Brasil

Trump e Bolsonaro contra o Judiciário: uma análise comparativa 

Sede do STF, em Brasília, um dos prédios invadidos por eleitores bolsonaristas no 8 de Janeiro (Crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Por Arthur Banzatto* [Informe OPEU] [Brasil] [Suprema Corte] 

No Brasil, desde o episódio do Mensalão (2005), observamos uma crescente “judicialização da política” e uma “politização da justiça”. Ainda que esse fenômeno envolva o Poder Judiciário como um todo, são os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), na condição de guardiões da Constituição Federal, que acabam assumindo um maior protagonismo político. 

Operação impeachment: Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato eBook :  Limongi, Fernando: Amazon.com.br: LivrosEmbora as tensões entre o Executivo e o Judiciário tenham se acentuado ao longo do governo de Jair Bolsonaro, o STF já sinalizava, pelo menos desde o governo Dilma Rousseff, algum grau de ativismo político. Em 2016, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil, alegando desvio de finalidade com base em um suposto objetivo oculto de Lula de escapar de um eventual pedido de prisão pelo então juiz da Lava Jato, Sergio Moro. A decisão foi bastante controversa do ponto de vista jurídico, principalmente pelo fato de ter sido baseada em conversas telefônicas privadas entre Lula e Dilma, divulgadas para a imprensa de forma ilegal, parcial e seletiva por parte de Moro. Ademais, o episódio serviu para agravar a crise política, contribuindo para a queda de Dilma, conforme análise de Fernando Limongi, no livro Operação Impeachment: Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato (Todavia, 2023). 

Durante o governo Bolsonaro, diversos foram os episódios em que o Supremo atuou de forma contrária aos interesses do então presidente: invalidou decretos que flexibilizaram a compra e o uso de armas de fogo; garantiu o direito de estados e municípios de adotarem medidas restritivas para conter o avanço do coronavírus; suspendeu a posse de Alexandre Ramagem, nomeado por Bolsonaro como diretor-geral da Polícia Federal; instaurou o Inquérito das Fake News para investigar a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas e ameaças contra os membros do STF e seus familiares, entre outros. 

Embora tais casos possam ser interpretados como consequências do sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição Federal, no qual caberia ao STF contestar a constitucionalidade de atos ou decretos do presidente da República, Bolsonaro buscou tensionar ao máximo essa relação. Em diversas oportunidades, o ex-presidente atacou publicamente os ministros da Suprema Corte, acusando-os de “esvaziar” o seu poder político. Ademais, também fez ameaças de invocar o artigo 142 da Constituição, a partir de uma interpretação bastante controversa, para promover uma intervenção militar de modo a “restabelecer a ordem” no país. 

No contexto das eleições de 2022, esses ataques se intensificaram com a insistência de Bolsonaro em questionar o processo eleitoral brasileiro. Para o ex-presidente, as urnas eletrônicas estariam fraudadas e tanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quanto o STF seriam partícipes dessa fraude eleitoral. Em algumas oportunidades, Bolsonaro chegou a descumprir ordens judiciais, a exemplo de quando faltou a depoimento na sede da Polícia Federal, após ser intimado pelo ministro Alexandre de Moraes no contexto do inquérito que apurava o vazamento de dados sigilosos envolvendo uma investigação no TSE. Em paralelo, também se recusou a excluir imagens consideradas pelo TSE como propaganda eleitoral na ocasião dos eventos comemorativos do bicentenário da Independência do Brasil. 

A escalada das tensões teve seu ápice no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, quando manifestantes bolsonaristas invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF, depredando patrimônio público e pedindo por intervenção militar. Por conta deste episódio, Bolsonaro e alguns de seus aliados mais próximos viraram réus por tentativa de golpe de Estado, após o STF ter aceitado a denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República (PGR) em março de 2025. Como parte da trama golpista, havia uma minuta de decreto que previa a decretação do estado de defesa e a intervenção no TSE para anular o processo eleitoral de 2022. 

Aqui como lá 

Existe um paralelo inegável entre o 8 de janeiro de 2023 no Brasil e o 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos, quando apoiadores radicais de Donald Trump invadiram o Capitólio para protestar contra o resultado da eleição presidencial de 2020, vencida por Joe Biden. Em ambos os casos, tanto Bolsonaro quanto Trump são acusados de incitarem suas bases a adotarem esse tipo de conduta violenta, principalmente por conta de seus ataques sistemáticos às instituições democráticas e das constantes denúncias de fraudes no processo eleitoral. 

Essas semelhanças fazem parte de um contexto global mais amplo de crise das democracias liberais, sobretudo, diante da ascensão da direita radical, da qual Trump e Bolsonaro fazem parte. De forma geral, as táticas e os movimentos desses líderes políticos envolvem o fortalecimento do Poder Executivo, a subversão dos mecanismos de freios e contrapesos e de accountability, o assédio à oposição e a manipulação estratégica dos processos eleitorais. 

Uma parte significativa desses ataques às instituições democráticas é destinada ao Poder Judiciário. Assim como Bolsonaro no Brasil, Trump constantemente faz ataques e ameaças à Suprema Corte dos EUA (e ao Poder Judiciário de forma geral), acusando os magistrados de não o deixarem governar sempre que há alguma decisão contrária aos seus interesses. Um dos argumentos utilizados para reforçar sua posição é que, diferentemente dos juízes, ele foi eleito pelo povo, ignorando o papel contramajoritário da Suprema Corte na defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito e dos direitos e garantias fundamentais. Trump chegou a defender publicamente o impeachment de juízes que suspendessem os seus decretos presidenciais. Contraditoriamente, foi a própria Suprema Corte dos EUA que garantiu o direito de Donald Trump disputar as eleições de 2024, revisando uma decisão da Justiça do Colorado, que havia proibido Trump de concorrer por conta de sua participação nos atos do 6 de janeiro. 

Arthur Banzatto ao OPEU: ‘Lava Jato foi nova etapa de ingerência, mais consensual, dos EUA no Brasil’ 

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Como forma de minimizar esse conflito de interesses entre Executivo e Judiciário, Trump busca indicar juízes alinhados ao espectro ideológico para ampliar a maioria conservadora na Suprema Corte. No seu primeiro mandato, nomeou três ministros conservadores (Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett). No mandato atual, a tendência é que essa prática continue, uma vez que ela tem garantido alguns resultados positivos para o governo. Podemos mencionar, como exemplo, as polêmicas decisões no âmbito da política migratória. Recentemente, Trump tem decretado prisões e deportações sumárias de migrantes venezuelanos suspeitos de estarem envolvidos com organizações criminosas, sem garantir-lhes o direito ao devido processo legal. Após a prática ter sido suspensa por alguns juízes federais, diante de flagrante ilegalidade, a Suprema Corte – cuja composição atual apresenta uma maioria conservadora – decidiu em favor do governo pelo placar mínimo (5 a 4), autorizando a retomada das deportações. Houve, no entanto, a ressalva de que esses migrantes podem impetrar habeas corpus na jurisdição federal em que residem para tentar impugnar as respectivas deportações.  

De forma similar, Bolsonaro declarou expressamente que indicaria um nome “terrivelmente evangélico” para o STF. A promessa foi cumprida com a nomeação de André Mendonça em dezembro de 2021. Antes dele, havia nomeado o ministro Kássio Nunes Marques em 2020, desagradando a sua base mais conservadora na ocasião. 

Nem tão iguais assim 

Ao contrário de Trump, porém, Bolsonaro não conseguiu formar uma maioria conservadora no STF. Além de derrotas importantes durante o seu mandato, como aquelas já citadas, Bolsonaro atualmente é réu por seu envolvimento na tentativa de golpe de Estado. Em julgamento realizado pela Primeira Turma do Supremo em 26 de março de 2025, a decisão foi unânime. Na ocasião, o voto do relator Alexandre de Moraes foi acompanhado integralmente pelos demais ministros – Flávio Dino, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Cristiano Zanin. Nenhum deles foi nomeado por Bolsonaro.  

As acusações bolsonaristas de eventuais abusos de poder por parte do STF, sobretudo do ministro Alexandre de Moraes, são passíveis de discussão. Entre os episódios mais controversos, podemos destacar a abertura de ofício e a condução do Inquérito das Fake News, em que Moraes concentra poderes de investigação e de julgamento na condição de relator, além dos casos de suspensão de perfis de redes sociais e determinação de remoção de conteúdos no contexto das eleições de 2022. Ou seja, existe algum grau de legitimidade no questionamento em torno de um suposto excesso de protagonismo por parte do Supremo, que passa a exceder os limites estritos de sua competência, influenciando cada vez mais os rumos da política nacional. Este processo não parece ocorrer com a mesma intensidade nos EUA, onde a Suprema Corte apresenta uma atuação mais discreta. 

Como As Democracias Morrem ( Steven Levitsky )No entanto, essa diferença de comportamento precisa ser contextualizada de acordo com a história política de cada país. A democracia estadunidense, embora muitas vezes seja rotulada como “a maior e/ou a mais longeva democracia moderna”, apresenta algumas falhas estruturais que persistem até hoje. Durante séculos, conviveu com a escravidão e com a segregação racial (que foi abolida formalmente apenas na década de 1960). Ao longo do século XX, promoveu golpes de Estado e intervenções militares contra governos eleitos democraticamente ao redor do mundo. Ademais, o sistema eleitoral estadunidense apresenta, até os dias atuais, alguns déficits democráticos, como a possibilidade de o presidente da República eleito não ser necessariamente o candidato que obteve a maior votação popular, como nas eleições de 2000 (George W. Bush) e 2016 (Trump).

Além desta, outras críticas ao sistema eleitoral estadunidense envolvem também: o voto facultativo em dia de semana (terça-feira), sem decretação de feriado nacional; o alto grau de abstenção; e a exclusão de eleitores por motivos de condenação criminal, ausência de residência fixa, exigências burocráticas, entre outras medidas que afastam a população negra e latina do exercício da democracia mediante o direito ao voto. Esse argumento é mais bem desenvolvido no livro Como as Democracias Morrem, de Daniel Ziblatt e Steven Levitsky (Editora Zahar, 2018).  

Mesmo com todas essas limitações, os EUA apresentam um longo histórico de estabilidade política, realizando eleições presidenciais consecutivas desde 1789, além de um controle civil eficaz das forças armadas. Muito diferente é o caso do Brasil, cuja história é marcada por diversos golpes de Estado. Embora a “intentona bolsonarista” tenha fracassado em 2023, as provas apresentadas na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) demonstram que houve uma ameaça real de ruptura institucional e de abolição do Estado Democrático de Direito no país. Todo esse contexto é essencial para compreendermos essa atuação mais incisiva do Supremo na conjuntura atual. Mesmo que algumas críticas sejam válidas, o STF tem exercido um papel importante na defesa da ordem constitucional e da democracia brasileira diante das ameaças golpistas.

 

A Hegemonia Estadunidense e o Combate à Corrupção no Brasil*  Arthur Banzatto é professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É autor de A hegemonia estadunidense e o combate à corrupção no Brasil: o caso da Operação Lava Jato (Kotter Editorial, 2024).

** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEURecebido em 4 abr. 2025.

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