Entre a ambição e o desgaste: os 100 primeiros dias de Trump 2.0 sobre a Guerra na Ucrânia

Presidente Donald Trump se reúne com seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, em 28 fev. 2025, na Casa Branca, em Washington, D.C. (Crédito: Casa Branca/Daniel Torok-Flickr/Wikimedia Commons)
Dossiê “100 dias de Trump 2.0”
Por Fernanda Magnotta e João Pedro Gonçalves* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Guerra na Ucrânia]
Ao reassumir a Presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025, Donald Trump carregava uma promessa retumbante: resolver a guerra entre Rússia e Ucrânia em apenas 24 horas. A retórica simplificadora projetava a imagem de um líder capaz de domar conflitos complexos com base em seu instinto e poder de negociação pessoal.
Cem dias depois, porém, o cenário que se apresenta é bastante distinto. Longe de uma resolução rápida, o que se viu foi um emaranhado de tentativas diplomáticas malsucedidas, sinais contraditórios enviados a aliados e a adversários, e a demonstração clara de que o conflito no Leste Europeu é muito mais resistente a soluções fáceis e de curto prazo do que as expectativas criadas durante a campanha eleitoral sugeriam.
Este texto reúne os principais acontecimentos que marcaram os primeiros 100 dias do segundo mandato de Trump, focando na condução da guerra da Ucrânia e no esforço presidencial para construir um legado enquanto pacificador – ainda que a realidade internacional tenha imposto limites evidentes a essa ambição, cujo futuro permanece incerto.
A retórica da solução imediata
Trump iniciou seu segundo mandato reafirmando, em 23 de janeiro de 2025, que pressionaria a Rússia por meio de sanções, caso não houvesse esforço palpável para terminar a guerra. Esse gesto inicial sugeria uma postura mais firme em relação a Moscou. No entanto, a estratégia adotada nos dias subsequentes revelou outro caminho: a busca de um entendimento direto entre líderes, à margem de organismos multilaterais e de alianças tradicionais.
Em 12 de fevereiro, Trump fez ligações separadas para Vladimir Putin e Volodymir Zelensky. O conteúdo das conversas revelou concessões implícitas à Rússia, como o reconhecimento da inviabilidade do retorno da Ucrânia às fronteiras pré-2014 e a exclusão da possibilidade de ingresso ucraniano na OTAN – pontos centrais da agenda de segurança de Moscou. Nesse mesmo dia, Trump declarou, publicamente, que era improvável que a Ucrânia recuperasse seus territórios ocupados, sinalizando um reposicionamento dos Estados Unidos no conflito.
Simultaneamente, a movimentação diplomática norte-americana provocou uma forte reação europeia. Temerosa de ser marginalizada, a Europa organizou um encontro emergencial no Palácio do Eliseu, em Paris, em 17 de fevereiro, insistindo na necessidade de manter sua influência nas negociações de paz.
Tentativas de mediação e o isolamento da Ucrânia
A sequência de eventos mostrou que Trump tentava protagonizar um processo de paz calcado em negociações bilaterais diretas – primeiro, com a Rússia; depois, tentando adequar a Ucrânia aos seus termos. O encontro entre o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o ministro russo das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, na Arábia Saudita, em 18 de fevereiro, foi emblemático: pela primeira vez desde a invasão russa em 2022, representantes de Washington e Moscou se sentaram à mesma mesa sem a mediação de Kiev ou de aliados europeus.
O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio (à dir.), cumprimenta o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, durante reunião no Palácio Diriyah, em Riad, na Arábia Saudita, em 18 fev. 2025 (Crédito: Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita/UPI)
Essa postura gerou profundas críticas. Para Zelensky, qualquer plano de paz que não envolvesse a participação ativa da Ucrânia seria inaceitável. Em resposta, Trump aumentou a pressão: em 19 de fevereiro, acusou a Ucrânia, implicitamente, de prolongar o conflito, sugerindo que Zelensky era um “ditador”, além de cobrar a realização de eleições no país em guerra.
O desgaste diplomático se aprofundou quando, no final de fevereiro, Zelensky visitou Washington para formalizar um acordo de cooperação em minerais estratégicos. Esperava-se um fortalecimento da parceria Estados Unidos-Ucrânia, mas o encontro terminou em desastre: um confronto público entre Zelensky e as lideranças norte-americanas em plena Casa Branca, resultando na retirada ucraniana sem a assinatura do acordo. A cena foi explorada por Putin, que a utilizou para reforçar a narrativa da inabilidade diplomática ucraniana.
Após o impasse sem precedentes, Zelensky foi ao Reino Unido, onde foi recebido pelo rei Charles III e participou, em Londres, de uma cúpula de líderes ocidentais promovida pelo primeiro-ministro Keir Starmer. Depois do constrangimento na capital dos Estados Unidos, na Europa a ideia era discutir o apoio para a segurança coletiva do continente.
Crises, retaliações e recuos
Em resposta aos impasses, Trump adotou medidas de pressão. Em março, suspendeu a ajuda militar à Ucrânia e, pouco depois, cessou o compartilhamento de dados de Inteligência cruciais. A mensagem era clara: Kiev deveria ceder às propostas dos Estados Unidos, ou enfrentaria o isolamento.
A estratégia surtiu efeito. Em 11 de março, sob mediação da Arábia Saudita, representantes ucranianos aceitaram um esboço de plano de paz apresentado pelos norta-americanos, o que levou à retomada da ajuda militar. Ainda assim, a implementação do cessar-fogo revelou obstáculos intransponíveis. Questões como o futuro das tropas ucranianas em território russo, a reconfiguração militar durante o cessar-fogo e a supervisão do acordo permaneceram sem solução.
Steve Witkoff, enviado especial de Trump, buscou reforçar a percepção de que Putin estaria comprometido com a paz. Entretanto, apesar de promessas temporárias, como a suspensão de ataques a usinas ucranianas, os russos continuaram suas ofensivas – a exemplo do ataque a Odessa em 21 de março –, demonstrando a fragilidade dos entendimentos estabelecidos.
A reação internacional e o impasse para os Estados Unidos
Enquanto Trump ainda tentava conduzir negociações diretas, a Europa organizou a chamada “Coalizão dos Dispostos“, liderada por Keir Starmer e pelo presidente francês, Emmanuel Macron, com o objetivo de criar uma força de segurança que eventualmente poderia operar em território ucraniano. Os líderes europeus reafirmaram seu compromisso com a manutenção das sanções à Rússia, enviando uma mensagem inequívoca de desconfiança em relação à condução norte-americana do conflito.
Internamente, Trump passou a enfrentar críticas crescentes. Suas declarações públicas – como a admissão de que o reconhecimento da Crimeia como parte da Rússia seria aceitável, “porque já está com eles há muito tempo” – e sua minimização da importância da guerra, afirmando que esta seria um “problema herdado de Obama”, demonstraram uma abordagem revisionista e desconectada da posição historicamente sustentada pelos Estados Unidos.
O afastamento entre Washington e Kiev atingiu novo patamar, quando Zelensky descartou, publicamente, qualquer reconhecimento da soberania russa sobre a Crimeia. Trump, em resposta, advertiu que a Ucrânia poderia escolher entre aceitar um acordo ou enfrentar “três anos de guerra e a perda de todo o território restante”.
O cenário de esgarçamento diplomático culminou com a ausência do secretário Marco Rubio em uma reunião crucial em Londres, em 23 de abril, com representantes de Reino Unido, França, Alemanha e Ucrânia – sinal interpretado como diminuição do engajamento norte-americano com seus tradicionais parceiros.
Diante da falta de engajamento entre os Estados Unidos e seus pares europeus, Vladimir Putin realizou novos ataques a Kiev, matando 12 pessoas. Pela primeira vez desde o início do conflito, Trump se mostrou mais incisivo ao criticar o líder russo em sua rede social, a Truth Social, urgindo para que os ataques parassem. “Vladimir, STOP! (Vladimir, PARE!)”, disse o presidente norte-americano.
Tentando reverter o revés e a narrativa em curso de que os Estados Unidos estariam derrapando enquanto mediadores do conflito, Trump e Zelensky se encontraram na Basílica de São Pedro, no Vaticano, em uma reunião informal, sem tradutores ou conselheiros durante o funeral do papa Francisco, realizado em 26 de abril. Foi o primeiro encontro entre os dois líderes desde a reunião desastrosa na Casa Branca em fevereiro.
Zelenskyy (à dir.) e Trump conversam, durante visita à Itália pelo funeral do papa Francisco, no Vaticano, em 26 abr. 2025 (Crédito: Assessoria de Imprensa da Presidência da Ucrânia/AP)
Finalmente, em 28 de abril, às vésperas do 100º dia de Trump como presidente neste mandato, o presidente Vladimir Putin anunciou um cessar-fogo de três dias, entre 8 e 10 de maio, quando a Rússia comemorará 80º aniversário do Dia da Vitória sobre a Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Na mesma data, o presidente Trump declarou que “acredita” que Zelensky irá ceder a Crimeia, condição que o ucraniano, até o funeral do papa, não aceitava. Não há garantias, no entanto, de que se tenha chegado a termos aceitáveis pelas duas partes, que parecem seguir divergindo, em termos estruturais, tanto sobre cessão de territórios quanto a respeito da adesão da Ucrânia à OTAN.
Paz possível?
Ao final dos primeiros 100 dias de seu segundo mandato, Donald Trump se viu diante da dificuldade de transformar promessas em resultados concretos. Apesar dos esforços incessantes para construir uma imagem de líder capaz de encerrar a guerra na Ucrânia, sua estratégia revelou profundas fragilidades: a marginalização de aliados, a instabilidade nas relações com Kiev, a incapacidade de conter a assertividade russa e o enfraquecimento da posição internacional dos Estados Unidos como líder de uma ordem baseada em regras.
Trump tenta, ainda hoje, costurar um acordo de paz que possa ser apresentado como um triunfo pessoal e histórico. Os custos diplomáticos, a perda de credibilidade e a complexidade geopolítica do conflito ucraniano sugerem, no entanto, que sua busca por um legado de pacificador pode levar mais tempo do que ele imaginava e ser mais frágil do que ele gostaria.
* Fernanda Magnotta é coordenadora do curso de Relações Internacionais da FAAP, senior fellow do CEBRI e analista de Internacional da CNN Brasil. Contato: fernanda.magnotta@gmail.com. João Pedro Gonçalves é estudante de graduação em Relações Internacionais da FAAP. Contato: joaopcg06@gmail.com. Ambos fazem parte do Grupo de Estudos em Estados Unidos (GEUA-FAAP).
** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Recebido em 28 abr. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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