A alternativa transoceânica de Trump: a conexão Índia com Ásia-Pacífico

por Neusa Maria Pereira Bojikian*

O presidente americano passou por Da Nang, no Vietnã, para a 29a Reunião Ministerial da Asia-Pacific Economic Cooperation (Apec), em 8 de novembro. O local teve destaque na Guerra Fria por ter sido o ponto de desembarque das tropas americanas incumbidas de “defender” o país contra insurgentes comunistas. Em sua visita, Trump não só reafirmou sua decisão de ter tirado os Estados Unidos do Trans-Pacific Partnership (TPP), acordo preferencial de comércio estabelecido em 2015 por doze países banhados pelo Oceano Pacífico, como deu a entender que um acordo desse jamais seria assinado novamente.

Por um lado, a declaração conjunta da 29a Reunião Ministerial da APEC, que cabe notar não é um fórum vinculante de negociações comerciais e sim um fórum de diálogo para promover a liberalização do comércio e dos investimentos da região, reconheceu o esforço da OMC para garantir a sustentabilidade do comércio internacional baseado em regras negociadas e o compromisso de todos os membros com o combate ao protecionismo. Por outro, Trump não perdeu a oportunidade de provocar a plateia. Perante inúmeros agentes econômicos que haviam defendido o TPP, recorreu ao bordão: “eu sempre vou colocar a América em primeiro lugar, da mesma forma que espero que todos vocês nesta sala coloquem seus países em primeiro lugar”. Esse tipo de fala reflete uma dinâmica competitiva baseada no nacionalismo econômico de determinados assessores políticos e está alinhada à sua retórica largamente usada na campanha eleitoral.

Na opinião de alguns analistas, com atores estatais de menor expressão, como o Vietnã, Trump pode sentir-se menos pressionado a cumprir com sua parte e assim explorar um tom diferente daquele que usara na China e no Japão. Entretanto isso pode empurrar tais atores para o eixo da China, que buscaria preencher o vácuo deixado pelos Estados Unidos. A propósito, enquanto a fala de Trump pareceu hostil a determinados ouvidos na plateia, a do presidente Xi Jinping (China) soou amistosa ao dizer que as relações internacionais deveriam ser “mais abertas, mais inclusivas, mais equilibradas, mais equitativas e mais benéficas para todos”.

Trump não se abala. Parece ter certeza de que se Xi Jinping possui estratégias e métricas para atrair uma série de países para a órbita da China, como a iniciativa da nova rota da seda, One Belt and One Road, que frisa a conectividade e cooperação com base em uma rede comercial centrada na própria China, ele poderá encaminhar as questões comerciais dos Estados Unidos por diferentes vias, sobretudo unilateral e bilateralmente. Além disso, uma estratégia para conter o ativismo da China na região, convenientemente chamada pelos americanos de Ásia-Pacífico, seria o estreitamento das relações dos Estados Unidos com três países de peso: Austrália, Índia e Japão.

Tal relacionamento seria orientado com base em um plano de “região Indo-Pacífico livre e aberta”, que está sendo engendrado especialmente pelo secretário de Defesa James Mattis e pelo secretário de Estado Rex Tillerson. Note-se o papel que estaria sendo reservado à Índia no âmbito da Administração Trump, ao tentar promover a conexão desse país com a região Ásia-Pacífico. Esse seria um ponto de inflexão em relação à Administração Obama, que na verdade não se empenhou em promover a entrada da Índia como membro da APEC, que desde 2010 já poderia acolher novos membros. Trump por sua vez, apesar de seu estilo extravagante em nítido contraste com o estilo disciplinado e autocontrolado de Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, fez referências calorosas a ele nas redes sociais, tratando-o como um “verdadeiro amigo”. Isso é tudo que o governo indiano deseja e poderia esperar com tanto empenho em fazer que se reconheça sua estatura geopolítica. Qualquer um que tenha passado por Washington nos últimos cinco anos pelo menos deve ter percebido de fato os inúmeros pontos de diálogos, grupos de trabalho, visitas de delegações governamentais e não-governamentais, e especialmente de missões empresariais pela cidade.

Supostamente, a inserção da Índia favoreceria o deslocamento do centro de gravidade econômica da APEC, comprometeria internacionalmente o governo indiano com reformas domésticas e evidenciaria o engajamento da Administração Trump com a liberalização comercial e a governança global. Porém, há quem duvide que essa aproximação em relação à Índia represente de fato uma mudança estratégica e aposte que isso não vai além de uma mudança de ordem semântica.

Com efeito, o uso do termo “Indo-Pacífico” tem se tornado recorrente entre os membros da Administração Trump. E se ainda não divulgaram o plano em si (com detalhes), por outro lado parecem estar tentando imprimir rapidamente uma marca própria sobre o criticado pivô asiático da administração Obama. Uma marca de confronto e que tende a atribuir algum papel à Índia – que a propósito possui suas próprias rivalidades com a China.

* Pesquisadora do INCT-INEU e pós-doutoranda com apoio CAPES.

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