Relação entre Estados Unidos e Argentina passa por segurança e acesso a mercados

por Livia Milani *

Desde o início de seu governo, o Presidente argentino Maurício Macri tem buscado intensificar as relações bilaterais com os Estados Unidos e, embora não tão ressaltado, houve importantes desenvolvimentos no campo da segurança e do combate ao crime organizado. A aproximação foi pautada por visitas presidenciais em março de 2016 e em abril de 2017 cujos resultados, entre outros, foram a assinatura de acordos em temas de combate ao narcotráfico e aproximação entre os militares e forças de segurança.

Limões e Armas

Em abril deste ano, durante a visita de Macri aos Estados Unidos, Donald Trump afirmou em resposta a jornalistas que trataria sobre o tema da Coreia do Norte enquanto seu homólogo lhe falaria sobre limões. A resposta de Trump fazia referência à crise na península coreana, que se agravava com o início dos testes de mísseis balísticos pelo regime liderado por Kim Jong-un, e ao tema da abertura do mercado norte-americanos aos cítricos argentinos. Este último, era um dos pontos principais da agenda de discussões e o compromisso estadunidense com a liberalização do mercado foi percebido pelo governo argentino como uma vitória.

O comentário de Trump remete a alguns elementos interessantes das relações interamericanas no presente, especialmente a falta de atenção atribuída a região – já que ficou implícito que o presidente estava mais preocupado com outros cenários estratégicos. A falta de prioridade da região reflete-se na não indicação de um nome para o Escritório para o Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, que atualmente é comandado por um interino, e para própria Embaixada da Argentina, cargo que se encontra vago desde janeiro. A situação não é exatamente uma novidade. Nos últimos governos, a América Latina também não se encontrava entre as prioridades de política exterior norte-americana.

Contudo, ao deixar implícita a noção de que a Argentina teria interesses econômicos e comerciais no campo da agricultura enquanto os Estados Unidos teriam preocupações referentes a segurança global, omite-se a dinâmica relevante dos acordos e contatos no campo da segurança que permearam as relações bilaterais nos últimos dois anos, desde a chegada de Macri à presidência. Durante o encontro oficial, por exemplo, os líderes afirmaram sua convergência no combate ao narcotráfico e foram  criados dois mecanismos de diálogo bilateral, um sobre finanças ilícitas e o outro sobre segurança cibernética. Essas questões e a aproximação entre e ambos os países foram reiteradas em visita recente de Mike Pence a Buenos Aires, no dia 15 de agosto, quando os representantes nacionais enfatizaram o compromisso comum nas lutas ao terror e ao crime organizado

Relações foram retomadas por Macri e Obama

As relações entre os dois países no campo da segurança haviam passado por um período de congelamento durante o governo de Cristina Kirchner, especialmente depois de 2011, quando o então Ministro das Relações Exteriores, Héctor Timerman, revistou um avião militar proveniente dos Estados Unidos e confiscou material que era destinado a uma capacitação à Polícia Federal argentina. De acordo com Timerman, o avião levava material sensível não declarado e não consistente com o manifesto declarado a aduana. O material ficou retido na Argentina por quatro meses, antes de ser devolvido aos EUA e após esse episódio, houve uma diminuição importante das relações bilaterais na área.

As dificuldades também eram decorrentes de divergências nas visões estratégicas entre ambos os países. Os Estados Unidos entendem que as principais ameaças advindas da América Latina são o crime organizado transnacional e a possibilidade de vínculos entre crime e terrorismo. Essa visão da região por temas de segurança interna tem como consequência o apoio ao emprego interno das Forças Armadas na vigilância de fronteiras e no combate ao crime, o que diverge das orientações argentinas. No país platino, a Lei de Defesa Nacional define claramente a separação entre Defesa e Segurança Pública. Assim, durante os governos kirchneristas o Ministério da Defesa pautou-se por uma visão clara das missões exclusivamente externas das Forças Armadas. Por outro lado, Macri, possui uma visão mais próxima à da potência e defendia em seu programa de governo uma “modernização das Forças Armadas” considerando as “novas ameaças” representadas pelo crime e pelo terrorismo, gerando maior convergências nas visões estratégicas de ambos os países.

Em março de 2016, início do governo de Macri, o então presidente Barack Obama visitou a Casa Rosada, ocasião em que os Estados Unidos se comprometeram com treinamentos e capacitações às forças de segurança argentinas, e a ampliar a assistência do Departamento de Justiça para combater o “financiamento ao terrorismo na Tríplice Fronteira”, retomando assim a relação em tais temas. Na ocasião, também foi anunciado o restabelecimento do Grupo de Trabalho sobre Defesa que havia sido paralisado em 2009 e que se reuniria para tratar de missões de paz, cooperação hemisférica e respostas a desastres naturais.

Posteriormente, em maio de 2016, o vice-ministro de Defesa, Angel Tello, visitou Washington para dar continuidade a retomada das relações com o Departamento de Defesa e os intercâmbios na formação de militares. No período, Tello referiu-se à possibilidade de que fosse instalada uma base logística e de pesquisas científicas na cidade de Ushuiaia, o que gerou desconfiança sobre a possível instalação de uma base militar no país platino.  Dando continuidade ao processo, em dezembro de 2016, foi assinado uma parceria entre o Ministério da Defesa e a Guarda Nacional do Estado da Geórgia, que objetiva a atuação conjunta na vigilância de fronteiras, situações de desastre natural e missões de paz, o que, inclusive contradiz com a noção de emprego unicamente externo das Forças Armadas.

Militarização e Assimetria

Há dois pontos que merecem ser ressaltados sobre a aproximação em segurança dos dois países: a assimetria existente na relação e a possibilidade de militarização no combate ao crime organizado. Com relação ao primeiro tema, apesar da linguagem sempre fazer referência à “cooperação” e a “pareceria”, trata-se de um intercâmbio no qual os EUA estabelecem os paradigmas e fornecem os equipamentos e treinamentos, enquanto a Argentina é a receptora. As concepções, práticas e percepções de ameaças são formuladas nos Estados Unidos e repassadas; não se trata, portanto, de uma parceria simétrica, como poderia ser entendido pela linguagem.

Com relação ao segundo aspecto, referimo-nos ao combate ao narcotráfico, que foi um dos temas principais enfatizados por Macri em sua campanha eleitoral. Nesse caso, cabe ressaltar que as formas de fazer frente ao problema ocorrem quase que exclusivamente pelo uso da força, o que é intensificado pelos acordos e pelo treinamento promovido pelos Estados Unidos, que reafirmam o tema como ameaça principal à região, sempre entendida como questão de segurança. Não há, assim, a busca de políticas alternativas e dá-se continuidade, na prática, à tão questionada noção de guerra às drogas.

* Livia Milani é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (UNESP,UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

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