômicos e operações especiais transnacionais. As declarações antecipavam uma política de drogas centrada no enfrentamento bélico ao narcotráfico, que, em seus primeiros 100 dias de governo, começou a se materializar em ações mais agressivas nas fronteiras. Mas, à medida que antigas estratégias se repetem, ressurge também a pergunta: o que há de novo nessa guerra? 

Avanços limitados 

Ao sancionar a Lei Agrícola (Farm Bill) de 2018 durante seu primeiro mandato (2017-2021), o então presidente Donald Trump abriu caminho para a legalização do cultivo de cânhamo — uma variedade da Cannabis com baixos teores de THC — nos Estados Unidos. A medida impulsionou o mercado de produtos derivados de cânhamo. De acordo com dados do Departamento da Agricultura, a área plantada com cânhamo industrial nos EUA disparou de menos de 2.000 hectares em 2015 para mais de 12.100 hectares em 2018, o que também sugere que o Legislativo pode estar atento à crescente demanda do consumidor e à clara viabilidade de mercado para produtos de cânhamo industrial e CBD. Em agosto de 2018, 40 estados permitiam o cultivo de cânhamo para uso comercial, pesquisa ou programas-piloto.  

Especialistas afirmam que o cânhamo tem cerca de 25 mil possíveis aplicações industriais, destacando-se por ser uma planta integralmente aproveitável. Suas sementes geram um óleo com valor nutricional, amplamente utilizado nos setores alimentício e cosmético; as flores são fontes de extratos com potencial medicinal; e o caule fornece fibras resistentes, de grande interesse para as indústrias têxtil, automotiva, setor da construção civil, entre outras. 

Já em maio de 2024, o presidente Joe Biden (2021-2025) tentou avançar na regulamentação do uso medicinal da Cannabis, propondo a reclassificação da planta da Lista I para a Lista III, onde se enquadram medicamentos controlados com potencial clínico. No entanto, a proposta foi suspensa administrativamente por um juiz da Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) e, desde janeiro de 2025, o processo de reclassificação está paralisado. Se aprovada, a reclassificação da Cannabis para a Lista III reconhecerá formalmente o uso medicinal aceito pela lei federal e também permitirá a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos à base dessa planta supervisionados pela agência reguladora responsável pelo setor (FDA, na sigla em inglês).   

Embora Donald Trump tenha sinalizado certa abertura à descriminalização de produtos à base de canabinoides — incluindo seu apoio à Emenda 3, proposta votada na Flórida em 2024 que legaliza o uso recreativo da Cannabis —, o avanço da pauta em nível federal enfrenta forte resistência institucional. Por meio do Departamento de Justiça e do Departamento de Saúde, a DEA tem-se posicionado de forma contrária à reclassificação da substância por questões institucionais e por pressão política -– mesmo diante de mudanças significativas na opinião pública e em legislações estaduais. Isso vem freando iniciativas para flexibilizar a legislação sobre a Cannabis nos Estados Unidos. 

Trump nomeou para o comando do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês) uma figura tão estratégica quanto controversa: Robert F. Kennedy Jr., ex-candidato à Presidência e defensor da descriminalização da Cannabis. Conhecido por seu posicionamento crítico em relação à vacinação e por propagar desinformação sobre saúde pública, Kennedy gera polêmicas dentro e fora dos círculos científicos. Ainda assim, já se posicionou publicamente a favor da regulamentação da Cannabis, argumentando que os impostos gerados pelo setor poderiam ser direcionados para o financiamento de programas de reabilitação para dependentes químicos — uma proposta que alia a flexibilização da política de drogas a iniciativas de saúde pública. 

Robert Kennedy Jr. Takes Role as HHS SecretaryFonte: ExecutiveGov

Enquanto a reclassificação e a descriminalização da Cannabis seguem paralisadas em nível federal, o foco da política de drogas do presidente Donald Trump em seu segundo mandato tem-se concentrado no combate ao fentanil.  

Entre fentanil e taxações 

Acabar com o comércio de fentanil é um dos principais objetivos de Trump 2.0. Analisando os primeiros 100 dias de governo, isso parece, no entanto, estar longe de acontecer. 

A imposição de tarifas de 25% pelos Estados Unidos sobre produtos mexicanos e canadenses, além de um aumento de 10% sobre importações chinesas, foi justificada pelo presidente Donald Trump como uma resposta à crescente entrada de drogas ilícitas, em especial o fentanil, por esses países e à imigração ilegal pela fronteira sudoeste. Trump disse à imprensa que a nova tarifa à China viria somada ao percentual já aplicado em 4 de fevereiro, o que elevaria o total das tarifas para 20%. 

Em janeiro de 2025, autoridades confiscaram 450 quilos de fentanil na fronteira sudoeste dos Estados Unidos — uma redução de 50,5% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Apesar da queda, segundo um representante da Casa Branca, a quantidade interceptada ainda seria suficiente para provocar a morte de milhões de norte-americanos. 

De acordo com autoridades mexicanas, o fentanil se tornou a droga preferida dos cartéis por ser mais fácil de produzir e transportar, além de apresentar alto potencial de dependência — é cerca de 50 vezes mais potente do que a heroína. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, destacou, por sua vez, que os Estados Unidos também têm responsabilidade na atual crise, mencionando a aprovação indiscriminada de opioides, como a oxicodona, no final da década de 1990, fator que contribuiu significativamente para a epidemia de dependência no país. 

Aos cartéis mexicanos…estamos chegando! 

“Os cartéis mexicanos precisam saber que estamos chegando lá. […] Vamos fazer operações agressivas para ir atrás de vocês e dos seus negócios, porque vocês estão matando os jovens americanos em níveis recordes, e isso não vai ser tolerado”, disse Derek S. Maltz, administrador interino da DEA, nomeado pelo governo Trump 2.0, em entrevista à BBC Brasil. 

A fala de Maltz ilustra o tom beligerante da nova política antidrogas dos EUA, que ganhou forma já nos primeiros dias do segundo mandato de Trump. Logo após tomar posse, Trump emitiu uma ordem executiva que reconhece cartéis de drogas como organizações terroristas e amplia os poderes do governo federal no enfrentamento ao chamado narcoterrorismo. Apesar de não mencionar explicitamente o uso de forças militares, a iniciativa visa a endurecer o combate a essas organizações criminosas, possibilitando ações extraterritoriais que podem afetar a soberania de países latino-americanos.  

File:Derek Maltz (53423986595).jpg(Arquivo) Derek Maltz, em evento em Phoenix, Arizona, em 18 dez. 2023 (Crédito: Gage Skidmore/Wikimedia Commons)

O decreto menciona grupos como o Trem de Aragua e a MS-13, embora o termo “cartel” seja utilizado de forma abrangente para incluir diferentes organizações criminosas transnacionais. Em declaração pública, Trump classificou esses grupos como ameaças diretas à segurança dos Estados Unidos e reforçou que nenhuma opção está fora da mesa — incluindo uma possível intervenção militar no México, cenário que levanta preocupações sobre as implicações diplomáticas e humanitárias da nova diretriz. Até o momento, a execução prática da medida não foi claramente definida pela Casa Branca. 

Nos primeiros 100 dias de seu segundo mandato, Donald Trump reafirmou uma abordagem rígida e punitiva no enfrentamento às drogas, centrada no combate ao tráfico internacional e na repressão a cartéis. A adoção de tarifas sobre importações do México, a designação de grupos criminosos como organizações terroristas e a defesa de penas severas — incluindo a pena de morte para traficantes — marcaram uma política externa mais agressiva e controversa.  

Internamente, embora tenha surpreendido, ao apoiar a legalização da maconha na Flórida, sua gestão ainda carece de propostas claras voltadas para prevenção, educação e tratamento de dependentes. Assim, o balanço inicial do governo Trump indica uma política de drogas excessivamente concentrada na segurança e na dissuasão, mas com lacunas no enfrentamento das causas estruturais da crise.

 

* Paula de Faria Donegá é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos Transnacionais da Segurança (NETS) e do Grupo de Elaboração de Cenários e Estudos de Futuro (GECEF). Desenvolve pesquisa nas áreas de Paz, Defesa e Segurança Internacional. Contato: pf.donega@unesp.br. 

** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 25 abr. 2025. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. 

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